terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Privatização da Copel


Privatização da Copel

Índice



 

1. Introdução


O Brasil  é um país  em desenvolvimento, sem autonomia econômica e sem exércitos que imponham suas filosofias. O resultado é estarmos sob a tutela dos países mais ricos, esses, por sua vez, instrumentos de grandes grupos de empresários e banqueiros, os verdadeiros grandes comandantes .
Esses líderes agora determinam que as fronteiras sejam abertas, que a concorrência entre nações se estabeleça e a desestatização aconteça. A internacionalização tornou-se simpática e a propriedade intelectual torna-se o grande capital. (Onde estão os grandes laboratórios? Uma característica do Terceiro Mundo é a falta de recursos para tudo, quanto mais para a tecnologia). Defendem redução de custos, maior competitividade. Querem o livre comércio (desculpa usada para a Guerra do Ópio no século dezenove). Não lhes preocupa o resultado social imediato dessas lutas. Partem do princípio de que o progresso virá e com ele o aumento da qualidade de vida, pelos menos é o que alegam quando instados a se explicarem..
As grandes potências, estruturadas para o desenvolvimento tecnológico, confiam em seus centros de pesquisa, indústrias, escolas e esquadras e em leis mundiais que garantam e cobrem pela propriedade intelectual de suas descobertas. Geram patentes bem valorizadas, que lhes garantirão renda e poderes gigantescos. Na competição por outros produtos entram com o capital, o dinheiro deles, impresso e supervalorizado, comprando tudo o que lhes interessa. Dinheiro gerado e sustentado por um magnífico esquema de poder...
Numa versão moderna do tratamento dado pelos europeus aos povos americanos, quando aqui chegaram, trocando espelhos por produtos de maior interesse, induzem nossos patriotas a comprarem de tudo. Os índios agora estão apenas ao sul do equador, no Terceiro Mundo. Os espelhos têm pneus, perfumes, mais cores...
Dizer que tal situação é ruim também é discutível. A soberania de muitas nações tem  tido por conseqüência inúmeras guerras, ódios de toda espécie. A grande nação mundial, Deus queira, talvez esteja nascendo nas bolsas de valores, nos guichês de bancos mundiais. Assim, quem sabe, a Terra  viva na tão desejada paz .
A interferência desses povos, contudo, é muito maior do que poderíamos imaginar há alguns anos. Através da  mídia, filmes e música, objetos de consumo são propostos e aceitos. Além dessas traquitanas temos as questões ideológicas, as institucionais, as relações que se transformam num processo de “modernização” muito bem defendido pela imprensa e políticos ingênuos ou mercenários. É triste ver as fisionomias de nossos governantes visitando os EUA. Seus rostos e trejeitos não escondem a pusilanimidade, o servilismo, a submissão tácita. O grande império e seus vassalos não escondem suas intenções.
Nós somos o país da arbitrariedade. Muito ao contrário dos Estados Unidos da América do Norte, uma nação que se formou com imigrantes que se revoltaram contra as agressões das elites da pátria mãe, nós somos o produto de mil tiranias. Desde o degredo imposto a minorias, penalizadas por suas religiões ou crimes comuns, até negros escravizados por seus inimigos africanos e vendidos como objetos a mercadores europeus, aqui vivendo em fazendas e vilas totalmente submetidas a oligarquias, a coronéis e outras espécies de lideranças piores, temos uma cultura de subserviência e autocracia. Os verdadeiros americanos desapareceram, foram dizimados pelos imigrantes voluntários e forçados.
Encontramos muitas dificuldades em acreditar em nós mesmos. Não nos amamos. Não nos respeitamos. O resultado é seguirmos modelos importados.
Nos países do Terceiro Mundo a privatização tornou-se um modismo e uma opção de apropriação do patrimônio público. Grandes grupos econômicos nacionais também têm a oportunidade de adquirir a preços simbólicos empresas gigantescas. Os investidores estrangeiros, assustados com os problemas recentes em diversos países asiáticos e latino americanos, evitam gastar seus dólares fora de seus países. Só investem aqui na expectativa de retorno rápido. Isso abre espaço para os grandes empresários nativos, permitindo-lhes negócios de pais para filhos.  E esses negócios, eles sabem onde chegarão. Conhecem as engrenagens do poder brasiliense. Sabem como aumentar tarifas, mudar parâmetros, estabelecer novos padrões, que hoje combatem. As eletrointensivas estão sendo estimuladas a apropriar-se de grandes centrais geradoras, a usar artifícios para garantirem seus interesses. Isso atendido, o povo que se dane...
Tudo isso não significa, necessariamente, um desastre. O Brasil, de modo especial, poderá sair lucrando com esse processo capitalista e imperialista. Temos porte, espaço e muito a ser corrigido. O terno usado poderá servir e dar uma boa figura. Precisamos, isto sim, corrigi-lo para que caia bem. Entre os muitos países deste Mundo temos condições privilegiadas para chegar a um nível maior.
Assim, entre as muitas questões em discussão, temos agora o processo de privatização das estatais e de muitos serviços até agora feitos pelo governo. Paralelamente a revisão da Constituição de 1988 coloca-se como necessária à “modernização” do país. Dentro dela muitos direitos e restrições criam obstáculos ao processo  de privatização de empresas. Na declaração expressa de incompetência de alguns estados e governos, entende-se que a transferência para a iniciativa privada será a grande solução para inúmeros problemas do Brasil. Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 é um documento, um atestado à nossa irresponsabilidade. Feita há pouco tempo e já em um Brasil em crise profunda, colocou-se distante de nossa realidade. Os constitucionalistas da época agiram dentro dos piores interesses eleitoreiros ou sob fortes inspirações românticas. O resultado foi termos um documento para um Brasil que não existia. Agora a necessidade de reformas profundas, perdendo-se tempo precioso para uma série de questões importantes. Nesse clima os cuidados necessários a uma privatização inteligente ou a sustentação racional de estatais estratégicas têm sido problema distante da cabeça da maioria dos nossos deputados, senadores, tecnocratas e governantes.
Este trabalho pretende analisar esta questão em relação à Companhia Paranaense de Energia.


Considerações genéricas


Antes de simplesmente defender qualquer figurino devemos estudar cuidadosamente cada proposta. Pela sua importância, não poderemos ignorar o dilema “privatizar ou estatizar”. Uma atitude maniqueísta, radical, não é inteligente. Há pessoas bem intencionadas e inteligentes em todas as correntes ideológicas. Precisamos conhecer bem suas propostas, analisá-las e defender aquelas que julgarmos melhores sem esquecer, contudo, que “a certeza absoluta é suficiente para impedir qualquer progresso mental naqueles que a possuem”, como o disse Bertrand Russel. A autocrítica permanente é necessária. A humildade e a tolerância são essenciais a qualquer ação racional.
É importante, contudo, denunciar de início o centralismo brasileiro. A subordinação ao governo federal significa o desprezo às questões e culturas regionais. O argumento sempre é a necessidade de se estabelecer padrões nacionais, o respeito à incompetência e à incapacidade dos mais atrasados e o poder dos mais ricos. Os estados em situação intermediária servem de fonte de recursos e discursos. Aos grandes não interessa novos competidores e os pequenos entendem que regiões como o Sul do Brasil não precisam de nada.
Os representantes dos estados parecem soldados da República, esquecendo sutilezas de sustentação imperialista dos estados mais conscientes e articulados. As leis, decretos, portarias, os editais e todos os possíveis documentos sobre as concessões onde a União é o Poder Concedente são feitos por burocratas instalados no Rio de Janeiro e em Brasília.
Subordinados a poesias e malandragens, muitos perderão...
Estamos em um movimento de transformação acelerada em direção a uma economia ainda não claramente definida, mas com muitos indícios de subordinação total às diretrizes estabelecidas pelos grandes países para o Terceiro Mundo.
Os grandes riscos de todo esse processo de transformação institucional são destruir as boas empresas, atrasar o desenvolvimento do Brasil pela falta de energia elétrica em muitas regiões, a privatização a preços muito menores dos possíveis em um processo mais inteligente e a perda de soberania em uma área extremamente importante ao desenvolvimento do país.
Há, contudo, muitos benefícios possíveis com a privatização, se bem conduzida. É um processo que se discute há décadas no Brasil. As Grandes Guerras e crises como as produzidas no Oriente Médio refrearam os movimentos privatizantes. Perspectivas de vivermos em um Mundo sem guerras tão extensas e a existência de uma infra-estrutura já bem desenvolvida permitem-nos relaxar o controle sobre a economia, abrindo-a e liberando-a de muitos entraves políticos e burocráticos. Assim poderemos, também, obter recursos importantes para outras áreas menos atendidas. As estatais existentes constituem-se em grandes poupanças que poderão ser melhor utilizadas. Precisamos de um estado empreendedor. Há muito o que fazer. Não podemos esperar a boa vontade de empresários para termos estruturas vitais à produção, à geração de alimentos, à criação de outros postos de trabalho. O estado, contudo, é um péssimo empresário. Explorar de forma otimizada qualquer recurso é quase uma  utopia nas mãos do poder político. Devemos verificar o que pode sair da gerência estatal e desenvolver um processo de privatização lúcido e honesto. Melhor ainda, sempre que possível, sustentar a participação política em concessionárias estratégicas, em processos de parceria com empresas privadas úteis ao desenvolvimento tecnológico e administrativo das empresas.
O cuidado maior será em aproveitar bem os recursos a serem obtidos com a privatização. Se nosso povo, além disso, perceber que está transformando suas estatais em escolas, hospitais e estradas, talvez fique mais atento aos processos em andamento. Precisamos otimizá-los de modo a não termos aqui o que aconteceu no México e na Argentina, onde a alienação de empresas públicas trouxe muito pouco benefício à população, exceto o prazer de vê-las distante de corporações execradas.


2.-O Brasil em relação a outros países


Falar de Brasil é tratar de um país continental. Seus oito meio milhões de quilômetros quadrados impõem um elevadíssimo custo de ocupação. Um exemplo disso é que só recentemente o nosso país começou a ter pólos significativos em seu interior. Temos estados gigantescos com milhares de povoados dispersos e a grande maioria extremamente carentes. Viajando por países como o Japão ou Alemanha veremos cidades se sucedendo, mostrando concentrações humanas ricas e altamente produtoras e consumidoras, ativas economicamente. Qualquer estrada, linha de transmissão ou indústria logo encontra focos de atividade, viabilizando e reduzindo custos das estruturas necessárias. No Brasil somos obrigados a ter linhas de centenas de quilômetros no limite inferior de carregamento para poder atender vilas que mal têm como se sustentar.
Devemos notar as enormes diferenças de proporções. O Brasil ocupa um território 22,5 vezes maior que o do Japão, 33 vezes maior que a Grã-Bretanha e 206 vezes maior que a Suíça. Em relação a esses países nosso produto interno bruto é 8 vezes menor que o do Japão apesar de termos uma população pouco maior. O Brasil é 23 vezes maior que a Suíça em sua população mas o produto interno bruto é apenas o dobro do apresentado por aquela nação.

Gráfico:  Brasil / outros países, dimensões relativas


Um gráfico como o apresentado a seguir mostra que as grandes diferenças persistem se quisermos comparar o Brasil a outros países, mostrando-o em números relativos a sua população.

Gráfico comparando densidades entre Brasil e outros países

O analfabetismo em todas as suas formas é gigantesco em nossa terra e vivemos em um país tropical, com grandes áreas dominadas por doença endêmicas, onde as conseqüentes da miséria são as maiores. Temos dimensões geográficas semelhantes a de países como os EUA, Canadá, China e Índia mas história e formação cultural muito diferentes.
Observando no gráfico dados como densidade demográfica, renda per capita e consumo de energia elétrica por habitante, poderemos notar como estamos muito abaixo dos índices mostrados pelos países mais desenvolvidos. Isso se reflete nos custos. Principalmente a transmissão e distribuição de energia elétrica perdem muito com a rarefação de cargas. Redes gigantescas são construídas para mercados pequenos e mal pagadores. Nossa imensa população considerada de baixa renda não pode viver sem energia elétrica mas não tem como pagar tarifas razoáveis de energia, transporte, assistência médica e comunicação. Nossos políticos e ministros preferem defender um estado assistencialista, que dá mais votos, do que lutar pelo aumento real de salários, que daria mais dignidade e independência ao nosso povo.
Gráficos de comparação social e política mostram com mais clareza as distâncias. Os EUA têm sua constituição federal sem grandes mudanças há mais de duzentos anos. Desde o começo impuseram-se grande respeito às divergências culturais entre seus estados. Atraíram milhões de imigrantes e deram-lhes boas oportunidades de desenvolvimento. Nas guerras em que se envolveram, exceto contra o diminuto e valoroso Vietnan, venceram com grandes benefícios econômicos. Souberam tirar proveito de suas batalhas.
Nossa primeira constituição (1823), cognominada de “Constituição da Mandioca” porque diferenciava os cidadãos pela capacidade de produzir este vegetal, não chegou a imperar nosso quadro institucional. D. Pedro I não a aceitou mostrando, já no início de nossa história, o ambiente que teríamos adiante. Em 1824 tivemos uma constituição outorgada (imposta) pelo imperador, 1891 a primeira republicana, em 1934 a terceira “Carta Magna”, mais atenta às questões eleitorais e trabalhistas, durou 3 anos, em 1937 tivemos nossa Carta fascista (a Constituição Polaca), 1946 o retorno à democracia, 1967 e 1969 de volta para o autoritarismo e super centralismo brasileiro, a de 1988 messiânica e agora praticamente uma nova com as reformas em andamento. Essa instabilidade institucional é uma marca brasileira que contrasta com a estabilidade americana, inglesa, suíça e canadense. Se países mudaram muito como o Japão, França e Alemanha foi principalmente por efeito de guerras devastadoras em que se envolveram. Essas lutas, contudo, em muito contribuíram para o desenvolvimento político de seus povos.
O Brasil envolveu-se mais profundamente em uma guerra contra o Paraguai em que os dois países saíram perdendo. Numerosas revoluções e quarteladas criaram rombos em nossa economia e descontinuidades institucionais muito graves.
Vale registrar que o autoritarismo exercitado internamente manifesta-se em nossas relações com os outros países. Aceitamos servilmente as determinações das grandes potências. Como temos tradição como seres muito falantes e até diplomatas, encontramos para nós mesmos as explicações que interessam aos grandes. Submetemo-nos com todas as teorias e modismos convenientes aos poderosos.
Mas nosso país continente não tem encontrado uma organização institucional satisfatória. Querendo agradar a todos, muda suas leis e até a Constituição Federal com excessiva facilidade.
A instabilidade institucional brasileira tem seu custo. Os investidores exigem taxas de retorno maiores, muito maiores em países inseguros. O povo brasileiro paga muito caro por suas fantasias e mudanças de rumo. Quanto custou em credibilidade o confisco promovido pelo plano de estabilização do governo Collor?
O cenário tecnológico apresenta diferenças imensas entre o Brasil e os países mais desenvolvidos. Nos diversos países europeus e asiáticos mais adiantados as escolas de engenharia são centenárias e modelos de ambiente tecnológico. Nesses países, mais pelos interesses militares, é verdade, a pesquisa teve apoio de governos e empresários. Na indústria eletrotécnica os pesquisadores pioneiros transformaram-se em grandes industriais. No início deste século já se organizavam para garantir a propriedade intelectual. Ao final da Segunda Guerra Mundial o grande butim foi a conquista de cientistas que trabalharam para o II Reich. Agora vemos empresas tradicionais formando imensas multinacionais. Torna-se mais difícil pretender o desenvolvimento de empresas locais. Consolida-se o império tecnológico dos países mais desenvolvidos. Os gráficos mostram os efeitos desse processo. Estamos muito distantes em renda per capita das grandes e competentes nações.
Aqui nos satisfizemos com faculdades de direito, talvez porque elas formassem profissionais especialmente preparados para defender os privilégios das oligarquias. O Brasil imperial era mais afeito a pompas e circunstâncias. A República trouxe com extrema agudeza os conflitos das oligarquias. Só quando o pólo industrial paulista tomou vulto começamos a ver os efeitos do domínio tecnológico, a geração de empregos, os direitos trabalhistas. Esse fenômeno veio neste século por efeito de imigrantes com cultura fabril. Chegaram tarde.
Temos uma base de cultura humanística mal feita e só agora podemos dizer que existe algo consistente nas áreas técnicas. E quando começamos a deslanchar, adotamos a importação de tecnologia. Juros estratosféricos, taxas de importação mal administradas, cultura de luxos inúteis contribuem para o nosso atraso. Afinal adoramos importar quinquilharias e exportar trabalhadores.
Precisamos ter consciência dessas diferenças para entender que soluções excelentes no Japão, Alemanha, França e Estados Unidos da América do Norte poderão não servir para nosso povo.



3. O Brasil e suas diferenças internas


Não existe um cidadão que possa ser considerado padrão brasileiro. Nesse país em que caberiam mais de duzentas Suíças podemos encontrar culturas muito diferentes. Apesar da massificação dos programas de televisão ainda podemos sentir diversidades gigantescas e, assim esperamos, duradouras. Graças ao tamanho de nossa terra e às diferenças climáticas, topográficas, étnicas, religiosas e tradições já arraigadas podemos dizer que muitos de nossos estados são nações dentro da grande pátria brasileira.
O sulista sofreu grande influência de correntes migratórias européias e asiáticas neste e ao final do século passado. Na região sul brasileira temos um clima temperado que atraiu esses imigrantes. Aqui instalaram indústrias e técnicas agro pastoris típicas de países como a Itália, Alemanha e Japão. Seus descendentes já em grande processo de miscigenação com os habitantes mais antigos dessas terras (portugueses, africanos e árabes) fizeram bases sólidas e com perfil empresarial, independente e de muitas iniciativas. Acima de tudo é um povo empreendedor e trabalhador. A região Sul é de fronteira com países de cultura forte e tradição de conflitos com o Brasil. Principalmente o gaúcho denuncia esse espírito de fronteira em seu comportamento aguerrido.
É interessante observar o Estado de Santa Catarina. Em seu pequeno território (nas relações brasileiras) mostra diversas cidades com aspectos díspares. É um autêntico arquipélago cultural onde veremos ambientes tipicamente açorianos, italianos, alemães, ucranianos e gaúchos, com variações dependendo da aproximação entre eles. Isso se reflete em uma economia diversificada e muito saudável mas de pouca representatividade política, o que tem lhe custado muito caro. Essas influências também afetam a participação política. Tradicionalmente o estado tem sido representado por lideranças mais identificadas com as comunidades açorianas, mais falantes e próximas da capital do estado.
Já o Rio Grande do Sul, terra dos pampas e de uma região de serra muito bonita, estado de fronteiras enormes com o Uruguai e Argentina, espaço de muitos conflitos, entre eles a Revolução Farroupilha, episódio memorável de reação ao Império, consolidou paradigmas culturais muito fortes. Torna-se até divertido ver descendentes recentes de alemães e italianos vestirem bombachas e todos os demais paramentos do vaqueiro gaúcho e saírem dizendo-se tradicionais rio grandenses. Tudo isso consolidou uma personalidade polemista, ousada e cheia de conflitos....Grandes líderes brasileiros nasceram nesse estado. Personalidades fortes e típicas criaram modelos como os definidos por caudilhos, lideranças populistas e políticos refinados.
O Paraná é um estado de formação recente. Topografia e terras privilegiadas e com boa base cultural pois teve a sorte de atrair migrantes dispostos a trabalhar, apresenta ainda uma imensa riqueza energética, proveniente de seus rios e de outros que lhe fazem fronteira. Dentro do contexto brasileiro é considerado exemplar pela seriedade e competência de administrações públicas. Essa condição produziu empresas estatais excelentes, consideradas modelos por muitos especialistas em Brasil. Sua base agrícola teve seu apogeu na cultura cafeeira. O fim desse período marcou uma década de grandes migrações, inchando cidades como Curitiba e Londrina e também com centenas de milhares de pessoas abandonando o estado em direção a outras fronteiras agrícolas. Com o Mercosul e os recursos que dispõe poderá partir para um período de grande desenvolvimento.
Mato Grosso do Sul é um estado pioneiro, com grandes extensões para exploração agropastoril, população rarefeita, áreas de florestas, pantanal e preservação ecológica. Carece de infra-estrutura para um maior desenvolvimento.
A situação desse estado é equivalente a de muitos outros como Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Rondônia, Amazonas, Boa Vista, Acre, Maranhão e Pará onde falta muito para ter-se o suporte para um desenvolvimento sustentado. São estados com grandes riquezas esperando melhor exploração. Têm potencial energético mas talvez venham a entregar esses recursos para o desenvolvimento de regiões mais fortes politicamente. Os afluentes do Rio Amazonas têm um potencial gigantesco praticamente inexplorado. No sub solo dessa região há muito que encontrar, a dúvida é se essas riquezas servirão ao povo lá existente.
Essas quase duas décadas de recessão penalizaram de uma maneira especial esses estados, a maior parte deles considerados amazônicos. As imensas extensões recomendam a construção de ferrovias e a implantação de hidrovias. A eletrificação rural é precária e pior ainda as condições sanitárias e educacionais da maior parte desse Brasil recém nascido. A viabilização dessa infra-estrutura não poderá dispensar o apoio público. Com a experiência adquirida em inúmeros projetos, o governo federal deveria desenvolver um imenso programa de desenvolvimento dessas regiões.
O Nordeste brasileiro é fascinante. Tem recursos naturais enormes. Se fosse um país independente estaria na OPEP. Muitas de suas terras com tecnologia e irrigação artificial poderão oferecer um sem número de produtos. O litoral tem um potencial fantástico para o turismo. Falta-lhe um programa gigantesco de educação técnica, sanitária e planejamento familiar para sair do círculo vicioso em que mergulhou. Alta fertilidade, falta de treinamento para geração própria de atividades, educação de bases de higiene e alimentação para fugirem a muitas endemias perfeitamente evitáveis. Entre seus estados há muitas diferenças de cultura e de problemas. Vem de tradições políticas e administrativas equivocadas mas ajustáveis à medida que seu povo tomar consciência da importância de mudar e melhorar à custa do próprio trabalho.
Nessa região temos o incrível estado da Bahia. Imenso produtor de energia elétrica, grande produtor de petróleo, cacau e outros produtos importantes ao Brasil, impõe-se dentro de uma cultura clássica e, preso a suas tradições, avança sem pressa e com personalidade. Desde as origens do Brasil teve em suas fazendas numa base escravocrata as riquezas que fizeram estórias incríveis de coronéis e políticos famosos.
Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo são a base de nosso Brasil com todos os seus defeitos e virtudes. Na região Sudeste, onde ainda encontraremos o pequeno estado do Espírito Santo com sua história de fazendas e senzalas, temos a grande concentração econômica de nosso país.

Gráfico comparando dimensões entre regiões brasileiras


 

A fixação da capital na cidade do Rio de janeiro teve por efeito a formação de nossa consciência pátria a partir dos interesses e cultura cariocas. Cidade litorânea formou bases típicas da vida à beira mar, fácil, indisciplinada e licenciosa.
O Tratado de Tordesilhas e todos os conseqüentes fizeram com que nosso país se desenvolvesse do litoral para o interior, do centro para os extremos norte e sul. As regiões mais distantes foram áreas de conflito com a Espanha e, depois, com os nossos vizinhos sul americanos. Principalmente dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo saiam as tropas para disciplinar as províncias mais rebeldes. Na mais surpreendente inversão desse processo tivemos as revoluções de 1930 e 32, quando de fora desse triângulo vieram exércitos para impor vontades fora das oligarquias dominantes.
Assim, por diversas razões, essa região teve maior desenvolvimento. As indústrias navais, siderúrgicas, automobilísticas, petroquímicas, militares e outras concentraram-se em seus espaços..

Gráfico com dimensões relativas a Brasil de infra-estrutura



Muito tem se falado do Nordeste e de possíveis dificuldades culturais dessa região. O gráfico a seguir mostra dimensões culturais que ilustram os problemas desta e das outras regiões brasileiras. O analfabetismo mostra-se talvez como a questão mais grave. A região Sudeste é a mais desenvolvida. O surpreendente é lembrar que nesta região tivemos os maiores escândalos com empresas estatais. Toda a cultura, conforto e riqueza de seu povo não impediu que empresas sólidas como o BANESPA, ELETROPAULO, CESP e até a CEMIG tivessem períodos extremamente deficientes em suas administrações.

Gráfico com dimensões culturais, físicas e PIB  do Brasil




As grandes diferenças entre as diversas regiões brasileiras indicam, contudo, a necessidade de maior apoio da União a certas áreas. Inegavelmente não há como desenvolver rapidamente uma boa infra-estrutura nas regiões Centro Oeste e Norte sem o suporte federal. Na região Nordeste o maior problema é cultural. O índice de analfabetismo não corresponde ao que se poderia esperar existir nas terras em que o Brasil começou. Há imensas diferenças entre as áreas litorâneas e as do interior do Nordeste. A miséria é , infelizmente, uma marca em muitos lugares. Nessas regiões a instalação de grandes empresas exige supervisão da União e da Justiça de modo geral. A própria ignorância do povo facilita sua exploração. Empresas concessionárias de serviços essenciais têm um poder muito grande em qualquer sociedade.


Gráfico apresentando evolução relativa do consumo de energia elétrica



Essas características demonstram a necessidade de se estabelecer soluções diferentes à cada quadrante brasileiro. O Sul é completamente diferente do Nordeste, tradições, economia, recursos naturais, ambiente e origens diversas recomendam tratamentos, leis diferentes. A homogeneidade institucional brasileira é um contracenso. Imitamos os estados Unidos em muita coisa, menos naquilo que melhor funcionou em nosso irmão do norte, a independência entre estados da União.



4. A situação energética brasileira


O Plano Real, a retomada do desenvolvimento e o padrão de consumo de energia no Brasil mostram um quadro preocupante de crescimento do consumo. Durante muitos anos vivemos sob recessão e com índices de pluviosidade de normais para elevados. No início da década de oitenta estávamos com altos investimentos na área energética, o que levou o país a um excedente considerável. Esse período de tranqüilidade no Sul e Sudeste do Brasil criou um clima de segurança perigoso, principalmente diante do processo de retomada do desenvolvimento.
É bom  lembrar que nos últimos quinze anos tivemos a entrada em operação de usinas como Salto Santiago, Segredo, Governador Bento Munhoz da Rocha Netto, Xingó (Nordeste) e, principalmente, a Usina de Itaipu e o seu sistema de transmissão. Cada máquina de Itaipu era equivalente a uma grande usina hidroelétrica e foram 18.
A interligação dos sistemas do Sul e Sudeste do Brasil pelas linhas associadas à Usina de Itaipu deram ao Brasil um nível excepcional de qualidade e segurança. Durante muitos anos pudemos usufruir um padrão de serviços de primeiro mundo. Resistimos a estiagens razoáveis e acidentes sem que o consumidor sofresse qualquer descontinuidade de serviço. Isso tudo terminou por oferecer uma falta de atenção perigosa em relação à energia elétrica.
No Congresso a elaboração da Constituição Federal de 1988 e os sucessivos processos de revisão fizeram do tema “concessões de serviço público” uma questão menor, quando não a oportunidade de muita demagogia. Apesar de envolver dezenas de bilhões de dólares em investimentos realizados e ser vital à sobrevivência da nação, era assunto desconhecido à maioria absoluta dos parlamentares. Essa ignorância criminosa às vésperas da votação da regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal era uma realidade facilmente verificável. O argumento de senadores da República era que o “Fogaça” (relator no Senado do projeto de regulamentação ajustado pelo deputado José Carlos Aleluia, aprovada na Câmara de Deputados) era competente e o que ele dissesse fariam. O tempo era gasto com discursos inúteis e articulações oportunistas. Vimos o Senado da República desperdiçar horas intermináveis em discursos laudatórios enquanto os prazos para os debates em torno desse projeto se esgotavam. Aproveitaram a mudança de legislatura e de gerências nas estatais para por em votação a regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal (início de 1995). O Executivo sabe como manobrar diante de tanta irresponsabilidade.
Corremos riscos gigantescos nessa democracia recém nascida. Infelizmente a culpa não era só dos legisladores. Sindicatos, associações, governadores, entidades de toda espécie não têm acompanhado eficazmente as decisões de Brasília. O clima de desprezo pela política está custando caro ao Brasil.
Em muitos estados a má administração das estatais e a corrupção contribuíram decisivamente para a desmoralização das empresas públicas. Algumas, operando em excelentes mercados, foram suporte a escândalos incríveis. Destruíram imagens valiosas, colocando o povo contra companhias que tiveram participação importante no desenvolvimento nacional. A mídia nacional, a serviço de seus patrocinadores, tem aproveitado esses exemplos destacando seus efeitos. Não mostram que os piores casos ocorreram em regime de exceção e muito menos dão destaque às empresas bem sucedidas. Tudo dá a impressão de um grande complô para desmoralização do estado e apropriação a preço irrisório da poupança popular, que é o patrimônio imenso das estatais.
Chegamos ao final de 1995 com poucas usinas em ritmo normal de construção e elas, juntas, pouco representam em relação ao crescimento da demanda previsto para os próximos anos. O crescimento do consumo de energia tem se apresentado como uma progressão geométrica. Atualmente estamos com acréscimos de mais de cinco por cento ao ano. Precisaríamos estar acrescentando em torno de 2000 MW de energia firme por ano à capacidade de geração de energia do Brasil. O que vemos em obras é suficiente para um ano de aumento de carga e pouco mais.. Mesmo essas usinas acrescentam pouco. Há muitas obras paradas mas em termos de energia firme o volume não é tão grande quanto deveríamos ter.
Na exposição do senhor ministro Raimundo Brito, realizada no CONFEA, Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, em 8 de fevereiro de 1996, ele anunciou um “Programa de Licitações” para acréscimo até 2005 de 32921,5 MW de potência ao sistema, com a necessidade de investimentos da ordem de US$ 33,6 bilhões de dólares. A questão principal é saber se os empresários têm esses recursos disponíveis para investimentos em um setor institucionalmente de alto risco e se eles, dispostos a tudo, terão capacidade de cumprir os cronogramas que, dia a dia, tornam-se mais estreitos. Os grandes grupos econômicos brasileiros tiveram uma descapitalização muito severa com o plano Real e as elevadíssimas taxas de juros praticadas em 1995 e 1998. Perderam muito do entusiasmo de até pouco tempo atrás. Os estrangeiros receiam investir em países ditos emergentes. Emergem com que solidez política? Terão capacidade de sustentar suas leis sem mudá-las nas próximas décadas?
Toda a lógica que as grandes nações aplicam às menores vale para dentro do Brasil. Temos necessidade de investimentos em regiões menos desenvolvidas. Uma parte da viabilização do desenvolvimento dessas áreas é a implantação de infra-estrutura energética sem os compromissos de rentabilidade esperados normalmente. Qual é a proposta para esta situação? Perdemos visão integrada do Brasil. O discurso neo liberal diz que tudo se resolverá à simples abertura econômica. Isso não aconteceu nem nos EUA, onde a TVA foi criada para atender uma região decadente.
Se estivéssemos no quadro estatal anterior também estaríamos em dificuldades. Principalmente as grandes empresas paulistas perderam muito com as más administrações do período Quércia. No Rio Grande do Sul a CEEE ainda luta para sair do atoleiro em que mergulhou. Alguns outros estados encontram-se em situação até pior pois a incompetência aliou-se à corrupção para o desperdício de imensos recursos.
O gráfico a seguir mostra a evolução da carga e da capacidade de geração em relação aos números de 1994, quando tivemos 54116 MW de capacidade própria de geração, considerando Itaipu pela metade, e uma carga total de 236 GWh.

Gráfico mostrando evolução de carga e geração em relação a 1994



O racionamento poderá acontecer também pelo esgotamento do sistema de transmissão e transformação em algumas áreas críticas. Regiões importantes operam com níveis de confiabilidade cada vez piores. Acidentes ou a simples saturação poderão causar imensos prejuízos. Nos quadros de atendimento às necessidades de atendimento ao mercado brasileiro temos visto muitas apresentações em que o enfoque é a construção de usinas. O problema é que não basta construí-las. Há necessidade de transportar a energia aos centros de consumo. Poderemos ter grandes racionamentos com excesso de oferta de energia elétrica. No Nordeste essa poderá ser uma realidade concreta com a Usina de Xingó. Alguns estados poderão ter restrições energéticas apesar de próximos àquela grande usina.
Os estados da Região Centro Oestes, Nordeste e Norte encontram-se em situação de atendimento precário. O desenvolvimento dessas regiões demandaria a implantação de uma malha gigantesca de linhas de transmissão de modo a viabilizar-se um bom padrão de atendimento de energia elétrica a imensas áreas mal atendidas. Mesmo o Sul do Brasil tem áreas de alto risco de atendimento por falta de transformadores e linhas de transmissão. Essa questão deveria vir a público com clareza, sinceridade e competência. O Brasil ainda é um país muito atrasado em grandes regiões. Basta ver a simples eletrificação rural, que poderia ser entendida como um programa de energia rural onde entraria o biogás, a transformação de energia solar em energia elétrica, a produção e aproveitamento local de combustíveis líquidos. Tudo isso foi abandonado. E o será se o critério for apenas investir com lucro direto.
As grandes empresas precisam equacionar seus ganhos sobre a transmissão de energia. De alguma forma a transmissão de energia deverá gerar recursos para a sua expansão. A conscientização da necessidade de manter e aprimorar padrões é fundamental à evolução do país. Principalmente as empresas interligadoras de área, estatais federais, têm as grandes linhas e subestações.
O sistema de transmissão da energia de Itaipu, por exemplo, está sob a responsabilidade da ELETROSUL e FURNAS. Exigem cuidados permanentes, equipes super treinadas e equipamentos de suporte sofisticados. Com o envelhecimento de seus técnicos e oficinas estas companhias estão perdendo qualidade e oportunidades de formação de equipes pois tem faltado atenção para este detalhe extremamente importante. A otimização de equipes reduzindo os excessos é importante mas na radicalidade demagógica e incompetência administrativa avançamos na degradação das empresas.
Na estratégia de privatização do Setor Elétrico o governo federal deveria manter suas empresas . Elas comandam as maiores usinas, o sistema de Extra Alta Tensão, responsável pelas grandes interligações e, com a ELETROBRÁS e DNAEE estabelecer um plano de parceria na ampliação do sistema. Assim teríamos a garantia dos investimentos principais e tempo para observar os efeitos da privatização nos estados e na ampliação do parque de geração e transmissão. A privatização total, necessária em um país que não resiste à demagogia, seria um passo para ser dado mais adiante, com todos os cuidados necessários. Isso é importante porque estaremos formando mega empresas em nosso país, com muito poder econômico e, portanto, poder político. Seria hipocrisia desconhecer a capacidade de corrupção do dinheiro, em si.
As falhas da lógica atual se refletem nos investimentos em transmissão. Pouco se fala a respeito e são absolutamente necessários. O sinal de que a privatização terá sucesso será equacionar esta questão. A construção e manutenção dos grandes sistemas de transmissão, sob tarifas compensadoras e a compreensão dos consumidores, principalmente os eletro intensivos.
O gráfico a seguir mostra a estagnação existente nessa área.



Gráfico apresentando quilometragem de linhas de transmissão por ano


Uma forma de pressionar legisladores e executivos é pedir indicadores de desempenho. Os consumidores deveriam exigir das concessionárias de energia avaliações de confiabilidade. Com o desenvolvimento da informática já é possível fazer-se simulações e cálculos para estimativa de riscos e qualidade de fornecimento. Infelizmente não temos educação nem Justiça para cobrar segurança e qualidade. Competência técnica temos de sobra, falta juízo.
Se lembrarmos a “via crucis” que é a colocação em operação de grandes unidades geradoras, linhas de transmissão e subestações perceberemos que o tempo evapora-se sem que as expansões necessárias aconteçam. A legislação ambiental é complexa, a mobilização da sociedade é fácil, entidades radicais atuam com firmeza contra qualquer grande obra. Os argumentos são grosseiros mas apoiados com entusiasmo por todos aqueles que dependem da demagogia para se promoverem. As questões principais tem amparo regular na lei e não encontram razões para seu desrespeito. O problema maior são as teses mais irreais e subjetivas. Contra essas é difícil argumentar pois a lógica dos litigantes é muito diferente. É difícil provar que uma linha de alta tensão não provocará câncer. Afinal tudo leva ao câncer e é bem provável que algum mal possa gerar. Se, contudo, fizermos comparações, veremos que os maiores venenos não sofrem qualquer denúncia por parte desses militantes. O mundo do teatro fácil que vivemos estimula aqueles que só pensam em fazer agitação. Um bom exemplo são os automóveis, instrumentos de centenas de milhares de acidentes no Brasil com dezenas de milhares de mortos e aleijados anualmente. Não conhecemos nenhuma pastoral do automóvel. Maus hábitos provocam males infinitamente superiores aos supostos problemas com a energia elétrica. O que vemos, entretanto, é preocupações com questões distantes e o desprezo pelos reais. Esse clima de desinteligência e desonestidade intelectual e política desvia a atenção sobre as grandes questões.
As questões institucionais em torno da energia elétrica ficaram muito carregadas de polêmicas ideológicas, filosóficas e morais. No Congresso Nacional sentimos nitidamente o domínio de preconceitos sobre a realidade. Muitos, sabe lá por quais razões, tinham e têm um discurso rancoroso contra as empresas de capital misto. Parece absurdo que elas paguem bem seus funcionários, não admitem a existência de fundações de previdência. Usam de números mal construídos para denunciarem o que consideram venal. O principal é que esqueceram o que é a energia elétrica, como se produz e a sua importância. As polêmicas prosseguem e os resultados concretos são desprezíveis. Isso significa que teremos dificuldades gigantescas para atender o aumento do consumo de energia dentro dos prazos já previsíveis.
Uma alternativa para a produção de energia elétrica seria a geração usando o gás boliviano e da Bacia de Campos. Uma termoeléctrica a gás é de instalação rápida. Os ambientalistas vão deixar? elas produzem gases...São totalmente importadas, precisam de divisas e o volume de recursos a ser gasto será muito grande. Além disto também deverão ser construídas subestações e linhas de transmissão. Linhas e subestações de tensão igual ou maior que 230 kV precisam de RIMA, audiências públicas etc. Estaremos nos submetendo a vontades políticas de nossos vizinhos. Nada impede que voltem aos períodos de instabilidade institucional. Como tratarão o Brasil?
O governo pretende sair do negócio. Diz (falsamente) não poder investir. Espera a iniciativa privada. Esse Brasil há tantos anos estatal mudará por decreto? Teremos cultura empresarial para que surjam empresas concessionárias competentes e a curto prazo? Os empresários estarão dispostos a investir sem uma política tarifária confiável? Vão gastar dinheiro em obras que representem melhoria de qualidade e confiabilidade? O empresário acredita em nosso Poder Judiciário e na estabilidade institucional do Brasil? Aceita a remuneração que o governo pretende estabelecer para a área energética?  Nossos políticos deveriam ler as publicações do Centro de Memória da Eletricidade no Brasil e saberiam das dificuldades que os brasileiros passaram nas descontinuidades de interesse em investir em nosso país. A criação do município de Betim, com fronteiras passando a sete quilômetros do centro de Belo Horizonte (vide livro referência 3), deveu-se muito à necessidade de fugir da área de concessão da Amforp, que mal e porcamente atendia a capital mineira. Assim Minas Gerais pôde viabilizar sua Cidade Industrial.
O que aconteceu à Amforp, representante no Brasil da Electric Bond and Share, Ebasco, mostra os riscos que corremos se não criarmos condições efetivas de viabilização e cassação de concessões. Esse grupo econômico comprou várias concessionárias de energia elétrica no Brasil antes da crise de 1929. Começou a investir por aqui mas descapitalizou-se com a recessão norte americana, parando de investir no Brasil e sendo, assim, grande responsável pela redução do ritmo do  desenvolvimento de grandes cidades brasileiras. Esse não foi um problema apenas brasileiro. As empresas estatais multiplicaram-se pelo mundo nessa época.
Nós apreciamos imitar os países europeus e os Estados Unidos. Lá o setor de energia elétrica era altamente regulamentado e, em muitos países, estatizado. Assim conseguiram atender o crescimento do consumo e oferecer bons padrões de confiabilidade. Com a mudança do perfil da atividade econômica, medidas de conservação de energia e redução das taxas de crescimento, muitos puderam abandonar seus modelos tradicionais e flexibilizar normas e estruturas. Principalmente pela necessidade de reduzir custos e enfrentar sindicatos ferozes, a privatização e liberação de procedimentos contribuiu para a criação de um clima de competição saudável. Os investimentos necessários não são grandes, o principal é usar a infra-estrutura existente de forma rentável e eficaz tecnicamente. Nossa realidade, contudo, é diferente. Realmente precisamos de grandes investimentos durante muito tempo. Como viabilizá-los?
Atualmente há um processo de conquista das melhores usinas em construção ou em operação (privatização) pelas empresas grandes consumidoras de energia (eletrointensivas). Fabricantes de alumínio, papel e cimento, principalmente, procuram garantir a energia de que necessitam para operar. O SINTREL viabiliza o transporte da energia a longas distâncias (o estado fica com o prejuízo, ou seja, o consumidor comum e o contribuinte) permitindo, por exemplo, que usinas em Santa Catarina garantam o funcionamento de fábricas de alumínio em São Paulo. Não vemos, contudo, empresários querendo investir para atender a demanda das cidades, do cidadão comum. O que não é de se estranhar pois eles não têm a obrigação de assumir os riscos de um país, que não tem instituições estáveis, que muda freqüentemente de constituição e que ainda apresenta fragilidades preocupantes.
Lembrando que a energia mais cara é aquela que falta e que há necessidade urgente de equacionar um grande plano de obras no setor elétrico, ficamos com a sensação de que fatalmente enfrentaremos dificuldades para atender as cargas previsíveis a médio prazo.
O quadro atual permite-nos dizer que a próxima eleição para presidente da República talvez aconteça sob racionamento de energia. Os partidos de oposição ao governo vão agradecer tanta incompetência.


5. O processo estatizante da energia elétrica no Brasil


O Brasil vem de uma história em que a iniciativa privada, no início do século, tinha todos os espaços possíveis. A interferência do governo limitava-se a precárias tentativas de regulamentação técnica e controle do crédito. País agropastoril tinha nos campos suas grandes questões econômicas. Madeira, açúcar, borracha e café revezavam-se como nossos grandes produtos de exportação. O comércio baseado em produtos primários exigia um pequeníssimo padrão industrial, consumindo pouca energia. A infra-estrutura necessária era suprida por grupos multinacionais e alguns empresários  nacionais.
Desde o final do período imperial o Brasil teve fases de desenvolvimento vegetativo, discreto, com raros momentos de maior sucesso. As poucas estradas, portos, armazéns e sistemas de abastecimento de energia eram suficientes a um povo que mais vivia brigas internas do que a preocupação de um grande desenvolvimento.
O fim do período imperial deu-nos uma democracia mambembe. Nossa pátria era espaço de elites que disputavam ferozmente o poder. Nosso povo era massa de manobra de coronéis, caudilhos, fazendeiros e empresários  poderosos.
Algumas cidades tiveram maior politização. São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, entre poucas mais, foram palcos de muitas lutas com maior participação popular. A grande maioria das vilas e cidades vivia e vive até hoje  a rotina de disputas locais, sem suporte filosófico e no mais puro fisiologismo.
A Guerra do Paraguai e os conflitos internos após a proclamação da República endividaram e estagnaram um país que poderia ter tido outra sorte.
No início desse século a ação dos sindicatos socialistas e anarquistas redundou em uma legislação restritiva à imigração, fórmula encontrada pelas oligarquias conservadoras para se defenderem das novidades políticas, principalmente o socialismo anarquista, o modernismo da época. O resultado foi o Brasil perder a oportunidade de receber milhões de europeus e asiáticos ávidos por espaços, que poderiam aqui ter se estabelecido. Com certeza esse pessoal teria mudado positivamente nossa história econômica. Os Estados Unidos da América do Norte souberam captar esses excedentes populacionais. Ganharam sem grandes esforços multidões treinadas, educadas, preparadas para a fase industrial que viveram intensamente.
Em conseqüência do seu gigantismo e de seu processo histórico o Brasil iniciou este século com uma constituição que seria a dos sonhos de nossos municipalistas e neo liberais atuais. A liberdade dos estados e municípios era enorme e o resultado foi a formação de centenas de empresas concessionárias . Nesse ambiente ainda contavam com um padrão de vigilância técnica praticamente inexistente, falta de profissionais e escolas, legislação precária e todas as limitações geradas pelos conflitos mundiais e nacionais. É importante notar, comparando, que os EUA tinham aumentado o seu índice de analfabetismo em 1850, um em cada dezoito  americanos não sabiam ler e escrever naquele ano.
O Brasil de hoje ainda tem um nível que nosso irmão do norte talvez nunca tenha tido em sua história independente. Ao início do século vinte os EUA usufruíam de toda a vitalidade de uma grande sociedade com vocação industrial. Nós repelíamos os imigrantes que aqui não se dispunham ao trabalho escravo nas fazendas de café...O resultado desse cenário foi a fragilização de tudo o que se pretendia. As empresas surgiam e desapareciam. Não conseguíamos estabelecer uma base sólida ao nosso desenvolvimento.
Nas grandes cidades, coincidentemente capitais de estado, o resultado era mais compensador e nelas algumas grandes empresas se formaram e cresceram. Nessas áreas grupos estrangeiros investiram formando concessionárias com algum sucesso. Infelizmente o desenvolvimento dessas empresas viu-se extremamente prejudicado pela demagogia e pelos conflitos ideológicos entre esquerda socialista, comunista e anarquista contra filosofias liberais, capitalistas. O povo saiu perdendo. Falar mal das empresas de energia e transportes era normal em todos os jornais nos períodos em que existiu alguma liberdade de imprensa. A demagogia refletia-se no congelamento de tarifas, na remessa de lucros prejudicada pela visão míope, que nosso povo tinha dos interesses dos investidores, impedindo até planos de expansão necessários. A falta de compreensão ou de aceitação do que seria uma sociedade democrática, livre e capitalista foi um desastre para o Brasil.
As guerras mundiais e a crise econômica de 1929 e suas conseqüências também diminuíram substancialmente o interesse e a disponibilidade de investimentos no Brasil.
Em nossas terras a inibição empresarial começou com o fim da “tarifa - ouro” em novembro de 1933. Até então metade da tarifa acompanhava a cotação do ouro, dando-lhe certa segurança contra a inflação brasileira.
Com o Código de Águas de 1934 o poder concedente na área de energia elétrica passou a ser a União, distanciando o regulamentador e fiscal do consumidor e investidor. Tirou-se das cidades, das indústrias, do consumidor comum o direito de negociar seus direitos e deveres. A energia elétrica passou a ser assunto de um pequeno time, residindo no Rio de janeiro e subordinado ao Ministério da Agricultura, com poderes para ditar as condições de atendimento do Brasil inteiro.
A decadência das concessionárias de energia elétrica teve mais um grande incentivo no Decreto-Lei 3.128 de 19 de março de 1941, que conceituava e estabelecia como base de remuneração de investimentos  e indenizações o valor histórico e limitava em 10% a remuneração anual sobre o capital. Sem tarifas e com problemas em suas bases externas, os investimentos no Brasil passaram a ser milimétricos. A falta de energia um grande desestímulo ao nosso desenvolvimento.
O nacionalismo exacerbado, a ignorância dos benefícios da energia elétrica, o clima de passividade criado pelas guerras e recessões consolidou o marasmo que vivemos durante décadas na área energética.
Nos centros mais industrializados e dependentes de energia o serviço era feito com grande esforço por empresas sem motivação maior que o interesse em não se afastar de concessões, que um dia poderiam mudar. Com o tempo os geradores particulares a diesel foram se tornando comuns em pátios de indústrias. Estima-se que no meio da década de 50 havia em torno de 100 MW de geradores diesel instalados só na cidade de São Paulo. Por essa época, em Blumenau, uma pequena cidade industrial do interior de Santa Catarina, mais de 3 MW de geração a diesel existiam nas fábricas e a cidade vivia freqüentes períodos de racionamento de energia. Sistemas isolados, sentiam diretamente as variações climáticas em suas lâmpadas e motores. Infelizmente nosso povo esqueceu-se desses períodos e suas conseqüências.
No Brasil, ao início da década de quarenta,  poucas escolas de engenharia e de técnicos formavam profissionais. A falta de oportunidades de trabalho na engenharia desestimulava essa carreira. Éramos um país de bacharéis. As maiores empreiteiras nacionais pouco mais que construir algumas estradas ou prédios sabiam fazer. As concessionárias estrangeiras importavam quase tudo, principalmente tecnologia. A sobrevivência das elites garantia-se na exploração de mão de obra barata e dava-lhes o suficiente para uma vida de luxos e debates inócuos. Nossa iniciativa privada era ruim de inspiração.
A estatização no Brasil foi principalmente o efeito da impossibilidade de atrair investidores, fossem eles nacionais ou estrangeiros. Não podendo mudar as regras burras sobre tarifas, diante da demagogia e irresponsabilidade de inúmeras lideranças, a estatização começou no final da década de quarenta. Primeiro com o apoio indireto do acordo do trigo com os EUA, que implicava em financiamentos internos na proporção dos gastos com a importação de trigo, e depois com os bancos de desenvolvimento estrangeiros.
A construção da Usina de Paulo Afonso e Três Marias e a criação da CHESF em 3 de outubro de 1945 (instalada efetivamente em 15 de março de 1948), o trabalho da Comissão de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, inspirado no sucesso da Tennessee Valley Authority (TVA), autarquia norte americana criada em 1933, foi o ponto de partida do processo estatizante nacional. O sucesso da TVA, os problemas gerados pela arrogância burra da LIGHT e a incapacidade financeira da AMFORP ajudaram muito na formação da base do processo de envolvimento estatal na área de energia elétrica. O Brasil foi palco de polêmicas ideológicas. As grandes guerras e a recessão de 1929 demonstraram praticamente a fragilidade da dependência do capital estrangeiro. Os capitalistas brasileiros, por sua vez, pouca competência tiveram para enfrentar as multinacionais. Foi preciso termos governos ditatoriais para vermos a nacionalização e o desenvolvimento  do setor elétrico com características brasileiras abrangentes.
Felizmente tivemos pessoas extraordinárias. Sabendo usar essas oportunidades políticas, administrativas e de crédito, tiveram competência para usar os recursos disponíveis e promover o desenvolvimento energético brasileiro., que deram em três décadas obras como Três Marias, Paulo Afonso, Furnas, Jupiá, Urubupungá e outras usinas, grandes linhas de transmissão e subestações mostrando a competência de uma geração fantástica de engenheiros, economistas, administradores e políticos.
A participação estatal tinha resistências ideológicas, técnicas e financeiras. Evidentemente o Brasil já se encontrava dividido entre empresas concessionárias. O clima de rivalidade entre partidos políticos fragilizava muitas iniciativas. O Brasil era um país desconhecido pelos brasileiros.  Um bom exemplo dessa ignorância foi a informação prestada em Petrópolis por Adolph J. Ackerman na Reunião Parcial da Conferência Mundial da Energia, atual Conselho Mundial da Energia, em 1954, de que o Brasil teria um potencial hidroelétrico de apenas 16.000 MW.
Não podemos desprezar o impacto dos efeitos do programa de reconstrução soviético nos pensamentos de muitos líderes brasileiros. Não passava despercebido deles os resultados alcançados. Após a Segunda Guerra Mundial, com o seu povo e território tremendamente afetados, mesmo sob constante pressão militar do mundo capitalista, desenvolveu-se energicamente tornando-se o segundo produtor e consumidor mundial de energia elétrica. Falhas técnicas da LIGHT contribuíram muito para o surgimento de FURNAS. O potencial energético do Rio Grande, na fronteira com o estado de Minas Gerais, era ignorado por seu executivos. Não souberam desenvolver um clima de confiança e na arrogância de seus poderes perderam espaço para uma geração de executivos e engenheiros a serviço do governo. A construção da hidroelétrica de Furnas é um bom exemplo dessa situação, muito bem relatada por Lucas Lopes à Memória da Eletricidade (3). O ambiente para a construção da usina foi indicado por um empresário que possuía uma fazenda à margem do Rio Grande e, a princípio, repudiado pelos diretores da Light.
O governo JK, dentro de uma preocupação de desenvolvimento nacional, não se prendia aos problemas e interesses de uma empresa. O abastecimento de energia à região era essencial ao plano de metas estabelecido em sua administração. Foi preciso criar uma estatal para que o governo pudesse iniciar um programa de integração e desenvolvimento. O Brasil não despertava maiores interesses dos investidores, escaldados pelas falhas ideológicas e éticas de nosso povo.
Entre grandes líderes que se empenharam na questão energética, Getúlio Vargas em seu segundo governo, consciente da importância do suprimento de energia, empenhou-se em estruturar suas diversas bases. Em sua administração  a Petrobrás foi criada. Um Plano do Carvão Nacional foi apresentado. O projeto de lei para a criação do Fundo Federal de Eletrificação, FFE, e do Imposto Único sobre Energia Elétrica, IUEE (previsto na Constituição Federal de 1946) transformou-se na Lei 2.308 de 31 de agosto de 1954, logo após o seu suicídio.
A proposição de criação da ELETROBRÁS teve sucesso mais tarde, vindo a ser um instrumento decisivo no desenvolvimento da infra-estrutura elétrica brasileira. Em volta da proposta de criação da ELETROBRÁS perdeu-se, entretanto,  a oportunidade de desenvolvimento de um parque industrial brasileiro consistente e de alta tecnologia. Apesar do interesse inicial de fazer dessa estatal uma grande holding, cobrindo inclusive a área industrial, o Presidente Jânio Quadros terminou por amputá-la, inibindo essa atuação. Atendeu assim principalmente os interesses de industriais paulistas e estrangeiros com medo de maior competição. Jânio, ao sancionar a Lei 3.890-A, de 25 de abril de 1961 criando a ELETROBRÁS,  vetou os artigos que permitiriam a essa empresa a formação de uma indústria nacional de material elétrico. O BNDES veio a ter empresas privadas em suas mãos. Não pela participação pró ativa mas pela falência de indústrias mal dirigidas. De qualquer modo a experiência gerencial do governo nessas estatais não foi boa. Não temos maturidade política e moral para tanto poder.
A favor da nacionalização do Setor Elétrico havia, entre outras, a preocupação com a remessa de divisas ao exterior em uma época em que eram escassas. O simples aumento da rentabilidade do Setor Elétrico, instrumento lógico para a sua capitalização e retomada dos investimentos, preocupava pela dificuldade de sustentação das remessas de dólares ao exterior como participação natural dos lucros das empresas estrangeiras. Vivia-se uma fase de grande domínio dos grupos LIGHT e AMFORP.
A aprovação do FFE e do IUEE, privilegiando empresas públicas existentes ou a serem criadas, foi um grande estímulo à estatização.
Apesar de todas as dificuldades, num trabalho de Hércules, criou-se estatais do porte de uma CHESF (1945), USELPA (1953) e CEMIG (1952), já antes da Lei 2.308. Com esse suporte e já diante do sucesso dessas empresas outras se sucederam. Assim tivemos COPEL (1954), FURNAS (1957), CEEE (1963, em 1943 na forma de um órgão coordenador, Comissão Estadual de Energia Elétrica, suporte para a Companhia Estadual de Energia Elétrica) e outras empresas, que até o final da década de cinqüenta começaram a base de um universo de empresas atuantes na área de infra-estrutura elétrica, dando partida ao Brasil que conhecemos.
Juscelino Kubitschek de Oliveira, promovendo um governo ativo, corajoso e empreendedor, praticamente gerou a pressão que levou os governos militares a comandar na década de setenta o maior surto de desenvolvimento vivido pelo povo brasileiro. Ele abriu nossas fronteiras ao capital estrangeiro sem a ingenuidade política de vestir a camisa neo-liberal. Onde necessário deu espaço às empresas públicas. O Brasil, em sua época, soube tirar proveito dos aspectos positivos de todas as filosofias.
A consolidação da ELETROBRÁS, Centrais Elétricas Brasileiras, criada em 25 de abril de 1961 e instalada em 11 de junho de 1962, permitiu em 1965 a encampação do grupo AMFORP, constituído pelas empresas: Companhia Paulista de Força e Luz, Companhia de Energia Elétrica da Bahia, Companhia Brasileira de Energia Elétrica, Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, Companhia Força e Luz de Minas Gerais, Companhia Força e Luz do Nordeste do Brasil, Companhia Força e Luz do Paraná, Pernambuco Tramways and Power Co. Ltd., Companhia de Energia Elétrica Rio - Grandense e The Rio Grandense Light and Power Syndicate Ltd. Em 12 de janeiro de 1979 a Eletrobrás comprou a LIGHT completando o domínio estatal sobre o setor de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Muitos dos problemas existentes no fornecimento de energia elétrica passavam despercebidos a muitos brasileiros, que já consideravam ótimo ver suas lâmpadas acesas. Empresários e especialistas, contudo, sabiam de nossas deficiências. O aprimoramento do serviço de abastecimento de energia elétrica impunha-se a um país que pretendia crescer. As taxas de falha eram elevadas. Nesses últimos quarenta anos o Brasil transformou-se em um grande canteiro de obras que culminaram por criar um sistema que permite às pessoas morarem nos últimos andares dos prédios mais altos, serviços de vigilância e controle sofisticados, fábricas e cidades altamente dependentes da eletricidade operam com padrões muito bons. Por quanto tempo ainda?
É interessante registrar os resultados não esperados da ingerência norte americana em nossa política. Apoiaram o movimento militar de 1964 para verem o Brasil crescer, contra seus interesses, dentro de uma política altamente estatizante, nacionalista e restritiva à liberdade de comércio. Os militares, que combatiam os excessos de JK, partiram com fúria para a execução de imensos programas estatais de obras típicas de empresas privadas nos EUA.
Neste processo, sob regime militar, ao final dos anos sessenta e durante os anos setenta o Brasil organizou-se. As centenas de pequenas empresas foram reunidas em grandes estatais. Nasceram e cresceram as concessionárias estaduais e federais de energia, telecomunicações, água, esgotos e transportes.
O desafio vencido pelas empresas estatais de energia elétrica foi gigantesco. Os sistemas foram interligados, a freqüência unificada (60 Hz), a confiabilidade cresceu e passamos a ter na década de oitenta malhas de excelente padrão técnico.




6. O início da decadência


Mais por efeito da quebra com financiamentos do BNDES do que por conseqüência de um projeto estatizante, formaram-se muitas estatais completamente afastadas do propósito de desenvolvimento sob tutela governamental mas lugar adequado a muitos empregos privilegiados. As empresas estatais com todas as facilidades de contratação existentes até há pouco anos encheram-se de afilhados nem sempre competentes. A disciplina relaxada e o espírito de viúva rica, o povo pagava, destruiu a maioria dessas empresas que poderiam, houvesse maior seriedade, ter tido outra sorte.
Outro aspecto delicado desta época foi a criação de empresas mistas para a produção de insumos básicos às indústrias que aqui se instalavam. Com preços tabelados e muitos esquemas mal explicados, transformaram-se também em fornecedoras de produtos subsidiados às grandes indústrias. O povo ficava com os prejuízos e os empresários privados com o lucro.
Na década dos anos setenta, lamentavelmente mais uma vez fomos vítimas de um processo alheio à nossa vontade. As crises do petróleo e o combate à inflação norte americana geraram cenários mal avaliados e assim nossa dívida externa cresceu estupidamente, levando à recessão e à inadimplência em nossas contas externas na década de oitenta. A inflação contínua e extremamente elevada, devidamente sustentada pela correção monetária, completava o quadro de desastre em que vivíamos.
O impacto sobre as estatais foi gigantesco. Com grandes planos de expansão em andamento, dependentes de créditos externos e tarifas compensadoras, repentinamente ficaram sem mercado, tarifas aviltadas e sem recursos para concluir obras extremamente caras.
O período militar foi surpreendente sob muitos aspectos se lembrarmos as teses udenistas de pouco antes de 1964. A estatização e o abandono de estímulos à eficácia cresceram violentamente durante o período militar. Em 1974, por exemplo, o governo federal estabeleceu a equalização das tarifas de energia elétrica em todo o território nacional. Criando a Reserva Global de Garantia, RGG, estabeleceu um esquema de transferência de recursos entre empresas de modo que as mais rentáveis passaram a doar recursos às empresas menos rentáveis. Este processo contribuiu fortemente para a desmotivação gerencial. Principalmente as companhias estaduais de energia, que poderiam apresentar resultados melhores, começaram a inchar seus custos para reter em seus estados dinheiro importante a seu desenvolvimento. O governo brasileiro, dentro de uma estratégia ingênua, criava padrões frágeis e perigosos.
O desenvolvimento calcado em leis, que podem ser modificadas, é sujeito a retrocessos por decreto.
A abertura política derrubou os ideais de Brasil potência. Para nossa surpresa, vemos os interesses estrangeiros imperando outra vez no Brasil. O fim do império soviético permitiu às potências capitalistas endurecer o relacionamento com os países mais pobres. Os banqueiros internacionais ganharam força. Ainda nesse ambiente a demagogia ganhou força. Começamos a ter políticas salariais pouco inteligentes, projetos deficitários, cobranças equivocadas. Aos erros da ditadura somaram-se os equívocos da democracia. Governadores populistas e desonestos destruíram empresas até então modelares. Grandes empresários perceberam que a melhor maneira de garantirem bons negócios era financiando políticos. A cobrança veio em cima das estatais, das secretarias de transporte e outras. Quebraram empresas e governos pois as despesas de campanha eram elevadas.
Unir o poder político ao técnico administrativo foi um desastre em nossas terras subdesenvolvidas. As grandes empresas modernas, de alta tecnologia e capital intensivo, viraram espaços para muitos desmandos. Nosso povo, ignorante, faminto, sem terra e sem casa, troca votos com facilidade. A propaganda convence até ao suicídio. Mentes despreparadas sucumbiram à demagogia.
A liberdade de imprensa também soltou grupos de toda espécie, principalmente aqueles que dominam boa parte da mídia (mais ricos), francamente favoráveis aos carros importados, ao turismo nas Bahamas ( muito proveitoso para aplicadores de dinheiro... ) e ao uso do Inglês como língua oficial.
A Constituição Federal transformou o Setor Elétrico em instrumento de arrecadação de impostos.
Os maus exemplos das maiores e piores empresas levaram o Ministério da Fazenda a criar limites severos de endividamento. Sem crédito de qualquer espécie as empresas públicas iniciaram um processo de degradação já sensível em muitos lugares.
Chegamos aos anos noventa com centenas de empresas estatais penalizadas de diversas formas. Preços aviltados, incompetência, corrupção...
Sempre é bom recapitular. Ao final da década de 40 praticamente não tínhamos empresas estatais de energia. As controladas por empresários nacionais eram muito poucas. As restrições contra os investidores estrangeiros, criadas com o Código de Águas de 1934, pouco efeito tiveram além de promover o atraso de nosso país. O nacionalismo termina quando os interesses particulares são atingidos. Poucas empresas resistiram em mãos de brasileiros. Assim, as primeiras empresas estatais de energia elétrica de grande porte surgiram ao início da década de cinqüenta e só ao final da década de setenta, dominando completamente o cenário brasileiro, deram-lhe um padrão razoável de abundância e qualidade. Demoramos quase meio século para migrarmos de um ambiente privado para um estatal, tendo de entremeio períodos grandes de insuficiência energética e os atrasos econômicos conseqüentes. Agora partimos de novo para a iniciativa privada. Qual será o preço de tanta teoria?
De qualquer modo hoje temos balanços, análises e resultados que demonstram de forma convincente o desastre estatal. Sabemos perfeitamente que poderia ter sido diferente. Lamentavelmente foram mal administradas, criaram precedentes e culturas ruins.  O sindicalismo selvagem, o direito de greve sem responsabilidade, a inadimplência generalizada e a burocratização das estatais as destruíram.




7. A desestatização


As últimas eleições e pressões internacionais agora conduzem a uma reversão do processo estatizante, que o Brasil viveu principalmente em períodos ditatoriais. Exceto a Petrobrás, a formação das demais empresas não foi o produto de uma discussão profunda na sociedade. Esta falta de atenção do povo ao que acontecia à sua volta propiciou um ambiente de facilidades, que agora desmoralizam as estatais. Paralelamente criou-se um clima maniqueísta totalmente prejudicial aos ajustes necessários.
Nos conflitos entre esquerdas radicais e direitas oportunistas e conservadoras o povo é lesado. Perdemos em 1988 uma excelente oportunidade para as correções necessárias. O Congresso travestido de Assembléia Constituinte não resistiu à demagogia. O resultado é agora termos de corrigir uma série de absurdos sob pena de inviabilizar o país.
Infelizmente o clima passional criado pelos conflitos ideológicos continua prejudicando as discussões para os ajustes de nossa economia. Os economistas do Ministério da Fazenda, aprendizes de feiticeiros e como é normal nesses cargos, totalmente insensíveis à própria capacidade de destruição, fazem, tomam decisões que confundem. O final do governo Itamar foi desastroso. As portas para importação foram escancaradas. Alguns meses depois o governo explode os juros para conter o consumo e volta a impor taxas maiores de importação. Os custos aumentam e o combate à inflação impede ajustes tarifários.
O discurso dos conservadores tem sido a favor da privatização imediata. O país precisa de recursos para investir em saúde, educação e segurança. Mas se o Brasil precisa dos recursos a serem obtidos pela privatização, por que aumentam tanto os juros, gerando um crescimento de despesas superior ao que se arrecadará com a alienação do patrimônio público? o que é moeda? para onde vai toda a massa monetária arrecadada via impostos?
A decisão de privatizar foi tomada no governo Collor. Em seu primeiro ano de governo, 1989, extinguiu o Ministério das Minas e Energia, transformando a área energética em uma secretaria de outro ministério. Nesse ambiente e dentro de um processo de redução do número de funcionários promoveu-se um “enxugamento” rápido, desestruturando e desmotivando equipes importantíssimas à administração federal. Entramos em um período de anarquia do qual não mais saímos. O Brasil perdeu uma base de trabalho que, aliás, já fora tremendamente penalizada durante o governo Sarney. Nesse período tivemos uma período de grande irresponsabilidade. Em plena crise cambial, juros internacionais elevadíssimos, continuávamos querendo bondes modernos e usinas e mais usinas apesar de tudo indicar um período recessivo.
Fernando Henrique Cardoso sustenta a tese e decisões tomadas à época Collor, como o bloqueio de crédito às estatais, mesmo aquelas que sempre tiveram uma boa performance. Seu governo mostra a atuação de grupos econômicos, mais preocupados em fazer fortuna com a energia do que o atendimento às necessidades do país. As eleições de 1994 tiveram um resultado estranho. Colocaram no poder pessoas com uma capacidade de mimetismo impressionante. Governadores e legisladores com discurso esquerdista logo abraçaram as teses neo liberais. Alguns falando em parcerias e outros, mais sinceros, anunciando privatizações efetivas. O exemplo de administrações desastradas talvez sejam a base moral para essa postura. Em outros casos a impressão que se tem é de que estão pagando dívidas de campanha à custa do povo.
Entre as formas de desmonte vemos em alguns estados a entrega da parte rendosa das estatais. Essa forma de agir, talvez a mais maldosa pois condena as empresas públicas à decadência, preserva a imagem desses políticos que assim não poderão ser acusados de terem privatizado suas empresas. Apenas abriram para a iniciativa privada parte dos negócios antes estatais...
Paralelamente a imprensa engajada martela o discurso neo liberal. Chega a ser monótono ver e ouvir certos jornalistas agirem como especialistas em tudo. E para tudo, de terremotos a epidemias, têm a solução, privatizar. Catalina fez escola. “Delenda Cartago” foi substituída por “desmontem as estatais”.
Principalmente para os funcionários das estatais fica difícil entender as razões da desestatização. O padrão de argumentação do governo não convence. Assim, se o processo estatizante brasileiro foi muito claro e eficaz sob diversos aspectos, o contrário desperta dúvidas enormes. Ainda mais quando acompanhado de discursos ridículos e argumentos piores. O estado brasileiro cresceu dando à iniciativa privada  condições de desenvolvimento acelerado e  destaque internacional durante muitos anos, era a época do “milagre brasileiro”. Perdeu com um período trágico de irresponsabilidade administrativa e pressões internacionais. Agora é desculpa para esconder a incompetência de alguns líderes. A desestatização, dizem, impõe-se porque suas corporações não prestam...
No Setor Elétrico o processo continua com leis e portarias que abrem a exploração da energia elétrica à iniciativa privada. O discurso é cogeração, conservação de energia, licitação de concessões, PCHs, etc.. O que realmente acontece é o fim de subsídios para o consumidor comum e o afastamento do governo na área energética. Afinal porque manter benefícios a famílias humildes? O certo é ajudar os fabricantes de alumínio, de cimento, os eletro intensivos que têm tanto para dar. Afinal já disseram que é dando que se recebe...
A atitude das lideranças políticas, dos governadores e do próprio governo federal, trabalhando para inviabilizar as empresas estatais sob seus comandos, mostra a necessidade de privatizar. Empresas de energia, pela complexidade e importância que têm, não podem ficar em mãos irresponsáveis. A descontinuidade programática e moral é um câncer. A desestatização impõe-se como forma de salvar o Brasil diante de tanta irresponsabilidade ou incompetência.
O governo federal vendeu o controle acionário da Excelsa. Essa empresa agora terá que desenvolver seus programas dentro de um clima empresarial. Certamente os consumidores sentirão a diferença. Os poderosos não terão mais como obter privilégios compensando políticos em campanha. Os consumidores comuns precisarão encontrar dentro do governo, sobre a receita tributária do estado do Rio de Janeiro, os recursos para os programas subsidiados. Os sindicatos encontrarão uma diretoria enérgica na defesa dos interesses dos acionistas.
A privatização da Light é a maior e mais interessante experiência. Apesar de operar sobre um mercado privilegiado tinha resultados muito aquém dos desejados. O seu gigantismo e responsabilidade levam a ser motivo de todo tipo de atenção. Seus executivos terão necessidade de muita competência para superar as dificuldades que certamente terão no ajustamento dessa empresa.
Com a privatização do Setor Elétrico teremos nossas empresas de energia elétrica atuando com diretrizes estáveis, lógica empresarial e apoio sincero de seus acionistas. Em um país de pessoas moralmente frágeis como é o nosso, talvez estejamos agora no rumo certo, após estabelecer uma base mínima e essencial ao desenvolvimento econômico brasileiro.
Talvez muitas de nossas lideranças saibam e não possam dizer que a privatização será a única maneira de escapar de imensos esquemas de corrupção existentes. Contratos extremamente perniciosos como os de fornecimento de energia elétrica às multinacionais do alumínio ou o pagamento por equipamentos abandonados (Tucuruí a favor da Camargo Correia) a peso de ouro mostram a fragilidade moral de nossos maiores líderes. Não podendo denunciar os esquemas de corrupção agridem as corporações e usam-nas como bodes espiatórios.
Diante da ignorância e inapetência política de nosso povo a única saída é a privatização total.



8. A formação das empresas de energia elétrica no Brasil


A indústria eletro eletrônica, iniciada há um século, mostrou um desempenho extraordinário. À medida que se percebeu o caráter menos poluente, mais seguro e funcional da energia elétrica, ela ganhou lares, escolas, hospitais, indústrias e cidades. A inventividade humana criou e industrializou uma gama enorme de ferramentas e aparelhos elétricos.
A necessidade de construir mais e mais usinas, linhas de transmissão e subestações deu origem às grandes empresas de energia elétrica. E a organização impôs-se pela necessidade de interligar sistemas, padronizá-las e coordená-las. A falta de divisas exigia racionalização nos investimentos.
No Brasil a organização institucional das empresas de energia elétrica acompanhou a expectativa de sua utilização e cultura política dominante. Iniciamos o século vinte dentro de um clima federalista e municipalista. Concessões, normas e custos eram problemas de cada comunidade. Empresas eram formadas e desfeitas rapidamente. Competindo com hábitos consolidados e a falta de estrutura comercial e industrial, o uso da energia elétrica mostrou-se mais intenso nas grandes capitais, onde o ambiente cosmopolita e o intercâmbio com grandes centros europeus e americanos dava condições de acesso às novidades tecnológicas.
O ano de 1897 foi praticamente o marco zero da introdução massiva da energia elétrica no nosso país. Nesse ano o capitão da marinha italiana e empresário Francesco Antonio Gualco, residente no Canadá, e o comendador Antônio Augusto de Souza, receberam da Câmara Municipal de São Paulo a concessão do serviço de transporte urbano de passageiros e cargas em bondes elétricos. Logo conseguiram a ampliação da concessão original para a produção e distribuição de energia elétrica. Paralelamente negociaram a transferência de suas concessões, com a orientação do norte americano Frederick Stark Pearson, redundando na criação da “São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltd.”, com sede em Toronto, em 7 de abril de 1899, por  James Gunn e William Mackenzie. Em 17 de julho de 1900 obtiveram autorização (Decreto 3349) de funcionamento no Brasil (vide 5).  Em 30 de maio de 1905 os canadenses criaram a “Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd.”. Vale notar aqui a prioridade de uso da energia elétrica na época, ou seja, o transporte por bondes elétricos e a iluminação pública. Essa condição fazia das grandes cidades um mercado atraente a investidores nessa área. Muitos países tiraram proveito dessa situação para iniciar suas indústrias eletromecânicas. Aqui só acordamos para a necessidade de criar efetivamente um parque industrial nacional bem mais tarde, sob os efeitos dos embargos e bloqueios durante, principalmente, a Segunda Guerra Mundial.
1927 foi o ano de início das atividades no Brasil de outra multinacional peso-pesado, a “American and Foreign Power Co”. (AMFORP). Nesse ano a Amforp criou a Empresas Elétricas Brasileiras, futura CAEEB, atuando progressivamente no interior de São Paulo e em diversas capitais do Nordeste e no Sul do Brasil (vide 5). Com restrições mínimas ao capital estrangeiro, o Brasil era um grande e promissor espaço para os investimentos estrangeiros.
A partir de 1930, contudo, o Brasil iniciou uma fase de centralização institucional que deu origem a uma legislação concentradora de poder na União. Nosso Código de Águas só foi promulgado em 1934, consolidando os poderes centrais. Gradativamente o governo federal, ditatorial e fascista, criou normas e leis restritivas e de caráter nacionalista. As empresas estrangeiras eram motivo de hostilidade de muitas lideranças afinadas com os socialistas e nacionalistas. Por outro lado os grandes grupos econômicos brasileiros pouco investiram nessa área. Se esse código  e as leis conseqüentes tinham o objetivo de induzir a participação da iniciativa privada brasileira, falharam completamente. Principalmente as restrições sobre a remuneração, o controle das tarifas e suas limitações afugentaram muitos que talvez pretendessem atuar nessa área.
O final da Segunda Guerra Mundial e a Constituição Federal de 1946 promoveram uma pequena inversão nesse processo. Nessa fase, liderado pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), consolidou-se o conceito de empresa sob controle nacional. A tese de associações com empresas estrangeiras sob comando local ganhou força. Apesar das teorias e propostas quase nada foi feito na área de energia elétrica, mesmo nessa condição de abertura à iniciativa privada.
A luta pela formação da Petrobrás e o nacionalismo aliado a visões socialistas gerou como sub produtos outras propostas de monopólio estatal. Ao final de seu segundo governo Getúlio Vargas esboçou um esquema de financiamento e organização do setor elétrico. Enviou ao Congresso Nacional quatro projetos de lei onde o primeiro propunha a criação do Imposto Único sobre a Energia Elétrica, o IUEE, e o Fundo Federal de eletrificação, cuja Lei 2.308 foi sancionada em 31 de agosto de 1954, poucos dias após o suicídio do presidente. Paralelamente foi proposto por Getúlio o Plano Nacional de Eletrificação e a criação da ELETROBRÁS.
A estatização do setor elétrico começou efetivamente com a criação da CHESF em outubro de 1945. Instalada em 15 de março de 1948 teve grande sucesso na construção da Usina de Paulo Afonso (a primeira unidade entrou em operação em 1955) além de formar profissionais importantes. Essa obra foi um marco da engenharia nacional graças à genialidade e operosidade de um grande brasileiro, Octavio Marcondes Ferraz (vide 3 e 5). Paralelamente criava-se a Comissão do Vale do São Francisco. Com recursos orçamentários e a preocupação de desenvolver um plano racional de desenvolvimento do vale do rio São Francisco, a Comissão apoiou a construção de Três Marias com a CEMIG, criada em 1952. O sucesso dessas iniciativas foi a base de outras empresas estatais e com elas o modelo que vimos até recentemente no Brasil.
Coube ao governo JK avanços importantes rumo à estatização. Ele encontrou o país ainda com enormes limitações ao seu desenvolvimento por falta de oferta de energia elétrica. Os grupos LIGHT e AMFORP não investiam o suficiente para garantir o atendimento a cargas previsíveis em futuro próximo. Principalmente essas duas empresas tinham áreas de concessão extremamente importantes. A demanda reprimida era grande. Com sua experiência no governo de Minas Gerais e o apoio de técnicos excepcionais partiu para a construção da Usina de Furnas, criando-se a Central Elétrica de Furnas. Assim surgia como empresa de caráter regional, e na criação de uma mentalidade integradora, em que as empresas de energia começavam a ter seus sistemas interligados dentro de uma perspectiva de otimização dos recursos energéticos.
A década de 50 viu o surgimento das primeiras grandes empresas públicas de energia elétrica, federais e estaduais, e o regime militar de 1964 consolidou um modelo bem estruturado, estatal e de grande subordinação ao governo central. Empresas federais para geração e transmissão de energia elétrica foram criadas e fortalecidas, enquanto os estados desenvolviam suas companhias estaduais para distribuição de energia. Em alguns estados suas empresas além de distribuir energia também fizeram usinas de grande porte e enormes sistemas de transmissão. Essa configuração teve um bom desempenho até o início de políticas tarifárias irrealistas e, conseqüentemente, períodos de inadimplência extremamente graves. O governo federal mais uma vez usou seu poder de estabelecer tarifas como instrumento de controle da inflação. Mais uma vez o Brasil parava na demagogia.
A energia elétrica era assunto do Ministério da Agricultura até a criação do Ministério de Minas e Energia em 1960 ( Governo JK) e instalado apenas no Governo Jânio Quadros. A ELETROBRÁS, Centrais Elétricas Brasileiras S.A. , foi criada pela Lei 3.890 de 1961 e implantada no ano seguinte. Operando como holding do Setor Elétrico federal constituiu-se em peça importante na formação do sistema interligado brasileiro e construção de diversas grandes usinas, vindo a ser a maior acionista da CHESF, FURNAS, ELETRONORTE (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A., constituída em 1973) e da ELETROSUL (Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A., instalada em 1968). A CHEVAP, Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba foi criada pela União em 1960 para a construção da usina do Funil (216 MW). Absorvida pela ELETROBRÁS em 1965 teve seu acervo transferido para FURNAS e 1967. Essa empresa, CHEVAP, foi constituída tendo como acionistas minoritários os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Guanabara.
No processo de estatização convém também lembrar a formação da COPEL, Companhia Paranaense de Energia Elétrica, em 1954, CESP, Centrais Elétricas de São Paulo S.A., em 1966, CEEE, Companhia Estadual de Energia Elétrica, criada em 1966 sobre a Comissão Estadual de Energia Elétrica, formada em 1943.
TAIPU, gerada por acordo entre o Paraguai e Brasil (ELETROBRÁS) em 1973, foi o maior empreendimento na área de energia elétrica do governo brasileiro. Empresa binacional, com 12.600 MW de potência instalada, teve um grande sistema de transmissão de energia associado, de responsabilidade de FURNAS e ELETROSUL, consolidando a união dos sistemas interligados das regiões Sul  e Sudeste.
A criação de empresas estaduais de energia elétrica, a grande maioria absorvendo concessionárias menores, consolidou a presença estatal na área elétrica.
Infelizmente muitas companhias estaduais se perderam em administrações incompetentes ou desonestas. Com grande capacidade de investimentos e de capitalização, transformaram-se em minas de grande valor nas politicagens e levantamento de recursos para fins inconfessáveis. As tarifas  sendo definidas pela União, as contas de Itaipu impostas e um plano de expansão arbitrado em conjunto com a ELETROBRÁS diminuiu a responsabilidade dos governadores. Assim alguns puderam exercer suas más intenções atribuindo ao Governo Federal suas mazelas. A inadimplência generalizou-se desmoralizando suas empresas e o Setor Elétrico.


9. As empresas de energia sob nossa democracia recente


A democracia dá ao eleito a sensação de poder fazer qualquer coisa. Tendo sido promovido através de campanhas de conquista da confiança popular e prometendo realizar milagres, empossado em cargos de altíssima responsabilidade e, normalmente, sem preparo adequado, toma decisões freqüentemente imaturas e completamente equivocadas.
Um dos temas rotineiros é a corrupção. Temos exemplos catastróficos do mau uso do dinheiro público. O Brasil seria um país em pleno processo de desenvolvimento, teria feito todas as obras que construiu e não estaria devendo nada se tivesse havido honestidade e competência execução das obras públicas nas últimas décadas. É impressionante o que se desperdiçou.
Lamentavelmente não construímos um “paredão” ou não se faz como hoje vemos na China, execuções de corruptos e corruptores em estádios de futebol. Criamos leis e mais leis sobre as estatais, paralisando-as em uma burocracia absurda. Os corruptores continuam livres e com grande poder. Nossa Justiça prende-se ao formalismo. A mídia aumenta a venda de jornais e a audiência com programas e reportagens superficiais e irresponsáveis. Sentimos que a abertura política representou a liberação dos piores instintos e não a utilização da liberdade para processos de saneamento e reconstrução sensatos e competentes.
A demagogia e a incompetência têm sido a regra. No Setor Elétrico elas se refletiram em diversos aspectos.
Principalmente com a Constituição Federal de 1988, as companhias de energia elétrica tornaram-se fontes de receita tributária para os governos em seus diversos níveis. Se durante décadas houve a preocupação de capitalizar as empresas de energia elétrica pela criação de fundos, impostos dedicados e até empréstimos compulsórios, a partir de 1988 o consumidor teve um aumento da carga tributária sobre a energia sem o retorno em qualidade ou maior oferta de energia. Isso tem sido muito ruim para o Setor Elétrico. Apresentando tarifas elevadas em certos casos, sendo maior acionista o próprio governo, as empresas não podem ir a público denunciar esta forma de avanço sobre o contribuinte. O que se arrecada de impostos diretos sobre a energia sustentaria, sem maiores dificuldades, todos os investimentos necessários à expansão do sistema assim como reduziria os custos das empresas à medida que as liberariam da contratação de financiamentos.
A contenção de tarifas, abaixo do necessário para sustentar o crescimento, foi uma decisão trágica. Aconteceu em muitos momentos de nossa história e é uma grande responsável pelo nosso atraso. Sem competência ou vontade de enfrentar esta questão, o governo tem atrapalhado muito. Comparações maldosas e pouco inteligentes são feitas com os padrões de países mais desenvolvidos. O resultado é concluírem erradamente sobre o que seria desejável em um país de dimensões continentais como as do Brasil e ainda com uma densidade de carga muito pequena em grandes regiões. Piorando esta situação alguns governos estaduais usaram as receitas próprias das concessionárias estaduais como fonte de recursos para finalidades alheias aos de suas finalidades. Essa situação contribuiu para estabelecer dúvidas em todos os esforços de racionalização do Setor Elétrico.
A centralização na União dos poderes de definição tarifária tem sido um desastre para as empresas de energia elétrica. Elas atendem regiões com grande diversidade econômica, técnica e moral. Precisam de recursos para investir e pagar furos de toda espécie. Nos estados suas administrações toleram dívidas, que recaem sobre o custo da energia, facilitando empresas, autarquias e municípios de maior interesse político. Como a tarifa de energia elétrica é de responsabilidade do Governo Federal fica fácil alegar falta de recursos para um melhor atendimento enquanto pela recusa em pagar contas as demais empresas, autarquias e repartições estaduais usam esse dinheiro em outros programas. Quebram suas próprias empresas de energia para poderem inaugurar praças e bondes.
O governo federal não exerce seu poder para um saneamento efetivo do Setor. A falta de autoridade do órgão concedente torna-se evidente no desrespeito permanente de muitas empresas dos estados mais poderosos a qualquer acordo ou lei. Simplesmente cumprem quando e como entendem qualquer determinação ou seja lá o que for do Governo Federal.
Um exemplo das vacilações da administração federal foi a formulação, aprovação e aplicação, em 1993, da lei 8631 de 4 de março daquele ano. Foi o grande momento de lucidez, após muitos anos, do Governo Federal na área de energia elétrica. Reconhecendo débitos por insuficiências tarifárias passadas, estabelecendo a desequalização de tarifas, definindo forma de reajustes e esclarecendo responsabilidades, devolveu ao Setor de Energia Elétrica a esperança de saúde financeira. Infelizmente durou muito pouco a racionalidade. Percebendo o impacto inflacionário e sentindo a pressão de lobistas de grandes indústrias eletrointensivas, o governo federal estabeleceu um plano lento de recuperação das tarifas, lamentavelmente prejudicado com a edição do Plano Real.
Um dos aspectos mais tenebrosos da inserção política é a falta de compromisso com o futuro das companhias de energia pelos gerentes estranhos às empresas e a suas atividades. E os maiores cargos acabam sendo ocupados por pessoas sem formação adequada às exigências técnicas do posto de serviço. É interessante fazer analogias. Qualquer engenheiro, médico, economista ou advogado precisa passar por testes pesados para entrar e ocupar os cargos mais humildes de qualquer empresa. Para ser diretor, presidente ou ministro basta ter uma imagem simpática, ter contribuído para os esquemas de poder e saber agradar os líderes de plantão no comando. Raramente o critério técnico é considerado. Felizmente as exceções existem e servem para ilustrar as diferenças. Na área energética ficamos perplexos com as qualificações de alguns executivos recentes. Pessoas sem qualquer noção do que faziam e diziam ocuparam cargos estratégicos. Sem as grandes lideranças de um passado recente, o Setor Elétrico perdeu espaço político e as decisões, ou melhor, a falta de decisões tem mostrado um descuido extremamente perigoso ao país.
Os longos períodos de congelamento tarifário causam grandes prejuízos às estatais e assustam possíveis investidores. Só as grandes empresas eletrointensivas se interessam em investir em geração de energia, principalmente se o BNDES der o dinheiro e o SINTREL garantir o transporte a preço subsidiado. Lembrando que entre a primeira decisão e a colocação em operação de uma grande central de geração de energia passarão de oito a dez anos, pois temos leis ambientalistas e outras que impedem maior velocidade, estamos muito atrasados em relação ao que o Brasil precisará em breve. Outro fator de atraso é o processo de transformação institucional. A desconfiança em relação ao que o Governo pretende, o que será estabelecido e a própria instabilidade clássica brasileira afastam os investidores mais conscientes. Eles têm opções melhores para seu dinheiro. Sobra o dinheiro de graça que o Governo oferece a certos grupos econômicos, saído de fontes como o FAT e FGTS. O trabalhador brasileiro dá sua grande contribuição sem o saber. Mesmo assim a crise que vivemos assusta esse pessoal, ainda mais que, com medo da opinião pública, sente-se certo rigor por parte do BNDES. A exigência de contrapartidas e garantias reais gera processos lentos. Há cinco ou dez anos atrás havia tempo e folgas energéticas para as transformações que agora são negociadas. Faltou competência. Agora o tempo voa, o consumo de energia elétrica cresce e falta dinheiro. O resultado está sendo trazer de volta o risco de ficarmos no escuro. Até agora aproveitamos um grande excesso de capacidade de geração por efeito da recessão prolongada e de um plano excessivamente otimista, quanto ao que precisaríamos de energia. Agravando a situação, a polêmica entre privatistas e estatistas protela decisões, que não poderiam esperar.
Nesse Brasil de advogados e filósofos a realidade é um estorvo, impede o deleite dos grandes discursos...
O período democrático recente mostrou o grande desastre que foi dar ao Presidente da República o poder de usar Medidas Provisórias como instrumento legal. Reféns da demagogia e da falta de consciência da complexidade do país, presidentes têm editado M.P.s. em profusão e o Congresso aprovado leis mal estudadas. Em setores carentes de investimentos de baixa rentabilidade essa situação cria um clima de instabilidade incrível. Os planos de médio e longo prazo no Brasil são simples exercícios de ficção técnica e administrativa. A condução do Plano Real tem exigido ações enérgicas por parte do governo, em seu programa de ajuste da economia. Quem garante que o próximo governo, usando os mesmos recursos legais, não promova nova alteração drástica de nosso quadro institucional? A estabilização pelo endurecimento das facilidades de mudança da Constituição Federal e de suas leis é necessária em um país com um grau de ignorância e irresponsabilidade como o nosso.
As empresas estaduais têm sido responsáveis pelo atendimento de caráter social. Poucas investiram pesado em eletrificação rural. Nas cidades o atendimento às classes mais pobres acontece com maior amplitude.
Os gráficos a seguir mostram que as concessionárias de energia elétrica, apesar de serem em sua grande maioria estatais, sujeitas a comando e prioridades políticas, pouco fizeram para o consumidor de baixa renda e o consumidor rural. As percentagens de consumo energético não têm relação com a dimensão potencial desses consumidores. Principalmente na área rural e nos estados menos desenvolvidos, pode-se ver a ausência das empresas de energia elétrica.


Gráfico mostrando o número de domicílios atendidos


Lembrando que a existência de energia elétrica permite ao cidadão maior contato cultural, higiene, segurança e conforto, podemos avaliar a gravidade de sua ausência em regiões com problemas tão sérios como os existentes no Nordeste e Norte do Brasil.
A liberdade precisa ser usada para a correção dos rumos definidos pelas elites milionárias. De alguma forma o cidadão do campo deverá fazer valer seus anseios por uma vida melhor. A energia elétrica é essencial ao seu aprimoramento. Dentro do processo eleitoral a conscientização de suas carências fará com que cobre projetos e serviços que muitos precisam, desejam e não alcançam.


Gráfico apresentando a composição de mercado pelo consumo de energia




10. Considerações técnicas sobre o Setor Elétrico


Nas discussões, que podemos ver diariamente via imprensa, percebe-se a completa ignorância dos requisitos técnicos do setor elétrico. A energia elétrica tem características muito diferentes das demais.
Um aspecto importante é a conveniência de se formarem grandes sistemas de geração e transmissão. Nesta condição passamos a ter, à medida que o sistema cresce, maior capacidade de suportar grandes cargas. Eletricamente veremos maior estabilidade da freqüência em grandes sistemas do que em pequenos pois haverá maior inércia, maior massa sincronizada. A importância relativa de qualquer consumidor diminui com o aumento da rede. A interligação de usinas, linhas e sistemas de distribuição dá um padrão técnico necessário às maiores indústrias, além de mais alternativas de confiabilidade. Ganha-se também um aproveitamento melhor dos reservatórios. Uma usina isolada oferece segurança exatamente na proporção dela própria. Qualquer perda reflete-se na incapacidade de atender suas cargas à plenitude. Isso significa a  necessidade de dimensionar o consumo dentro dos limites de confiabilidade pretendido, normalmente bem abaixo do que essa usina poderia atender se estivesse interligada. O efeito da conexão a outras fontes de energia é o aumento equivalente da capacidade de geração, ou seja, da carga aplicável àquela fonte. Evidentemente isto poderá ser perdido se determinados critérios técnicos não forem observados. Da mesma forma com que, ao procurarmos uma ligação à rede de água, não basta ela ser extensa e de grande capacidade. O ponto em que se abastece deve ter dimensões adequadas para atender aquele consumidor específico e para isso as formas de conexão ao sistema maior são mandatárias.
Vale a pena observar no gráfico a seguir a predominância hidroelétrica da geração de energia elétrica no Brasil. Esta condição impõe cuidados especiais pois a operação dos sistemas é afetada pela sazonalidade, clima e cargas.
A operação das usinas é muito interdependente. Temos reservatórios gigantescos e outros muito pequenos mas com grandes máquinas. A abertura de comportas e o nível de geração precisam ser cuidadosamente coordenados. A capacidade de geração das termoelétricas depende de estoque de combustíveis, do acesso às minas. Na geração hidroelétrica depende-se de condições fora do controle humano, o que exige cautelas maiores.

Gráfico mostrando proporções de participação de fonte de energia elétrica


O sistema interligado é equivalente a uma malha de fios ou dutos ligando diversos navios em movimento. A velocidade, a direção e o controle das folgas dos cabos deverão  ser rigorosamente administrados para que o sistema não se rompa.
As grandes usinas são como imensos navios, unidas por linhas que se constituem em conexões dependentes de um universo imenso de controles. Para poder operar exigem pessoal técnico especialmente preparado para atuar permanentemente.
Uma boa idéia do que é uma grande hidroelétrica é a Usina Governador Bento Munhoz da Rocha Netto (GBM). Cada grupo gerador “engole” quatrocentas toneladas de água por segundo, quando gerando potência nominal. Somando o peso do rotor de uma turbina ao de um gerador mais o eixo dá mil e cem toneladas. Ou seja, o peso de mais de mil automóveis. Esses rotores giram a mais de cem rotações por minuto com uma folga de décimos de milímetro nos mancais.
A energia liberada durante acidentes elétricos poderá causar estragos incríveis se não for limitada. Por esta razão nas usinas, subestações e redes de distribuição existem dispositivos de proteção extremamente importantes. Esses sistemas exigem coordenação e altíssima confiabilidade. A vida de muitas pessoas depende do bom funcionamento desses equipamentos. A sofisticação e riscos aumentam exponencialmente com a tensão. A tecnologia de um equipamento para quinhentos mil volts é muito mais exigente do que aquela necessária a níveis de duzentos e trinta mil volts. Os desafios técnicos crescem exponencialmente com a tensão. Os cuidados na operação e manutenção são essenciais ao sucesso dos trabalhos. Exigem anos de treinamento com pessoal especializado.
Os sistemas de energia dependem de equipamentos de comunicação, controle e processamento de dados. As empresas de energia são também de telecomunicações e processamento de dados. Principalmente aquelas que operam linhas de extra alta tensão têm a grande responsabilidade de garantir a integridade não apenas de suas malhas mas também das redes vizinhas. Os eletrons não distinguem papéis, agem por efeito de circuitos materiais próprios dos sistemas em que estiverem.
A consistência entre a visão técnica e a administrativa é fundamental ao sucesso das empresas de energia. O crescimento das cidades e o surgimento de indústrias sensíveis à qualidade do fornecimento de energia exige atenções que não eram necessárias há pouco tempo. A qualidade de serviço, tão desprezada, torna-se vital  às empresas concessionárias.
O Brasil, pelas suas dimensões e potenciais energéticos, dispõe de muitos aproveitamentos possíveis e diversos já em exploração. Diante disso o Ministério das Minas e Energia teve como estratégia desenvolver o sistema interligado e explorar as melhores fontes de energia, em ordem crescente de custo e também pela conveniência geográfica. Isso permitiu criar-se um sistema predominantemente hidroelétrico e de grande confiabilidade, que possibilitou a instalação de grandes indústrias, suportando grandes períodos de estiagem. Em termos elétricos a confiabilidade e qualidade de serviços tem sido de boa a razoável.
Tendemos a um agravamento da situação operacional, contudo. A falta de investimentos em transmissão e distribuição já mostra seus efeitos em muitas regiões do Brasil. As linhas de transmissão têm limites. A grande malha oriunda do projeto Itaipu teve e continua tendo uma função estratégica extraordinária mas precisaria de reforços. Se houver uma ampliação da capacidade de geração térmica em Santa Catarina e Rio Grande do Sul haverá necessidade de reforço do sistema. São linhas polêmicas. Ecologistas, ambientalistas e outros criarão dificuldades. Essas e outras linhas serão necessárias até o início da próxima década. Não estamos vendo atuações neste sentido. A falta de investimentos tende a levar nosso sistema interligado à perda global de qualidade. Tudo indica que até o ano 2000 estaremos sofrendo racionamentos de energia elétrica por diversas razões, entre elas a perda freqüente de interligações e subestações. Este catastrofismo é necessário. Há necessidade urgente de conscientizar consumidores de toda espécie para o risco de degradação do sistema. O abastecimento de energia elétrica depende de muitas instalações, da coordenação e integração delas. Precisamos com urgência da normalização institucional, econômica e técnica do Setor Elétrico.
As grandes redes, interligando usinas de grande porte através de linhas de transmissão de centenas de quilômetros, são muito frágeis. Operam porque equipamentos de alta tecnologia e equipes de alto nível e bem treinadas mantém ajustes e garantem a qualidade necessária. O “humanware” no Setor Elétrico é grande e complexo. Difere muito do que podemos ver na maioria de nossas indústrias onde, quando vemos algum esforço técnico, é com raras exceções na área comercial. Principalmente na geração, a variedade tecnológica e a responsabilidade de manter e operar usinas gigantescas cobram a presença permanente de profissionais de altíssimo nível técnico sob pena de expor grandes regiões a catástrofes inimagináveis.
Os passageiros de um grande avião gostariam de viajar sabendo que os pilotos seriam inexperientes, mal pagos e gerenciados? As populações ribeirinhas, a jusante (para baixo) das grandes barragens deveriam acompanhar com atenção redobrada a gerência técnica dessas instalações. Poderão ser varridas do mapa se certos cuidados não forem tomados. Convém lembrar que sob um regime de privatização sem uma supervisão técnica severa, as novas equipes poderão desconhecer sutilezas de construção e manutenção dessas usinas. Quem as conhece sabe que com poucos conhecimentos pode-se causar muita confusão lá dentro.
Muitas empresas de energia têm programas de pesquisa importantes. Seus laboratórios tem desenvolvido tecnologia ajustada a nossas condições. Mantê-los deverá ser um compromisso contratual se as companhias de energia vierem a ser privatizadas. Nosso clima tropical e muito úmido em grandes regiões exige aparelhos calculados e construídos com padrões diferentes da grande maioria dos países mais desenvolvidos. Muito não percebemos porque, não acreditando na Justiça, nem as concessionárias nem os consumidores avaliam seus prejuízos com as falhas de serviço, muito menos atuam de forma a recuperarem suas perdas.
A possibilidade de vandalismo ou atos terroristas sobre os sistemas de distribuição e transmissão de energia é real. Temos regularmente muitos casos de ações contra essas instalações. A população não é informada a respeito para não estimular os desordeiros. Em um processo de privatização mal conduzido poderá haver reações violentas ao processo com grandes riscos para todos. Sindicatos mal liderados poderão estimular agressões perigosas.
Há necessidade de uma retomada de consciência técnica da importância do Setor Elétrico. O gigantismo e os riscos envolvidos exigem lideranças fortes e competentes..




11. Democracia e prioridades


A democracia com todos os atributos necessários ao seu exercício, onde o principal é a liberdade de expressão, é a única forma de governo que permite ao povo influir diretamente nas decisões daqueles que administram suas estruturas e empresas estatais. Cada eleição é uma aferição de rumos. Nos palanques deve-se apresentar programas e propostas para a solução dos problemas existentes. Nas urnas o eleitor dirá em quem acreditou, que ideologias preferiu, qual a sua expectativa em relação ao futuro.
O aspecto negativo desta dinâmica é a ênfase nas questões de momento, nos problemas a serem resolvidos imediatamente. Na política vale a novidade, a obra de impacto. O povo quer ver ação, quer receber o que se prometeu no espaço irresponsável dos palanques. Infelizmente a memória do eleitor é curta e lúdica. Valoriza obra nova, esquece a manutenção do que foi encontrado pronto. O que funciona bem não chama a atenção. Não dá prestígio manter e sim fazer algo novo. O resultado é a degradação de empresas, equipamentos urbanos, rodoviários, etc porque, tendo chegado ao que deles se pretendia, passam ao rol das coisas feitas, resolvidas e portanto ao desinteresse dos líderes.
De qualquer forma governar bem é definir prioridades e administrar dentro de uma visão lúcida e responsável o que lhe foi submetido no Poder por delegação popular. Quem tem a responsabilidade de distribuir recursos, de decidir o que fazer com os impostos arrecadados, precisa abstrair-se de paixões e tradições e respeitar rigorosamente o que as mais graves pendências e deficiências determinarem.
Na discussão das prioridades precisamos não apenas procurar e qualificar obras mas também reservar recursos para a conservação e aprimoramento do existente. Nosso povo precisa compreender a importância do aproveitamento máximo dos equipamentos e instalações existentes. Mudanças de tecnologia têm momentos certos.
A antecipação de obras é prejuízo assim como o seu atraso. Normalmente o custo financeiro no Brasil é elevadíssimo. Aqui podemos dizer que tempo é dinheiro. Erros de dimensionamento de projeto custam muito caro. Devemos discutir, planejar cuidadosamente e executar com determinação e competência. Obra parada é crime. Antecipação também é erro.
Normalmente ao se passar de uma tecnologia para outra há custos de treinamento, readequação de ambientes, redução da vida útil do sistema anterior pelo seu abandono, custos de manutenção, estoques e outros que poderão onerar a nova solução. Peca-se com freqüência no planejamento ou na decisão de fazer em momento inoportuno. Devemos cobrar responsabilidades.
O tema prioridades, orçamento e resultados deve ser permanente em qualquer discussão. A figura a seguir mostra esquematicamente em grandes títulos o que devemos cobrar e lembrar sempre : o quê? quando? como? quanto? quem? como?

           

Diagrama : prioridades de governo    



O político é um ser humano, eventualmente tão frágil quanto qualquer outro cidadão. A administração pública reflete a personalidade dos eleitos e eleitores.
Para grande parte da população o bem público traz a imagem de não ter custo. Tudo se permite desde que dentro de normas burocráticas. O que importa é a forma com que as obras são conduzidas, não a sua validade a menos que atinjam interesses consolidados. A visão do Poder é frágil, carente de informações. O cidadão comum não quer saber de limitações em obras a seu favor. Tudo é válido desde que dentro de seus interesses. Prioridades? as minhas! Esta visão pessimista é muito clara, principalmente em nações de liberdade recente, sem tradição política e de responsabilidade com liberdade.
O processo democrático reflete o estágio cultural de uma nação. A Humanidade como um todo saiu recentemente das selvas. O progresso tecnológico foi muito maior que o aprimoramento ético, filosófico, político. Alguns gênios apresentaram e defenderam grandes idéias, propostas de  organização da sociedade. Poucos os entenderam e entre estes menos gente dispôs-se a lutar pelo que entendera. Assim vivemos em uma sociedade com estruturas mal formadas e um povo em processo de desenvolvimento, distante dos padrões necessários a um desempenho satisfatório. Mas já podemos, em países como o Brasil, acreditar na Democracia. Tivemos experiências amargas. Vivemos períodos sob a monarquia e ditaduras militares. Delas tivemos boas coisas mas alguns resultados que condenam qualquer intenção de retorno. A liberdade, principal resultado da Democracia, tem um valor muito grande. Já não podemos viver sem respirá-la, saboreá-la. Assusta-nos qualquer proposta que ponha em risco sua existência. Nossas deficiências serão superadas com o tempo.
O que precisamos absorver no processo político?
A compreensão profunda do significado do voto e em cima dele um governo que atue sob prioridades reais e lúcidas. É a nossa meta, o objetivo do aprendizado democrático. O povo brasileiro, de uma maneira especial, precisa aprender a cobrar, a exigir o cumprimento das propostas de palanque, dos planos de governo. E diante dos palanques deveremos ter espírito crítico. A discussão de programas deverá ser a nossa maior preocupação. O registro de propostas, avaliação de suas qualidades, das possibilidades de realização, do efeito de cada detalhe deverá ser estudado antes do voto. O apoio consciente é o desafio de qualquer indivíduo que pretenda ser considerado um cidadão. Evidentemente o voto obrigatório deverá ser abolido urgentemente. É criminosa a exigência do exercício de um direito para o qual o cidadão não se sinta preparado ou não tenha disposição para fazê-lo com a compreensão de sua importância.
Mas e as prioridades?
As prioridades mudam com o tempo. À medida que uma nação se desenvolve ela procurará evoluir, atender suas necessidades em escalas maiores. O contrário poderá acontecer também. Catástrofes naturais e humanas poderão obrigar seu povo a regredir. Terremotos, enchentes, secas, guerras, epidemias, maus governos poderão exigir do povo atitudes desagradáveis, regressões em suas expectativas.
Dentro do que aprendemos em ciências humanas deveremos ter que aplicar recursos primeiro naquelas atividades que garantam a sobrevivência (óbvio!). Qual o significado disto? Que a saúde, alimentação e habitação são absolutamente prioritárias. Qualquer governo medianamente lúcido concentrará recursos nessas áreas. Depois virão as outras. Educação, segurança, cultura, lazer, esportes, etc. Do trabalho de Abraham H. Maslow desenvolveu-se a figura, apresentada abaixo. Nesta figura poderemos ver as prioridades em ordem crescente, partindo da base onde o atendimento das necessidades fisiológicas apresenta-se como a de maior importância. Na visão de Maslow decidimos dentro de uma seqüência começando pelas necessidades fisiológicas (alimentação, sexo, sobrevivência básica de modo geral), segurança (sobreviver com tranqüilidade), necessidades sociais (pertencer a grupos, clubes, igrejas, partidos etc.), estima (ter a simpatia dos amigos, companheiros, gostar de si próprio) e auto - realização, ter o sentimento de que fez e faz, de que é útil, de que fez o máximo possível dentro de uma visão pública, de que é um campeão. Nessa etapa Maslow diz “o que um homem pode ser, deve sê-lo”.

Pirâmide de Maslow:



No Brasil partiu-se para o desenvolvimento econômico como prioridade maior. Vivíamos em relativa tranqüilidade social lá pelos anos cinqüenta. Nossa burguesia queria ver um Brasil moderno, usando automóveis, andando de avião. Os recursos então existentes foram, a partir daí, aplicados no desenvolvimento industrial. A agricultura de subsistência foi relegada a um segundo plano. Importava produzir a baixo custo e em grande quantidade aquilo que pudesse ser exportado. A lavoura foi mecanizada, o café substituído pela soja no Sul. Nenhum esforço foi feito para reter o trabalhador rural no campo. Lá ele não tinha aposentadoria, INSS ou qualquer outro apoio formal. Cinema, rádios e televisões mostravam as maravilhas das cidades. O resultado foi um processo migratório gigantesco. A catástrofe social foi uma conseqüência natural por esse crime . Milhões de brasileiros foram condenados à indigência das ruas das cidades.
Paralelamente o Brasil ganhou belíssimas empresas. Energia, aço, petróleo, minérios e outras foram absorvendo uma parcela de nossos trabalhadores. Na iniciativa privada as grandes tecelagens, a indústria automobilística, a construção civil encarregaram-se de absorver milhões de brasileiros. Mas o excesso de oferta de mão de obra aviltou seus salários. A carga fiscal e o ambiente de agiotagem tiravam e tiram dos empresários muito do que poderia ser transformado em salários. Chegamos aos anos noventa após uma década de crise. Recessão que poderia ter sido evitada. Tivesse havido honestidade e competência e tudo o que se fez teria custado pelo menos a metade e o Brasil não estaria devendo um tostão. Hoje vemos nossa pátria com alguns mundos muito diferentes. Alguns protegidos, ricos, carros importados e outros luxos, outros pobres, famintos, desdentados. Grande parte de nossa população, mesmo trabalhando duro, não tem assistência médica mínima razoável, não consegue comprar ou mesmo alugar uma residência decente, não sonha em colocar seus filhos em escolas de bom nível.
O que esperar de um governo decente, democrático, competente?
Urge encontrar recursos para o início de uma nova fase na nossa história. Eleito democraticamente, com o voto da maioria dos brasileiros, o governo deverá reencontrar as prioridades básicas, esquecidas há tantos anos. Concentrando esforços para dar ao nosso povo aquilo que precisa para uma vida decente será eficaz. Honesto ao corresponder à confiança recebida. Competente oferecendo um salário mínimo civilizado. Eficaz viabilizando um padrão saudável e digno de vida. Este  é o desafio de nossos administradores. Nosso trabalhador tem que sair das favelas, tem que se orgulhar de ser brasileiro.
O que precisamos entender é que essa revisão de prioridades poderá significar a privatização de empresas estatais. Principalmente as mais rentáveis poderão contribuir significativamente para a obtenção dos recursos necessários à retomada das prioridades básicas. Na grande maioria dos estados brasileiros é evidente a falta de infra-estrutura na área de saneamento. O abastecimento de água é insuficiente e o que existe encontra-se em condições precárias. Escolas e hospitais clamam por recursos para serem eficazes. Tudo isso precisa ser avaliado e todos juntos trabalharem para um salto de qualidade de vida absolutamente necessário.



12. Considerações sobre uma estatal


Para saber o que decidir é importante que um analista tenha uma noção do que é uma empresa estatal. Fui diretor da COPEL e URBS , duas estatais, a primeira estadual e a segunda municipal. Assim tive a oportunidade de vivenciar os problemas de duas empresas de capital misto e com finalidades muito diferentes.
A COPEL, Companhia Paranaense de Energia, é a concessionária estadual do Paraná que tem a responsabilidade de levar e distribuir energia elétrica para a quase totalidade desse estado. Não bastasse isso era também a concessionária para a distribuição de gás no estado, o que iniciou com a formação de uma subsidiária, a COMPAGÁS. No início da 1995, por efeito de reforma da Constituição federal, os estados perderam o monopólio da distribuição do gás canalizado. A COMPAGÁS continua sendo uma subsidiária dedicada ao gás. A  “Urbanização de Curitiba S.A.” (URBS) era na época da administração Roberto Requião, da qual fiz parte, a responsável pelo planejamento do transporte coletivo de Curitiba e ainda é, atualmente, a concessionária deste serviço que ela repassa a outras empresas sob contrato de permissão de serviços. A URBS também é responsável pela operação e manutenção dos equipamentos urbanos de Curitiba. São empresas excelentes em um estado que dizem ser exceção. Nessas duas companhias tive a oportunidade de vivenciar os desafios do serviço público, do atendimento a mil desejos de uma população que anseia por uma vida melhor mas que desconhece totalmente a complexidade e os custos de qualquer projeto. Senti também o peso de uma burocracia massacrante criada por leis de legisladores que são os primeiros a pedir que não as respeitemos. Conduzir uma estatal exige de seus executivos muito “jogo de cintura” e discernimento. Eles precisam distinguir entre o que são pretensões legítimas e o que representará desperdício de recursos. Mas essas empresas têm bons funcionários, gente de carreira que acreditou na  validade de seus empregos. Esses técnicos, os melhores, “seguram a barra” evitando que elas se percam entre bilhetes e telefonemas os mais incríveis.
Uma constatação penosa é a completa ignorância da população em relação às responsabilidades e dificuldades de uma concessionária. A COPEL, por exemplo, é um mundo à parte. Nela quase dez mil colaboradores diretos  distribuem-se dentro dos duzentos mil quilômetros quadrados do estado para garantir o atendimento a cada consumidor. Nas centenas de locais em que seu pessoal trabalha ela deve apresentar um padrão de qualidade perceptível pelo consumidor. É muito diferente de uma  fábrica onde sob um pavilhão encontraremos praticamente todos os seu trabalhadores. Visíveis no conjunto, com pontos de produção bem definidos e controláveis permitem treinamentos e gerências sob medida.
Uma empresa que gera, transporta e distribui energia elétrica precisa ter em seus quadros desde pessoas especialistas em lambaris até técnicos em altíssima eletrônica. A legislação existente obriga as estatais a elaborar editais que acabam sendo um desafio maior que a própria obra. Detalhes de toda espécie são cobrados. Uma barragem de mais de cem metros de altura demanda gente competente na sua operação e manutenção. Não se pode arriscar a vida de gente inocente. As linhas de alta tensão cruzam as cidades e subestações de todo o tipo distribuem-se dentro de aglomerações urbanas. E se falta energia?  a dependência da energia é cada vez maior. As cidades se verticalizam, o trânsito depende de sinalização acionada por dispositivos elétricos, as indústrias cada vez mais sofisticadas precisam de energia com qualidade e baixo custo, hospitais não podem ser desligados, o caos se estabelece no comércio quando as lâmpadas não acendem e as máquinas registradoras deixam de funcionar.
O governo descobriu que taxar os serviços das concessionárias de energia é um altíssimo negócio. A fiscalização necessária é mínima, os líderes dessas empresas não podem reclamar, o povo não percebe que está sendo roubado. Na área de energia elétrica mais da metade do custo final, pago pelo consumidor, é imposto. Se ainda considerarmos encargos indiretos a proporção aumentará significativamente. É um peso que se abate principalmente sobre a classe média. Os consumidores de baixa renda, ficando nos limites das taxas mínimas, estão usufruindo grandes subsídios assim como determinados consumidores industriais.
Uma concessionária de energia depende da integração de serviços para garantir qualidade. Se ela não existir quem perde? que indústria sobreviverá a um ambiente de baixa confiabilidade? Mas a integração de serviços é vital ao sucesso. Do projeto à última manutenção deverá existir uma série de cuidados. Uma indústria mal cuidada fechará, gerará problemas para algumas centenas de pessoas e até milhares, dependendo de sua dimensão. E uma concessionária de energia? quantas indústrias poderão falir se ela parar? quantos acidentes no trânsito das cidades? hospitais sem condições de funcionar? as empresas de água e saneamento poderão operar sem energia elétrica? assim vamos vendo a importância de um serviço que no Brasil acostumamo-nos a ter. Aqui chegamos ao Primeiro Mundo.
Toda empresa de alta tecnologia e mão de obra intensiva precisa de harmonia, de sinergia, de um ambiente de trabalho positivo. Nele seus colaboradores estarão mobilizados em um serviço que exigirá confiança, crédito, coragem. Quando isso é perdido a qualidade começa a regredir, os custos aumentarão pelas perdas de equipamentos, de mercado, de oportunidades. Poderemos ter ganhos imediatos em programas de demissão, os famosos enxugamentos, mas a empresa diminuirá seu desempenho técnico. Na impossibilidade de promover reduções seletivas submete-se as companhias a programas de estímulo à aposentadoria, à demissão. As estatais têm tais complicações legais que a terceirização é uma aventura, principalmente em trabalhos complexos.
Um aspecto importante na formação de uma empresa de grande complexidade tecnológica é a geração e manutenção de grandes especialistas. Principalmente para as atividades de manutenção há a necessidade de anos e anos de trabalho para se ter uma equipe consciente e bem preparada. Infelizmente este é um dos aspectos menos observáveis de uma empresa. O cidadão comum, quando muito, tem o desafio da conservação de um aparelho de som , um carro ou eletrodoméstico. Não percebe a dimensão deste problema em uma empresa de energia, telecomunicações  e outras desse porte. Esse cidadão vota, elege seus representantes, prefeitos, governadores e presidentes. Os eleitos procurarão atender as expectativas de seus liderados. Na cabeça deles nossas estatais não prestam, são ineficazes, corruptas, incompetentes. Realmente, muitas delas, pela ação dos políticos, perderam-se e, agora, resta apenas privatizá-las na esperança de encontrarem melhores gerentes. Mas a demagogia e grandes interesses por trás de certas lideranças procuram destruir as empresas sob comando do governo. O resultado é ver os famosos planos não seletivos de aposentadoria, mudanças constantes de pessoal e estrutura, falta de atenção pela memória da empresa e abandono dos melhores projetos. O efeito operacional é o aumento das taxas de falha e duração de falta.
A corrupção induzida pelas lideranças políticas tem dominado estados inteiros. A degradação das estatais, autarquias e da própria administração direta é notória. Os sistemas de fiscalização servem para chantagens e instrumentos de pressão política. O tráfico de influência é flagrante. A cada eleição grupos empresariais encastelam-se nos palácios, dando diretrizes e designando chefias de acordo com seus interesses, nem sempre coincidentes com os do povo, que elegeu seus maiores executivos na melhor das esperanças. A democracia falhou como geradora de gerentes.
Infelizmente os escândalos das empresas privadas não são divulgados. A história paralela dessas empresas não é menos vergonhosa. Os esquemas aí são entendidos como simples atos de esperteza. O que o povo não percebe é que ele também paga esta conta.
Lamentavelmente no Brasil o “Código de defesa do consumidor” e os crimes de responsabilidade  civil são pouco valorizados, aplicados. A ineficácia da Justiça cria uma terra sem dono em que pessoas inescrupulosas procuram firmar suas posições das formas mais ousadas possíveis. A falta de penalização pelo mau desempenho de qualquer concessionária dá aos seus executivos uma liberdade perniciosa. Qualquer um serve.
Uma grande empresa acumula, com o decorrer dos anos, equipamentos e técnicas associados, que exigem disciplina e muita cautela no uso e interpretações. A falta de atenção pode criar prejuízos irreversíveis. Atualmente, no Brasil, muitas estatais são exemplo dessa falta de cuidado. Companhias que até poucos anos eram exemplos de competência, hoje não passam de caricaturas do que foram. O poder público, dentro de uma visão idiota e oportunista, levou para dentro das empresas critérios políticos para definição de gerências operacionais. O resultado foi a regressão, a perda de motivação, o esvaziamento técnico e perda de qualidade do produto final.
No Brasil temos exemplos de sobra de empresas mal dirigidas. O resultado foi um desastre. Analisando-as vemos que a principal falha foi moral e técnica de presidentes, governadores e prefeitos incompetentes e desonestos, mais preocupados com seus apaniguados e caixinhas de campanha do que com os objetivos daquelas empresas. Infelizmente serviram de modelo para a campanha de desmoralização que vivemos. São também a motivação para as agressões que se fazem na imprensa contra seus trabalhadores, os últimos responsáveis pelos maus gerentes que tiveram. Evidentemente, como qualquer empresa privada, não são poucos os que enganam. Uma estatal tem dificuldades diversas para demitir, o que agrava a situação. A motivação é limitada a aspectos positivos restritos. Todo ano alguma nova lei procura enquadrar os trabalhadores das empresas mistas, classificados por muitos como parasitas, marajás. A ignorância e a desonestidade desses críticos é alarmante. O resultado é a radicalização em qualquer discussão.
Os piores políticos brasileiros encontraram uma forma de esconder suas falhas. Aderiram ao processo de desmonte das estatais. O discurso: “Elas não prestam porque seus funcionários não trabalham , seus salários são muito altos, muitas obras estão paradas, as tarifas são muito altas.” Com esse discurso, além de escaparem de críticas contra a ação nefasta de muitos companheiros, habilitaram-se às verbas políticas dos grandes grupos econômicos. Alguns deles têm aparecido regularmente nas “pastas rosas” e denúncias de corrupção. Têm dinheiro e apoios para fugirem dos noticiários. Os grandes anunciantes sabem exercer suas forças ocultas.
Neste cenário uma estatal convive com inúmeros problemas que a tornam mais e mais lenta, presa e ineficaz.
Os sindicatos merecem uma citação especial. Refletindo a falta de consciência política de nosso povo do qual os empregados das estatais não são exceção, têm tido uma ação ridícula em todo esse processo. Suas ações têm sido pouco mais do que negociar salários e, eventualmente, promover uma greve. Não organizam discussões, não procuram agir pró ativamente em relação à modernização das empresas naquilo que a tecnologia oferece de melhor, não atuam objetivamente nas discussões sobre a privatização. Muitos refletem partidos políticos, agindo dentro de interesses alheios à classe. Com raras exceções pouco têm contribuído para o aprimoramento de suas empresas. Pela rejeição educada durante os anos de ditadura, os bons funcionários têm medo ou repugnância ao sindicalismo. Em uma estatal este efeito é particularmente muito sensível pois a legislação trabalhista, por si só carente de muitos ajustes, encontra nas estatais toda a liberdade de ação que não exercem fora. Tudo isso viabilizou um padrão corporativista medíocre. A insensibilidade social e política aliadas ao egoísmo e mediocridade de muitos contribui para a desmoralização das empresas. Esquecem a finalidade, a razão de existência. Entendem que seus empregos são para benefício pessoal. Ignoram as dificuldades do país em que vivem. Não participam de forma eficaz do processo político. Criando-se em ambientes pasteurizados reagem negativamente à qualquer ajuste à realidade.
Atualmente as empresas estatais encontram - se em uma situação delicada. São importantes, necessárias, foram a solução encontrada para criar uma infra-estrutura que o Brasil necessitava e não possuía porque os grandes grupos econômicos tinham outras prioridades. Tiveram sucesso. Graças a elas o nosso país tem atualmente energia elétrica, telecomunicações, uma grande empresa petrolífera, a Petrobrás,  e uma Vale do Rio Doce que nos enchem de orgulho. Essas empresas precisam de muito pouco para deslancharem mais uma vez. Tivessem o suporte que os governos militares lhes deram e estariam esbanjando resultados positivos. Paradoxalmente, talvez por falta de estrutura, políticos e seus partidos assumiram o papel de algozes dessas empresas. Na falta de competência para dirigi-las e por não aceitarem o que convencionaram chamar de tecnocracia preferiram desmoralizá-las, destruí-las.
O México e a Argentina são bons exemplos  de que é uma ilusão acreditar que os grandes empresários do Mundo estão dispostos a arriscar seu dinheirinho em países instáveis, inseguros. Só o fazem mediante grandes lucros que levam para seus países.
Quem dirige uma estatal brasileira encontra a hostilidade de lideranças externas e a incompreensão interna, o que torna sua missão extremamente penosa se pretender aliar ao seu serviço o idealismo de uma causa, a preocupação de exercer sua liderança para o aprimoramento de nossas instituições e ser competente como gerente. Principalmente os executivos mais técnicos encontram dificuldades enormes em colocarem em prática suas idéias, seus propósitos de serem eficazes. Nossos legisladores trabalham para inviabilizá-las, a mídia, do lado de quem lhes paga, muitas vezes atua corrosivamente, instabilizando grandes projetos. O povo em sua ignorância e na preocupação de ver benefícios crescentes, não questiona propostas idiotas, irresponsáveis, desde que devidamente maquiadas.
A grande preocupação é o futuro. O que teremos, vingando as propostas mais reacionárias? retornaremos ao que tivemos no passado? quem então terá forças para recuperar o que tivermos perdido?
Nesse cenário sentimos a quase impossibilidade de sustentar as empresas estatais. A burocracia crescente, as campanhas negativas, a má ingerência política, o corporativismo ruim e as pressões internacionais tornam a luta inglória. Diante da necessidade de recursos para outras atividades, muitas de maior prioridade que simplesmente reter capitais em empresas públicas, devemos trabalhar a favor da privatização de modo a que aconteça da maneira mais honesta e competente a favor do povo.
O que não podemos esquecer é que em alguns estados as empresas públicas tiveram e têm sucesso. São eficazes, atendem as necessidades do povo que servem, contam com equipes sérias e trabalhadoras. O Paraná é um exemplo desta tese. Aqui, no estado e nos municípios em que existem, encontramos estatais que têm sido motivo de orgulho para o seu povo.


13. A privatização e a concentração de poder


As empresas estatais concessionárias de serviços são ambientes em que o poder político impera. Em uma democracia esse poder representa o povo. É definido em eleições. Assim essas companhias obrigam-se a respeitar a vontade das urnas e, paralelamente, toda a legislação existente, principalmente aquela que se reflete em votos. É natural, portanto, o respeito às leis trabalhistas. Em estatais a contratação acontece após concurso público em que não se pode discriminar sexo, credos e raças. Nelas as mulheres têm todas as garantias, não podendo ser penalizadas pela maternidade eventual e por suas obrigações com os filhos. Nenhuma mulher é demitida por pretender casar-se. À nenhuma mãe é negado o emprego conquistado em concurso. Os preconceitos raciais são crimes de extrema gravidade. Perseguir, penalizar, ignorar alguém por sua cor é algo que não imaginamos em uma empresa pública brasileira. Religião, quem pergunta? qual o clube? por que está lá? Evidentemente as empresas públicas brasileiras têm seus problemas. Nem sempre as leis são respeitadas. Só que as conseqüências para aqueles que assim procedem poderão ser pesadas. Normalmente a própria vigilância política, exercida pelas oposições, é suficiente para inibir excessos comuns em empresas privadas.
As estatais são uma garantia de respeito aos direitos do cidadão. Os ganhos de uma empresa pública entende-se destinados ao benefício do povo, seu grande acionista, e aos seus trabalhadores. Os famosos grandes salários são a distribuição de uma renda, que se presume aconteça também nas empresas privadas. O lucro dessas estatais não é canalizado para luxos pessoais.
Um grande risco na privatização é a criação de dinastias que passarão a comandar a sociedade em todos os seus detalhes. Na hipótese da privatização total do país, pelo efeito da concentração crescente da propriedade de empresas, a oferta de empregos estará nas mãos dessas pessoas, decidindo quem poderá ter uma vida com fartura ou não. A vaidade humana é onipresente. A concentração de poder é perigosa. Empresas familiares tendem a criar ambientes de idolatria pessoal. Todos devem submeter-se à veneração de seus líderes. As indústrias asiáticas, onde o confucionismo é uma filosofia de vida, têm isso com naturalidade. Aqui vemos o servilismo principalmente nas pequenas cidades. Dentro do espírito feudal dominante até o final do século passado era natural agir e pensar dessa forma. Mas o progresso e a evolução política devem levar ao aprimoramento do ser humano. O que esperamos do progresso? A expectativa de qualidade da vida é o da liberdade cultural, social e política. É o da valorização do indivíduo. O respeito à postura política e filosófica de cada cidadão é o sonho de muitos utopistas há muitos séculos. A Humanidade sempre esbarrou na tirania das religiões e de uma aristocracia que não admitia por-se em risco.
O Brasil vive um processo de desmoralização das estatais. A privatização é a grande panacéia. Assim deixará de existir um ambiente em que a liberdade ideológica é natural, protegida. Essa preocupação é sensível de diversas formas. No processo político procura-se inibir as formas de propaganda gratuita. Poucos protestam contra o abuso do poder econômico nas eleições. Apenas alguns percebem que o dinheiro gasto será descontado mais tarde. O povo sempre paga a conta. A mídia, sob o comando dos mais ricos, trabalha para consolidar esse poder. À semelhança dos EUA, a sustentação desse processo tornará as eleições uma disputa paroquial de dois ou três partidos de mesma base ideológica. O povo optará pela subordinação a um grupo de famílias ou a outro. As forças armadas serão induzidas a se transformarem em guardas pretorianas dessas elites. A miséria será caso de polícia. A riqueza uma conseqüência da divina esperteza.
Nosso país tem em suas estatais uma forma de criar seu modelo de cultura próprio. Essas grandes empresas, a grande maioria concessionárias de serviços públicos, são ambientes em que a personalidade de nosso povo tem liberdade para se manifestar. Com todas as virtudes e defeitos vemos dentro delas o que somos. O poder político alterna-se regularmente deixando as corporações razoavelmente seguras em suas múltiplas faces. Essa situação é visível também em outros países onde a empresa estatal existe. Na Europa poderemos ver na maioria de seus recantos a preservação de hábitos, filosofias e fantasias graças à independência com que puderam se preservar em seus empregos.
O Mundo passa por um processo de formação de meganacionais ( vide “O Império Secreto” de Janet Lowe ), de impérios onde as fronteiras são apenas econômicas. Esses oligopólios têm propostas políticas, têm dinheiro para defendê-los e competência para fazê-lo sutilmente. O cidadão comum, em sua luta pela vida, na seqüência da satisfação de suas necessidades fisiológicas, sob o medo da destruição, da não realização econômica e social, entrega-se aos primeiros patrões, vende sua alma. A grande realidade é a alienação voluntária e a incapacidade que a grande maioria das pessoas tem de ser independente. O instinto de conservação, a lei do menor esforço e a lei do Gerson condenam a sociedade à mediocridade, à renúncia intelectual. O culto às futilidades substitui as grandes questões. A ecologia gerou a esquerda cor de rosa. As lutas pelos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” foram substituídas pela batalha da preservação do mico leão, do automóvel importado e do vinho francês. São bandeiras que dão status e não põem em risco aqueles que as defendem. O esporte é a outra grande distração O futebol mostra seus “hoolighans”. Os gladiadores modernos dão suas vidas nas pistas de corrida. E como já acontecia em Roma, que se dê ao povo “pão e circo” e não apenas brioches...O fundamental nessa fase política é a alienação e o retorno a bandeiras medievais. Tribos são reconstituídas de modo a verem detalhes de cor, religião e até esportivos como fatores de atenção. Distrair, desviar a atenção, aceitar os azares e acreditar na sorte. É muito importante para as empresas transnacionais identificar e explorar bolsões de pessoas desesperadas e passivas, se possível com algum treinamento técnico e muita disciplina. Para as classes mais ricas convém vender o discurso maniqueísta. Parte do povo não presta, é malandra, bandida e a outra é boazinha, honesta e trabalhadora. Ao fugirmos dos grandes debates acabamos perdendo o que já ganhamos. Aproveitando mal o que foi construído, desmoralizamos propostas que poderiam ser muito mais úteis à sociedade.
Um aspecto irônico da privatização brasileira é a utilização do dinheiro do povo para a formação de riquezas pessoais. Da mesma forma que os empresários do transporte coletivo apoiam-se no BNDES/FINAME para formar suas frotas e não se admite a criação de frotas públicas com esse dinheiro, gerado pelo trabalhador, assim também vemos o processo de privatização. Pretende-se oferecer crédito privilegiado aos mais poderosos para a viabilização da compra de estatais. Os grandes empresários com todo o poder político, que sempre usaram, conseguem manobrar de modo a convencer técnicos e dirigentes dessas entidades de suporte financeiro a conceder-lhes recursos para seus “investimentos”. Não se cria uma linha de crédito popular para a compra das ações das estatais mas os mais ricos têm todo o carinho do governo. Vemos pouco esforço no sentido da democratização do capital das empresas privatizáveis. A criação de um fundo de investimentos pelo banco do Brasil para a participação popular na privatização, lançado em janeiro de 1996, foi um passo importante neste sentido. Há necessidade de mais propostas, incluindo o financiamento de cotas de participação a pessoas de renda menor. Seria extremamente louvável uma ação nesse sentido. As estatais têm em cada cidadão um acionista compulsório. A alienação do seu capital em pequenos lotes, ao alcance de todos, geraria milhões de acionistas voluntários e preocupados com os resultados das empresas de que tivessem ações. Mas no Brasil, ao contrário do que aconteceu na República Tcheca, por exemplo, a privatização tem beneficiado poucos. É um presente para alguns grupos privilegiados.
Essa lealdade aos grandes grupos econômicos é uma conseqüência do processo eleitoral. Nosso povo, em sua ignorância e desinteresse político vota em cima de propaganda. Poucos candidatos se elegem sobre bases lúcidas. Principalmente nas eleições majoritárias o abuso do poder econômico é flagrante. Só a Justiça Eleitoral não vê. O resultado é uma corrente de lealdades, que transcendem ideologias e atropelam discursos de campanha. As grandes decisões são negociadas em gabinetes muito distantes dos eleitos pelo povo. Lamentavelmente os interesses nacionais estão sob grande risco. Já não é apenas uma questão interna de luta de classes ou manutenção de interesses mas outros atores estão em cena. O Brasil, pela sua dimensão, é alvo de muitas conveniências distantes. Até nossos bandidos poderão sair perdendo para as máfias do hemisfério norte. Essas gastarão seus lucros em suas terras, reduzindo nossas esperanças de progresso.
Um grande risco no processo de privatização total é a perda de sensibilidade às questões ambientais, ecológicas e , principalmente, às razões básicas do serviço a ser prestado. Os dirigentes de uma empresa pública sabem que o processo político é oscilante. O poder muda de partidos, de lideranças. Com uma freqüência muito superior a qualquer empresa privada, uma estatal trocará seus gerentes. Assim não terá como esconder eventuais crimes ou faltas de atenção a questões de interesse popular. A dependência do voto e da simpatia popular obriga governantes e executivos a respeitarem normas e técnicas de domínio público. O contrário significará um desgaste incalculável. Já uma empresa que tenha a necessidade e o poder de mexer profundamente com o meio ambiente precisa de um controle político ou, pelo menos, de uma supervisão severa. Infelizmente a corrupção custa menos do que fazer o necessário. Uma estatal não tem como pagar o que as empresas privadas acintosamente gastam para conquistar lealdades. As despesas com a mídia são outro fator frágil em uma empresa pública. Se gasta vem a acusação de estar usando dinheiro do povo para promoção pessoal. Se não gasta fica sem a defesa que necessita em questões polêmicas como a construção de uma barragem, uma linha de transmissão ou outra instalação qualquer. Já a famosa iniciativa privada não tem limites. Pode usar “seu” dinheiro como bem entende. Fortunas são gastas para criar imagens nem sempre importantes ao negócio que tratam, mas vitais às ambições políticas do maior acionista. Assim no processo de concentração de poder vemos o controle ideológico, a oferta de empregos, a questão ambiental e ecológica como grandes preocupações na privatização, além da fuga a atendimentos não atraentes. São riscos que leis bem feitas e uma Justiça eficaz e imparcial poderiam compensar. Mas é próprio de países em desenvolvimento a fragilidade da Justiça. Até em países ricos os escândalos, que eventualmente surgem, fazem suspeitar da negligência dos órgãos de fiscalização e da vigilância dos homens da lei.        
O capitalismo sem leis, selvagem, põe em risco o processo democrático. À medida que desvaloriza o ser humano em seu trabalho, que promove e estabelece condições sutis de escravidão facilita o império de elites privilegiadas. As idéias da livre iniciativa, da competição, do livre comércio tiveram nos EUA sua Meca mas lá também já se sente o efeito da concentração de poder. Sob o pretexto de ganhar competitividade leis são questionadas e os controles relaxados. Os tigres asiáticos derrubaram não apenas as indústrias ocidentais mas muitos de seus ideais de bem estar social. Os sindicatos, os partidos políticos não reagiram com eficácia à entrada de produtos de ambientes escravos ou no mínimo primitivos. As elites, querendo produtos baratos, ignoram o desastre do desemprego nas classes trabalhadoras. As grandes empresas, preocupadas apenas com seus lucros, alocam atividades onde menos lhes venham a custar. O poder desloca-se das nações para as empresas meganacionais...
Toda a discussão, a mídia que se constrói em torno das empresas estatais esconde sua ligação com o poder político e administrativo disputado em eleições. Ninguém fala da participação popular nas decisões dessas empresas. Não se comenta a violência da concentração de poder a ser atingida com a privatização. Nossos grandes gerentes não debatem o lado negativo da administração privada. De forma irresponsável coloca-se a privatização como a panacéia necessária à cura de todos os males. Nós, brasileiros, já ouvimos, lemos e decoramos mensagens semelhantes. O Brasil seria o melhor dos mundos se essa ou aquela mudança fosse feita. Foram realizadas e continuamos dentro do túnel.
Quando poderemos enxergar a luz ao final desse labirinto?
Tudo isso significa a necessidade de muitos cuidados no processo de privatização. Ele não poderá acontecer sem o estabelecimento de regras claras em benefício do cidadão comum e dos funcionários das empresas. A nação brasileira não pode ignorar a necessidade de defender seus interesses. Em política internacional não existe altruísmo. As regras são as dos mais fortes e corajosos.  Isso vale para dentro do país. Existem classes, grupos econômicos, corporações, sindicatos etc disputando os benefícios do poder. A solução ideal é dinâmica, muda com o tempo, os parâmetros das equações sociais transformam-se por efeito das transformações culturais e econômicas. Assim precisamos de competência e seriedade em transformações tão grandes quanto as que estão acontecendo no Setor Elétrico. Trata-se de algo vital ao nosso desenvolvimento, conforto segurança.



14. Keiretsus brasileiros e a privatização


O Brasil é um país acima de tudo correndo atrás da bola, atrasado em relação aos grandes apesar dos imensos recursos naturais de que dispõe. Nossos governos e empresários não souberam formar uma base tecnológica que garantisse à nossa pátria um espaço digno no contexto das nações. Demoramos demais para ter escolas de engenharia, medicina, economia e outras essenciais à formação de profissionais produtivos. Enquanto na América do Norte, Europa e Ásia criava-se mentalidade tecnológica, aqui a preocupação era o preço dos escravos. Grandes regiões brasileiras até hoje têm dificuldades em desenvolver qualquer tipo de indústria apesar de inúmeros recursos naturais.
A mediocridade tem sido brutal. Vamos de um extremo a outro. Ou abrimos totalmente nossas fronteiras ou as fechamos. Não aprendemos a administrá-las. Leis como a da “Defesa da Informática” impuseram ao nosso país um retardo gigantesco. Não tínhamos porte nem recursos para as pesquisas necessárias ao desenvolvimento esperado. Ficamos condenados a uma freada tecnológica brutal. Indústrias e empresas prestadoras de serviços perderam competitividade pela inacessibilidade aos recursos mais modernos de produção, da fantástica informática. Na utopia de formar um país auto-suficiente, a burocracia para importar equipamentos era massacrante. Quando se tinha sucesso o aparelho já chegava ultrapassado. A falta de concorrência também levou a uma acomodação letal. A qualidade era ruim. O desinteresse era grande. Melhorar para que? vendiam de qualquer jeito. Os melhores produtos eram para exportação, ficávamos com os refugos. Ainda hoje as taxas de importação tornam os equipamentos de processamento de dados muito caros. Viabiliza-se o contrabando e conseqüentemente falta uma estrutura comercial decente. Com a redemocratização entramos dentro de um esquema jurídico que afastou as estatais das indústrias e universidades. Leis pouco inteligentes inibem associações.
O rigor em torno de despesas e custos tornou-se necessário diante da inflação superaquecida e da falta de recursos. Nossa dívida externa fugira ao controle, o Brasil “quebrou” no início da década de 80...A degradação atingiu as universidades. Centros de pesquisa foram sucateados. Os pesquisadores, desprezados, procuraram outras pátrias. O que sobrou e que possibilitaria um alento no processo de modernização de nossa indústria?
As estatais têm em seus quadros técnicos excelentes. Gente de guerra. Foi uma grande luta manter suas empresas funcionando nesses últimos anos. Em compensação aprenderam muito. Hoje algumas delas têm bons profissionais e cultura técnica razoavelmente atualizada.
Em muitos países as concessionárias de serviços público serviram de base para muitas indústrias. Os países europeus são um excelente exemplo. A França hoje possui um parque industrial invejável e é detentora de altíssima tecnologia. Inglaterra, Alemanha, Suécia, Suíça e outros países garantiram empregos investindo pesadamente em tecnologia e abrindo suas empresas públicas e privadas a suas próprias indústrias. O Japão foi, é e sempre será protecionista. Os chineses abrem suas cortinas de acordo com seus interesses. Na América do Norte os EUA e o Canadá sempre arbitraram suas conveniências com muita habilidade. Aqui louvamos os radicais. Lá mil artifícios inibem as importações. Suas fronteiras estão em processo de abertura lento e gradual, estritamente dentro de seus interesses. No Brasil a esquerda em suas preocupações radicais inviabilizou a convivência das empresas estatais, grandes consumidoras de equipamentos de alta tecnologia, com as indústrias nacionais. Sem o apoio dos partidos esquerdistas o desmonte das indústrias brasileiras não teria acontecido. O que poderia ser uma grande simbiose é motivo de intrigas e questões policiais.
O potencial técnico de nossas estatais é sub utilizado. As indústrias carecem de laboratórios, profissionais e recursos para desenvolver tecnologia. As concorrências mostram a ascendência das multinacionais. As empresas genuinamente brasileiras tendem a desaparecer. Não conseguem competir. Enquanto filosofamos o pólo de decisão sai de nossas fronteiras. Por falta de integração e de uma política competente de desenvolvimento tecnológico perdemos oportunidades, paramos. As grandes multinacionais, espertamente protegidas em seus países de origem, dominam o mercado de alta tecnologia. Até nosso sistema de registro de patentes inviabiliza nosso desenvolvimento. A falta de malícia surpreende. Nossos dirigentes são teóricos, prolixos e absolutamente ineficazes. Nossa tradição verborrágica se manifesta em todos os foros brasileiros. O país não deslancha mas o que se produz de manifestos, discursos, reuniões... Enquanto isso as grandes potências avançam com cautela mas muita firmeza. O Japão protecionista apenas entreabre suas portas às importações. A Alemanha reunificada gasta boa parte de seu orçamento, de sua receita de impostos, em tecnologia e em obras de suporte a esse objetivo. A França transforma-se vagarosamente, sua estrutura de indústrias e serviços extremamente amadurecida evolui para a competição. A Itália sobrevive em limites inadmissíveis no Terceiro Mundo. Os EUA, ancorado em seu mercado consumidor e nos acordos de pós Segunda Guerra impõe suas regras. A Inglaterra é uma caricatura do que já foi. França, Itália e mesmo os EUA ainda contam com a entrada gigantesca de recursos na conta turismo. Indústria sem chaminés privilegia alguns recantos dessa Terra de muitas imagens. Enfim, todos os grandes com seus problemas mas muito hábeis na administração de seus direitos.
Diante de tudo isso vemos uma grande chance de partirmos para uma nova etapa econômica se agirmos com inteligência e competência. Privatizar por quê? como? quanto? com quem?
A grande “mágica” seria a absorção das concessionárias por empresários nacionais. A união de indústrias e concessionárias criaria mercados privilegiados, cenários de experimentos tecnológicos, aproveitamento integral dos recursos humanos existentes, redução de custos pela diminuição da burocracia e aproveitamento maior de instalações. Técnicas e técnicos seriam explorados desenvolvendo aqui um parque industrial muito mais sólido do que o existente. Dentro do modelo protecionista japonês, que ainda por luxo goza de normas técnicas especiais, criaríamos aqui os “keiretsu”. Unindo banqueiros e empresários e com o suporte que uma concessionária pode oferecer teríamos grandes conglomerados, fortes o suficiente para enfrentar muitos ambientes hostis. A união é essencial para suportar a eliminação de fronteiras e proteções artificiais, como a estabelecida pelas políticas de reserva de mercado existentes até há pouco tempo. A preocupação lógica pela rentabilidade seria o freio à acomodação. A vigilância  política de tarifas é um regulador importante e estimulador à eficácia. Os nossos “keiretsu” teriam a oportunidade de em pouco tempo competir com muitas multinacionais ou, sócios das melhores, participar do grande mercado mundial. Provavelmente nossos bacharéis discordarão. Dentro de suas poesias esquecem que a igualdade de direitos é relativa e, diante de direitos estrangeiros muito bem protegidos militarmente, deveríamos desenvolver nossas proteções a empreendedores ligados aos interesses de nosso povo. Os riscos políticos da concentração de poder são evidentes mas talvez essa venha a ser a única forma capaz de gerar certos empregos industriais em nosso país. Temos centenas de escolas de engenharia e de formação de técnicos de segundo grau. Todo ano milhões de brasileiros são lançados ao mercado de trabalho. Precisamos viabilizar postos de trabalho.
Para operacionalizar esse processo deveríamos estudar detidamente o processo de privatização. Há muitas formas possíveis. Algumas de máximo retorno financeiro a curto prazo, outras infinitamente mais vantajosas a longo prazo.
O processo de privatização das concessionárias de serviços essenciais deve ser acompanhado de legislação específica de modo a garantir os objetivos do serviço delegado aos empreendedores. Infelizmente é pouco provável que alguma coisa se discuta com profundidade e objetividade em nosso Congresso. O risco é grande mas talvez necessário.
Por muitas razões o processo de privatização é inevitável dentro do quadro político, social e econômico atual. Muito menos por culpa dos funcionários das estatais, elas apresentam quadros deploráveis, que recomendam cirurgias pesadas para atenderem o que delas se espera. Há necessidade, contudo, de muitos cuidados para não regredirmos.
O que é fácil afirmar é que a formação de grandes grupos industriais em torno das estatais permitirá a formação de times de alta tecnologia e razoavelmente saudáveis. O Brasil é um grande mercado futuro de produtos ligados à área de energia, saneamento e telecomunicações. O setor de transportes tem tudo a ser feito. Rodovias, ferrovias, portos e aeroportos aguardam nossa competência e saneamento financeiro para ressurgirem. O Brasil está sucateado. A década da incompetência sucedeu à década da imprevidência, o resultado foi este em que nos encontramos. De qualquer modo o impulso rumo ao futuro foi dado por JK. A partir dele mudamos, ganhamos velocidade, não podemos mais parar. Por outro lado a imprevidência em relação ao trabalhador rural gerou um pesadelo social. As migrações foram, em muitos casos, um desastre. Seres humanos colocaram-se em ambientes hostis, sem capacidade de absorvê-los. Agora o governo necessita de recursos para o assistencialismo e para o desenvolvimento.
O processo de privatização poderá gerar recursos que amenizem essa catástrofe social. Um grande programa habitacional, a reforma agrária e a recuperação do sistema de medicina, de educação e da infra-estrutura de transportes no Brasil poderão ter na privatização de suas melhores estatais os recursos necessários. Uma transformação que viria não porque essas empresas melhorarão com a mudança de status mas porque este é o único caminho para o reequilíbrio social da nação.
Infelizmente os defensores da privatização, por motivos suspeitos, propõem a privatização selvagem alegando a incompetência dos administradores públicos, a corrupção. Tudo isso dito como se esses problemas fossem privilégios da administração política, pública. A mentira repetida sem parar ganha credibilidade. O efeito dessas cretinices é a desvalorização das estatais. É o sucateamento à medida que seus profissionais são desmoralizados, seus salários reduzidos. Talvez o governo, de alguma forma contaminado pelos grandes grupos econômicos, caminhe na trilha dos piores interesses. O povo estaria sendo logrado, roubado... Se, entretanto, houver interesse em aproveitar esta oportunidade para a consolidação de empresas nacionais, a transferência de comando e patrimônio deverá privilegiar nosso povo e seus empresários.
A participação das fundações de previdência privada e das estatais no processo de privatização é ótimo. Elas poderão ser instrumento de aproximação de objetivos em benefício da nação. Elas têm vocação brasileira. Seus interesses estão aqui e o desempenho delas depende do sucesso do Brasil. Isso implica em maior segurança para o nosso povo. Paralelamente poderão assumir o papel de líderes de grupos sinérgicos, complementares. É sintomático a preocupação de certas lideranças com a capitalização de fundações de empresas estatais. A entrada delas no páreo aumenta o valor das ações das empresas em processo de desestatização.
Por outro lado representam a oportunidade de negociatas péssimas a seus associados. Como em todas as empresas estatais, a empresa tem controle sobre a fundação e a empresa representa o interesse do governo existente no momento. Há o risco sensível de servirem a interesses prejudiciais ao povo e a seus beneficiários de lei.
A privatização e a estruturação dos estatutos das fundações de modo a que suas decisões fossem mais transparentes e decididas em condições paritárias, empregados e governo, poderia evitar muita armação. O problema é que os governos, estaduais e federal, entendem que as fundações lhes pertencem, atuando imperativamente sobre seus negócios.
O papel das fundações poderia ter sido melhor discutido e regulamentado nos processos de privatização. Infelizmente elas têm sido ótimos instrumentos políticos, no mal sentido, a muitos governos. E o pior é que os trabalhadores não têm apresentado lucidez e capacidade de mobilização para evitar estas operações.




15. Formação de empresas privadas concessionárias


O processo de privatização criará um tipo de empresa privada extremamente interessante no Brasil, ou seja, grandes equipes de engenheiros, técnicos, administradores e outros profissionais que, em todo o território nacional, participarão da administração e ação técnica em torno de problemas de infra-estrutura de cidades e estados. Esse ambiente tecnológico, à semelhança do que já existe em outros países, exigirá muita competência para o sucesso de suas atividades. A diversidade cultural e econômica do Brasil será o desafio fantástico desses empreendedores e profissionais. Como companhias fora do ambiente estatal, deverão conciliar os interesses de retorno financeiro às necessidades políticas das administrações eleitas pelo povo. Sendo concessionárias, estarão submetidas ao Poder Concedente. Este, por sua vez, atenderá prioritariamente a vontade do Poder Político. Lembrando que o Brasil é um país com problemas sociais enormes, percebe-se o risco que essas empresas correm.
Como deveria ser estruturada uma empresa dessa espécie?
Em sua primeira fase não poderia dispensar a utilização de profissionais experientes, principalmente daqueles que participaram da formação das companhias anteriormente responsáveis pelo serviço a ser prestado. Essa condição prende-se a algo que nossos teóricos da política desconhecem. A necessidade de manter e operar instalações complexas. Qualquer empresa pode quebrar facilmente se ignorar sutilezas de projeto e instalação assim como o histórico operacional. Por diversas razões a tendência foi a concentração de capacidade operativa em grandes máquinas e usinas. A capacidade de produção depende do desempenho de equipamentos gigantescos, onde qualquer descuido poderá inutilizá-los ou deixá-los fora de operação durante anos. Uma falha pode levar grandes regiões a racionamentos brutais. O consumidor brasileiro, principalmente das regiões sul e sudeste, não está mais acostumado a períodos de racionamento. Um mau desempenho  com certeza criará pressão política para a reestatização.
As futuras empresas privadas do Setor Elétrico deverão assumir suas partes nos compromissos da geração de Itaipu. São compras de energia compulsórias, havendo ou não necessidade de utilizá-la. Com relação aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e os futuros a serem estabelecidos dentro do processo de integração latino americano, é importante que os futuros gerentes das grandes empresas estejam conscientes de que esses acordos nem sempre são benéficos ao Brasil e suas empresas. Isso significa a necessidade de acompanhar negociações e estar atento aos impulsos brasilienses.
A operação é interligada. Cada concessionária cumpre seu papel nesse mosaico técnico. Regularmente são feitas reuniões de análise e outras de caráter deliberativo sobre os compromissos de planejamento da expansão do sistema e dos problemas operacionais. Questões relativas à manutenção são discutidas exaustivamente pois o insucesso de uma empresa pode penalizar sua vizinha e respectivos consumidores. Principalmente as grandes empresas têm compromissos importantes, transcendendo seus interesses. Atualmente o governo federal tem proposto o uso da grande malha de transmissão de energia elétrica a custos reduzidos, procurando viabilizar o uso de fontes de energia distantes dos centros de carga. O SINTREL tem bases aceitáveis se o prejuízo for do povo. E no ambiente de empresas privadas, como ficará?
Uma grande questão nessas mudanças é saber exatamente qual será o papel da ELETROBRÁS.  Tudo indica que ela limitar-se-á a gerir aquilo que não puder ser privatizado por força de lei, ITAIPU e Angra dos Reis.  De acordo com a Comissão Interministerial de Desestatização, a ELETROBRÁS cuidará dos estudos de inventário de engenharia e ambientais, necessários à licitação de novas usinas; administrará os instrumentos de financiamento setorial; gerenciará o SINTREL; controlará o sistema de transmissão de energia de responsabilidade de suas coligadas, até a implantação de um novo modelo ou a privatização da malha. Caberá ainda à ELETROBRÁS coordenar e supervisionar a integração do planejamento da expansão do sistema de geração e transmissão de energia assim como promover a pesquisa e desenvolvimento tecnológico nessa área. Essas diretrizes poderão ser modificadas à medida que apresentarem problemas ou outras conveniências.
O DNAEE deverá fortalecer-se pois suas atividades crescerão muito com a privatização. A multiplicação de empresas e as questões que deverão ser tratadas com mais rigor político exigirão muito do DNAEE e da ELETROBRÁS.
Os futuros empresários da área energética deverão conscientizar-se da responsabilidade que estarão assumindo. Entre elas existirá a necessidade de enfrentarem agressões  técnicas. É muito fácil, extremamente fácil, qualquer espécie de sabotagem em empresas de energia elétrica. Isso significa a necessidade de formação pacífica e inteligente das novas empresas, que venham a assumir os espaços das antigas estatais. A privatização deverá ser acompanhada de intensa negociação. Ao contrário do setor siderúrgico, onde o funcionamento ou não das empresas era algo totalmente distante da maioria do povo, o mau desempenho de concessionárias de energia, água e esgotos, telecomunicações e transportes é algo que agredirá muitos usuários e consumidores. O empresário que assumir a responsabilidade de formar e operar empresas concessionárias em áreas já existentes deverá ter competência . É verdade que o governo federal está fazendo o possível para desmoralizar suas estatais. Cortando crédito, segurando salários, viabilizando greves, perdendo qualidade joga o povo contra suas empresas (elas pertencem ao povo e não ao presidente, governador ou prefeito) . Mas a vigilância será severa. Poderemos voltar às épocas já distantes de campanhas contra as empresas. O mau desempenho  das concessionárias à época denominadas LIGHTs, Cias. de Força e Luz e outras elegeu muita gente...
As empresas a serem formadas, além de procurarem o apoio de antigos profissionais das companhias anteriormente responsáveis, deverão procurar na tecnologia e informática o outro grande suporte. Até por conseqüência da malfadada “Lei da Informática” há um espaço fantástico de sucesso, de ação dentro dos computadores modernos. Com esquemas pré-montados, já no primeiro minuto, a cibernética poderá ser a grande ferramenta de racionalização e controle das atividades a serem assumidas. Automação de processos, sistemas de informação e  controle poderão ser estruturados antes da entrada da nova empresa. A transferência de responsabilidades à nova equipe deverá encontrá-la aquecida, equipada. Isso será cada vez mais fácil à medida que grandes empresas, formadas para disputar  essas concessões, adquirirem experiência e recursos para o desafio de operar outras concessionárias. A privatização não poderá ser a simples transferência de propriedade. Espera-se mais eficácia. Como? A visão, livre das amarrações das estatais, emburrecidas por mais de dez anos de mediocridade monumental, com certeza enxergará grandes espaços de otimização. Mas por efeito do próprio processo, essas novas empresas não poderão perder tempo. Deverão começar produzindo e cabendo dentro das tarifas e projetos conquistados.
As futuras companhias dedicadas à exploração de serviços sob concessão terão que considerar: tecnologia, cultura, informática/automação, racionalização, mídia e política.
Dentro da tecnologia, como empresas privadas, poderão fazer sem grandes embaraços convênios e outras espécies de acordos com universidades, indústrias e laboratórios independentes. Nesse espaço fantástico o Brasil poderá dar um grande passo rumo ao desenvolvimento  tecnológico. Atualmente, pela inapetência, burrice e restrições legais idiotas as concessionárias pouco contribuem para o desenvolvimento científico e industrial do Brasil. Uma bela e produtiva exceção foram a TELEBRÁS e a PETROBRÁS. Apesar dos vícios deploráveis da reserva de mercado, muitas indústrias puderam se desenvolver graças à simbiose tecnológica em que viveram com a indústria nacional e universidades.
O desafio é recriar ambientes férteis sem os defeitos da reserva de mercado. Isso é possível dentro do espírito da iniciativa privada porque nenhum acionista está disposto a perder dinheiro. Ele cobrará resultados. Na conveniência de todos, essas novas empresas deverão procurar suporte tecnológico, até porque estarão agindo em setores de alta tecnologia, em instalações sofisticadas, exigentes. Esse é um aspecto que convém enfatizar. Competência técnica é absolutamente necessária para dirigir empresas com grandes instalações operacionais, tais como usinas hidroelétricas de grande porte, linhas de extra alta tensão etc. O risco de grandes acidentes existe. Não haveria penalização que compensasse uma catástrofe. Assim há necessidade da utilização de técnicas as  mais avançadas possíveis para a prevenção e correção de falhas. É infinitamente mais barato prevenir do que corrigir  acidentes em instalações de grande porte tais como usinas de geração de energia elétrica, subestações e linhas de  extra alta tensão. Para as barragens existirá o desafio da operação coordenada sob pena do rompimento de algumas delas (O povo argentino não gostará nem um pouco de morrer afogado porque resolvemos reduzir custos.). A operação do sistema exigirá a revisão de muitos instrumentos atuais, feitos para empresas estatais com tradição de entendimento e disciplina operacional.
A cultura das empresas a serem absorvidas será outro aspecto delicado na privatização. Ambientes altamente politizados e com estilos próprios de trabalho deverão ser assimilados pelos novos gerentes. Existe uma grande diferença de uma indústria convencional, onde o novo proprietário pode simplesmente fechar para balanço. Uma concessionária de serviço essencial não pode parar. A mudança  de estilos, de diretrizes acontecerá fatalmente. Afinal é o que se espera em muitos estados. Essa transformação, contudo, deverá ser inteligente. As empresas de energia são grandes navios. Uma mudança brusca de rumo poderá quebrá-las.
Corre-se o risco do empresário predador. O povo deverá estar atento para atuar juridicamente e politicamente ao primeiro sinal de incompetência ou má fé. Não temos no Brasil grandes grupos com tradição respeitável. A famosa Cataguazes Leopoldina mostrou em passado recente como interesses empresariais poderão sobrepor-se aos da empresa e consumidores. A negociação de duas usinas hidroelétricas sob seu controle há poucos anos, em detrimento dos compromissos dessa companhia, é um exemplo de como conveniências do empresário impõem-se aos da empresa. As novas companhias encontrarão um Brasil amadurecido e funcionando. Não saímos de uma guerra desmoralizante, como aconteceu à Argentina no início do governo Menen. Não vivemos sob o risco de torturas e violências piores como era o ambiente  chileno no início de sua abertura política. O Brasil é um país sadio, estamos em  momento de grande consciência cívica e de alta politização. A reforma da Constituição Brasileira acontece porque a de 1988 foi o produto de fantasias e inconsciências danosas ao país. Aprendemos. O povo evoluiu. A tendência é tornar-se mais exigente. Neste cenário a privatização não poderá ser leviana, açodada, mal sucedida. Isso acontecendo teremos um processo de radicalização. As teses mais estatizantes voltarão com todos os riscos institucionais. Felizmente dentro das estatais existe muita gente boa, que veste a camisa, que arrisca sua vida pelo sucesso da empresa que lhe garante o salário. São indivíduos que estarão atentos ao processo.
Outro aspecto importante é o grande volume de aposentados. É um grande contingente de pessoas preocupadas com a continuidade das companhias em que se aposentaram. Recebendo uma complementação salarial, dependem da continuidade de Fundações.
Essas entidades têm atraído a cobiça dos banqueiros. Campanhas têm acontecido tentando destruí-las. Elas são, contudo, a base da sobrevivência de dezenas ou centenas de milhares de brasileiros. Muitas dependem de contribuições da patrocinadora para honrar seus compromissos. A maior parte delas tiveram prejuízos em períodos de má gerência. Mas o interesse no sucesso das fundações é grande, vital para muita gente. Assim a vigilância será grande. A moleza da privatização do setor siderúrgico não se repetirá na área energética.
Na estruturação das novas empresas a utilização plena dos recursos de informática e automação será um grande fator de sucesso ou decadência das empresas a serem formadas. O que se vê é a percepção parcial desse recurso. Poucos dirigentes sabem fazer uso adequado dessa ciência. A própria imagem construída é precária. Não são “cérebros eletrônicos” mas equipamentos que automatizam processos, facilitam cálculos e estudos e que dependem mais do que nunca da existência de equipes bem treinadas. As futuras empresas concessionárias deverão ter um sólido e competente núcleo de  “experts” em computação e automação. Em torno desse time as empresas poderão ser modernizadas, operacionalizadas. No entanto, por melhor que sejam, dependerão das equipes “de casa” pois as informações são privilégios deles.
A racionalização das empresas e serviços será o grande trunfo dos novos gerentes. Sem compromissos com o passado, dentro de um ambiente menos formal e amarrado a leis burocratizantes, muito poderá ser feito para maior sinergia e produtividade.
A mídia será a grande arma de contato com o povo. As novas empresas deverão ser competentes na formação de imagem. As concessionárias atuais perdem muito nesse aspecto. Seus trabalhos de comunicação social servem prioritariamente à formação de imagem de governo e não à promoção da empresa. Assim haverá um ganho na priorização da concessionária. De qualquer modo muito dinheiro deverá ser gasto permanentemente na formação de opinião. Toda empresa está sujeita a acidentes. Falhas operacionais em certos setores significam prejuízos consideráveis a consumidores. O “Código de defesa do consumidor” é uma arma poderosa. A ação política contra a mudança de “status” das empresas será inevitável. Assim o trabalho de convencimento popular será vital à aceitação das mudanças. Esse processo deverá acontecer para dentro das empresas também. Técnicas de comunicação e convencimento deverão ser usadas eficazmente pelos novos gerentes. Estruturar essa atividade será um grande desafio dos empresários, que resolverem assumir o comando de concessionárias de serviços públicos. Ela será vital ao sucesso da empreitada.
No passado as concessionárias de energia foram “cavalo de batalha “ de muitos políticos. Por efeito de campanhas sistemáticas o Governo Federal impôs restrições às empresas a partir do fim da “tarifa - ouro” em 1933 até a inviabilização das concessionárias existentes, culminando com a estatização do Setor Elétrico. O Brasil poderá repetir este circuito se não houver competência.
Será interessante ver como a política afetará as novas empresas. Não é óbvio que essas companhias estarão livres de influências políticas negativas. Elas serão transformadas em “caixas de campanha” e cabides de afilhados políticos? Os futuros empresários escolherão o caminho fácil do aliciamento político ou procurarão investir nas empresas? Infelizmente há exemplos ruins de empresas concessionárias privadas, que optaram pelo processo político como uma forma de aumentar tarifas e reduzir a qualidade dos serviços.  O transporte coletivo urbano de muitas cidades brasileiras é um bom exemplo desse comportamento. Infelizmente nossos comunicadores não são pagos para denunciar as mazelas dos usuários do transporte coletivo. Aliás eles nem sabem o que é isso. Não usam o transporte coletivo. São comentaristas de problemas  e veículos sofisticados...
O processo político e a função social das concessionárias de energia imporão a essas empresas projetos de rentabilidade negativa. Seria de todo prudente negociar com o governo a continuidade dos projetos políticos antes da privatização. Muitos países criaram subsídios para esse tipo de programa. Não interessa às empresas abandonar os projetos de atendimento à população de baixa renda e aos consumidores rurais. Nessas áreas existe o compromisso moral e técnico de atendimento. Sendo feito com sucesso ganha-se muito em apoio popular. Por tudo isso deve-se equacionar essa questão de modo a poder-se atender bem a todos os consumidores. Essa é uma questão política e social que poderá estar fora do alcance mental dos executivos a serem encarregados de gerir as novas companhias mas extremamente importantes nessa fase de transformações institucionais.
O grande trabalho será fazê-lo com qualidade e a baixos custos. Esse desafio óbvio mas pouco compreendido por muitos exigirá competência. A consolidação da proposta privatista dependerá do sucesso. Em algumas áreas os desafios serão grandes. No setor elétrico o maior será enfrentar riscos de racionamento crescentes.


16. A privatização e a normalização  das contas brasileiras


O Brasil precisa normalizar suas contas para poder retomar o desenvolvimento e resolver grandes problemas sociais. A inflação e a miséria são fatores de instabilização de uma nação que tem tudo para crescer e gerar um ambiente saudável, decente. O valor das estatais é da ordem de dezenas de bilhões de dólares, dinheiro capaz de alavancar a economia e valioso na solução de muitos problemas que afetam a nação. Apesar de todo esse dinheiro não ser suficiente para pagar os juros da dívida pública em um ano, afinal somos o país da agiotagem, são grandes para dar partida a um imenso programa habitacional, a recuperação dos sistemas de transporte e de saúde e outros projetos
Não podemos esquecer que um povo bem alimentado, com seus problemas básicos resolvidos, votará melhor. Ao superar a barreira de suas necessidades fisiológicas básicas, em especial aquelas que lhe garantam a sobrevivência, o cidadão terá olhos para outras questões. Se queremos ver o Brasil como um país livre, decente e inteligente precisaremos garantir a seu povo saúde física e mental. O valor das estatais, transformado em recursos para a solução dos problemas básicos da nação, dar-lhe-á outro padrão, marcará o início de uma nova fase.
A dívida tem um aspecto importante de ser notado. Até um certo tamanho ela é pagável, suportável. Há uma faixa em que ela imobiliza, impede a realização de novos projetos. A pior é quando foge ao controle, cresce sem parar, quebra o devedor. Felizmente o governo brasileiro não gerou sua dívidas em guerras. Ela cresceu na formação de grandes empresas, na implantação de uma grande infra-estrutura. O Brasil, sendo um país de dimensões continentais, não oferecia rentabilidade mínima necessária à viabilização da maioria de seus serviços de base. Assim, com empréstimos, impostos e uma distribuição de renda danosa a grande parte de nossa população construiu-se o que hoje temos. Agora grande parte dessas empresas podem ter receita suficiente a se auto financiarem, além de  garantir lucro a seus acionistas. Precisam de competência e honestidade. Têm grande valor, podem ser alienadas gerando recursos para aqueles serviços que foram abandonados. Poderão financiar programas na área industrial e agrícola. O governo poderá extrair daí recursos para a reforma agrária e um grande programa habitacional, por exemplo.
A grande questão será a forma e a valorização dessas empresas. Há situações que tiram o valor de nossas concessionárias. Um aspecto negativo é o poder que o governo federal tem de mudar as regras do jogo a qualquer momento. A situação atual inviabiliza as estatais como foco de investimentos a longo prazo. Quem arriscará seu rico dinheirinho em uma empresa de baixa rentabilidade e sujeita a grandes períodos de prejuízo porque o governo candidamente resolveu congelar tarifas? Nas bolsas de valores só veremos especuladores selvagens. Para esses aventureiros a desordem é ótima. Ela viabiliza golpes, facilita esquemas. O pior é que nosso povo não percebe a maldade, a sutileza desses grupos. Ele financiam campanhas, dominam a mídia e estimulam o comportamento de risco das grandes aventuras. O problema é que a área de energia elétrica, por exemplo, não pode ficar à mercê de especuladores. Ela deve ser atraente, cativar investimentos mas ter estabilidade suficiente para garantir o desenvolvimento do setor.
No Brasil atual, os trouxas, que compram ações pensando nos dividendos, estão desperdiçando suas economias. Enquanto o Presidente da República tiver o poder atual o Brasil estará condenado ao atraso. Não temos Justiça capaz de impedir arbitrariedades, o Congresso vive a reboque de conveniências pessoais e os aprendizes de feiticeiro de Brasília inviabilizam o desenvolvimento sadio do país. O erro não é desse ou daquele presidente. Mesmo que tivéssemos o melhor presidente, o risco de mudanças bruscas torna a participação em empresas concessionárias uma loucura. Nossa Constituição Federal e todo o arcabouço legal precisam de ajustes significativos de modo a garantir a estabilidade necessária à iniciativa privada. Nós nos habituamos aos regimes de exceção onde o grande chefe decide tudo. Em um ambiente democrático é importante a estabilidade e divisão dos três Poderes. Não podemos ficar dependendo dos humores de qualquer indivíduo, principalmente os mais poderosos.
A instabilidade institucional crônica do Brasil precisa ser corrigida com urgência. Precisaríamos seguir os bons exemplos gerados pelas nações mais racionais. A formação de uma Constituição Federal inteligente, a reestruturação da Justiça e correção de suas lógicas assim como de todo o cenário técnico brasileiro são necessários à otimização do processo de privatização e convivência com os futuros aristocratas. Tanto os empresários precisam de estabilidade para assumirem os riscos de seus investimentos quanto o cidadão comum deverá ter força para fazer valer seus direitos. O processo democrático precisará ser fortalecido, tornando-o tanto quanto possível sem dependências dos mais ricos e menos sensível à demagogia.
Nessas condições as empresas concessionárias de serviços públicos ganharão valor. Serão investimentos atraentes para os bons investidores, para aqueles que têm nesses serviços a razão de ser.
Nesse processo de alienação de bens públicos é vital a valorização das estatais antes da venda de suas ações. O Congresso deveria definir um valor mínimo em cada negociação. Precisamos ter certeza de que está acontecendo algo justo, sadio. Não podemos esquecer que a venda de empresas concessionárias a estrangeiros, que não apliquem aqui os seus lucros, representará a obrigação da remessa de lucros, ou seja, da necessidade de geração de divisas para compensação desses investimentos. Dependendo da relação entre capital aplicado e divisas a serem exportadas, teria valido mais a pena obter-se empréstimos para a manutenção dessas empresas. O Brasil tem fronteiras e dentro do esquema de sustentação da moeda arriscamo-nos a gerar pressões para desvalorização, exportações crescentes e inflação mais miséria.
O valor em bolsa das estatais brasileiras sofre com a falta de política tarifária. Essa omissão criminosa é incompreensível. Investimentos de dezenas de bilhões de dólares acabam não valendo nada porque o investidor ganha apenas na especulação. As empresas não gerando lucros, acumulando prejuízos tornam-se péssimos investimentos. Esse problema agrava-se com a má administração da maioria delas. Muitas com executivos alienados dos interesses das empresas que comandam têm desempenhos ridículos. A corrupção é rotina apesar de não ser atualmente o maior problema. A vigilância da imprensa e dos partidos de oposição ao governo criam pressões saneadoras ( viva a democracia ! ). Não pagar contas entre empresas estatais e entre elas e prefeituras, repartições públicas virou uma norma em muitos estados. Principalmente as estatais de energia elétrica que atendem prefeituras, repartições públicas e outras estatais encontram no calote institucionalizado um rombo em suas contas.
Na privatização preocupa-nos a ilusão da receita temporária. Durante um tempo usufruindo as divisas adquiridas com a alienação de suas empresas gasta-se, importa-se artigos supérfluos, transfere-se serviços para fora do país. Se o dinheiro obtido não gerar empregos, exportações maiores e saldo positivo nas contas internacionais o país terminará o processo de privatização sem um enriquecimento saudável. Não temos força política nem prestígio para arrancar benefícios à semelhança dos planos de apoio de pós guerra. Falta-nos também base para aproveitar recursos dessa espécie. Não temos grande tradição industrial. Nosso povo precisa de recursos para suas necessidades básicas, entre elas obter instrução. Os sobreviventes da Segunda Grande Guerra na Alemanha, França, Itália e Japão tinham formação técnica, profissional e disciplina para se reerguerem das cinzas. E nós? faríamos procissões e festas?
Os exemplos do México e da Argentina são muito importantes para serem ignorados. Até agora as explicações não convenceram ninguém. O “modelo” tão carinhosamente defendido por muitos iluminados derrubou a soberania desses países, gerou problemas sociais consideráveis e não mostra sinais de luz ao “fim do túnel”. O poderio crescente de megaempresas nacionais ou multinacionais não nos interessa. É uma realidade perigosa. Podemos ter uma vida mais simples mas com leis que defendam nosso povo, vendo-o viver com dignidade, bem alimentado, tendo onde morar e com saúde. Não podemos esquecer que o Brasil produz meia tonelada de cereais por habitante e por ano. Por que a fome?
A privatização poderá ser um grande salto em direção a um futuro saudável mas exige cuidados. Não poderá ser feita açodadamente. O grande patrimônio acumulado nas estatais estimula a fome de muitos. Colocá-lo a serviço do enriquecimento ilícito seria uma grande falta de inteligência. O Outro risco é a geração de uma classe dominante extremamente poderosa. Sem a concorrência dos empregos públicos esses grandes empresários passariam a governar ideologicamente nosso país. Não temos uma Justiça capaz de defender o cidadão mais humilde. Nossas leis perdem-se em fantasias e artifícios que inviabilizam o suporte legal nas questões que nos afetam diariamente. Os monopólios em mãos avarentas serão transformados em instrumentos de exploração do povo e de perda de soberania.
Um aspecto delicado no processo de privatização é ver o discurso da falta de recursos, da necessidade de dinheiro para os programas sociais, da falência do estado, e o governo gastando fortunas para sustentar o capital especulativo. Principalmente a União carece de coerência quando vemos a viabilização de importações desnecessárias ao desenvolvimento do país a custa de dividendos extremamente valiosos, adquiridos a custa da exportação de alimentos, minérios, madeira e produtos necessários ao conforto de nosso povo. Algo está errado. Acadêmicos de escolas de economia dominaram o Brasil transformando-o em espaço de grandes negócios e território de miséria. O final de 1994 foi especialmente desastroso. Nosso governo assinou acordos comerciais criminosos. Reduzimos alíquotas de importação de produtos perfeitamente dispensáveis. Por quê? O resultado foi vermos recuos desmoralizantes. Em 1996 vimos o Brasil captando divisas e pagando juros absurdos por esses dólares necessários à importação de automóveis, tratores, tecidos, bebidas e muitas outras coisas que poderiam ser feitas no Brasil ou eram produtos supérfluos. Pagamos mais de 30 bilhões de dólares por ano para termos reservas voláteis. Todo o dinheiro que o governo federal pretende obter com as privatizações não cobre um ano dos juros dessas reservas estranhas. Qual é a lógica?
Os gestores de nossa economia precisam pensar um pouco mais sobre o que é dinheiro, o que representa, como é formado. Entre nações não existe altruísmo. Há interesses e quanto mais agressivos, mais serão aplaudidos por suas populações. Precisamos ter competência e capacidade de fugir desses figurinos burros ou desonestos.
Precisamos combater a inflação interna. Evidentemente a abertura de fronteiras contribui e muito para este propósito. Não podemos, entretanto, inviabilizar nosso país. Não temos ainda condições de gerar tecnologia e faturar em cima de serviços. Desperdiçamos muito dinheiro e não criamos uma base inteligente. Nossas universidades são pouco mais que aglomerados de salas de aula. Pesquisa é assunto raro e nosso sistema de registro de tecnologia pede para não ser usado. Ficamos dependendo da exportação de produtos primários para a sustentação dos luxos da burguesia. Assim facilitamos importações de países com trabalho escravo.
Os negócios com outros países devem ser vistos de forma integral. Qual é a remuneração e benefícios indiretos de um trabalhador chinês? tailandês? de Formosa? vamos viabilizar a escravidão? assim, na abertura de fronteiras nossos trabalhadores deverão ter consciência do que perdem e ganham ao se submeterem a concorrências nem sempre justas.
A privatização das empresas estaduais e municipais, contudo, tem uma razão adicional importante. Seus maiores acionistas precisam de dinheiro para investir e não para sustentar uma política econômica nacional. Empresas capitalizadas e de grande atratividade empresarial poderão mudar de mãos gerando recursos extremamente valiosos para seus antigos proprietários. E é nos estados e municípios que poderemos ver com mais atenção os resultados desse processo. As empresas que lhes servem têm como serem vigiadas por seus clientes, estão diante de seus olhos. Principalmente as concessionárias estão sujeitas a padrões de qualidade que, sendo estatais, desrespeitam porque não há a quem recorrer. Privatizando-as os políticos poderão com mais propriedade e justiça exercer abertamente o direito da crítica. Serão os fiscais que o Brasil precisa. Não sendo parte do processo administrativa dessas empresas terão mais isenção para avaliá-las. Como empresas privadas não serão instrumento de desastres como o foram as companhias estaduais paulistas. Se essas empresas estivessem em mãos da iniciativa privada, não estaríamos hoje, todo o povo brasileiro, obrigado a pagar suas contas. O Banespa serviu como desculpa para as soluções incrivelmente paternalistas de muitos bancos privados.
O poder público sem a estatais não terá como fugir dos orçamentos, da receita tributária, do controle severo de contas mais simples.




17. Concessões de energia

Serviços que representam monopólios naturais são entregues à exploração de empresas ou governos menores por efeito do que chamamos “concessão de exploração”. A distribuição de energia elétrica é um bom exemplo do que vem a ser uma concessão. O governo, no Brasil é o federal, dá uma autorização a uma empresa para em um prazo determinado distribuir energia elétrica entre consumidores. Isto fica sujeito à fiscalização de um órgão concedente ( DNAEE ), instrumento do poder maior. Tarifas e padrões são definidos pelo governo, que concede essa autorização de serviço.
No Brasil alguns serviços foram monopólios constitucionais de empresas federais ou governos estaduais e outros delegáveis por concessões a critério do poder concedente. A Petrobrás tinha o monopólio constitucional da pesquisa, exploração e refino do petróleo no Brasil. As empresas de energia elétrica são concessionárias sem restrições constitucionais quanto à sua natureza, se privadas ou estatais. Principalmente durante o período militar em que o Brasil teve um plano estratégico para a energia, formaram-se as grandes empresas hoje existentes. Algumas com responsabilidade regional, as estaduais distribuindo energia, cada uma em seu estado, e outras de caráter especial , como é o caso de Itaipu, uma binacional. Na expectativa do sucesso de nossos empresários grandes investimentos foram feitos. A recessão provocada pelas crises do petróleo, a corrupção e grandes falhas estruturais internas levaram à paralisação de algumas dessas empresas, que agora amargam o prejuízo e a desmoralização de inúmeras obras inacabadas.
No plano energético o fato mais extravagante foi o Acordo Nuclear realizado com a Alemanha. Sonho alucinado de poder levou o Setor a uma série de compromissos, que acabaram por enterrá-lo em contas impagáveis. Lamentavelmente as empresas de energia levaram o ônus da culpa da realização de obras, que nenhum profissional honesto recomendaria. Decisões políticas de uma época autoritária hoje contribuem para desmoralizar o que poderia ser um grande instrumento dos governos democráticos, as empresas estatais.
Antes de outras análises convém notar diferenças e resultados esperados na forma de oferecer um serviço essencial e sujeito a concessão. No Brasil tivemos até a edição da Lei 8631 de 1993 o benefício da rentabilidade garantida para a concessionária. Infelizmente a anarquia provocada pelo processo inflacionário fez com que a contenção tarifária acontecesse em diversos períodos. Isso gerou uma conta a ser paga pelo Tesouro Nacional ou pelos consumidores em futuros ajustes de tarifas. Optou-se por acabar com este déficit em um ajuste único estabelecido pela Lei 8631 citada para o setor de energia elétrica. As empresas aceitaram os acordos. Iniciava-se um período de estabilidade importante. O resultado foi uma elevação substancial do valor das ações dessas empresas, credibilidade e retomada de investimentos. Infelizmente pressionado principalmente pelo “lobbie” das eletrointensivas o governo federal recuou. De uma forma vergonhosa partiu para um novo período de congelamento tarifário. Sob a alegação de que as empresas não eram eficazes, o que não deixa de ser verdade em muitos casos, penalizou a todas. Paralelamente a lei 8631 foi atingida pela medida provisória que implantou o Plano Real, consolidando o congelamento e os apertos no crédito. As propostas para concessões de serviço tiveram sua base aprovada em cima do projeto de lei do deputado José Carlos Aleluia. Sob muita pressão o governo federal emendou essa lei estabelecendo condições de prorrogação de concessões e maior respeito às empresas. Restou, entretanto, o discurso maldoso e até rancoroso contra as concessionárias de energia. Talvez pelas origens dos principais líderes, representantes de estados ( Rio Grande do Sul e São Paulo ) onde suas empresas foram muito mal vigiadas, pessimamente administradas, esses deputados e senadores entenderam que no Brasil inteiro o cenário era o mesmo e todos caíram na campanha facciosa e desonesta visível em nossos programas de televisão e nos principais jornais e revistas nacionais. Artigos cuidadosamente escritos vêm apresentando afirmações erradas ou mentirosas. Podemos imaginar muita incompetência por parte desses profissionais da notícia ou desonestidade das mais perigosas pois procuram induzir os leitores contra estruturas, que foram construídas para servi-los.
A nível mundial estabeleceu-se o conceito de concorrência na prestação de serviços públicos, criando-se artifícios para fuga de situações de monopólio na esperança de redução de custos a nível de consumidor. Os países mais ricos, já com seus recursos naturais saturados e sem necessidade de grandes incrementos na produção de energia modificaram seus sistemas institucionais. A concorrência diminuiu investimentos mas permitiu maior justiça no uso da energia disponível à medida que, promovendo competição entre empresas, elas foram obrigadas a reduzir seus custos e fornecer seus produtos a preços menores. E nos países em desenvolvimento? a diminuição da atratividade em investimentos na área de energia aliada à inconstância institucional típica de nações sem maturidade política e moral levará seus países a terem recursos apenas para projetos especiais. Quem investirá para atender a eletrificação rural? aos consumidores de baixa renda? nos projetos pioneiros? o que vemos no Brasil é uma corrida de grandes indústrias às fontes de baixo custo ainda não exploradas. E o mais interessante é que partem para consórcios entre elas usando recursos do BNDES ( PIS-PASEP e Fundo de Amparo ao Trabalhador ). Os grandes empresários brasileiros têm o hábito histórico de só arriscar o dinheiro do povo. Quando quebravam geravam uma nova estatal, administrada a partir daí pelo BNDES ou equivalente regional. Agora dizem que as estatais não prestam...Os grandes centros consumidores brasileiros também terão fôlego para disputar os aproveitamentos disponíveis em outros estados. São Paulo precisa da energia em potencial do resto do Brasil. Para tê-la necessitará de um SINTREL amigável, do BNDES e da tolerância dos estados na alienação de recursos, que poderiam servir ao seus próprios desenvolvimentos. O artigo 21 da Constituição Federal, que estabelece a necessidade de articulação com os estados na concessão de direitos de exploração para fins energéticos do potencial hidroelétrico, é ignorado pela grande maioria de nossos políticos. O estado do Paraná, de uma forma lúcida, contém em sua constituição a necessidade de aprovação pela sua Câmara Legislativa  para a  construção de qualquer barragem em seu território. Esse tipo de atenção todos deverão ter sob pena de ver mais este fator de competição desaparecer sob o peso enorme dos grandes estados.
A grande mídia, contudo, divulga a necessidade de “modernização” da Constituição Federal. Entenda-se por modernização tudo aquilo que reduza o poder político e administrativo do povo. Quem lucrará com esse processo ? com certeza os estados mais fortes, as populações mais conscientes, os grandes grupos econômicos. O imperialismo existe não apenas entre nações mas também entre regiões. No Brasil este é um fato político muito claro. A redefinição constitucional dos direitos de concessão poderá ser pernicioso aos estados mais frágeis.
            Infelizmente a Constituição Federal de 1988 teve falhas que levaram ao descrédito a estrutura atual. A pior foi a concentração em Brasília de decisões que não lhe seriam pertinentes diante do gigantismo do Brasil e de suas peculiaridades regionais, especialmente as culturais. No caso da energia criou-se uma situação em que o órgão concedente e fiscalizador ( DNAEE ) estabelece tarifas . Água e esgotos ficaram a nível de estados. O resultado foi a falta de eficácia na normatização, fiscalização e , o pior, a inadimplência. O custo da energia estabelecido pela União acabou não sendo suficiente para cobrir em muitas concessionárias o custo de outros serviços, que simplesmente não eram cobrados por falta de vontade política dos governadores. Eternos candidatos, conscientes que seus períodos são de apenas quatro anos ( sem reeleição ), têm a irresponsabilidade de transferir para seus sucessores contas crescentes de energia. Essa centralização funcionava sem problemas durante os períodos não democráticos pelos quais passamos. O governo central tinha autoridade para fazer cumprir o que estabelecia. Em nossa frágil democracia, contudo, a ausência de uma Justiça eficaz torna nossas leis inúteis e o cidadão comum pouco mais que reclamar pode fazer.
            Dentro de nossa realidade o ideal seria deixar com os estados a administração de seus recursos energéticos e definição de tarifas da energia produzida por seus investimentos. A União deveria limitar-se aos casos de conflito entre estados, servindo de árbitro e apoiando a Justiça no que fosse necessário. Evidentemente os aproveitamentos de fronteira do país teriam a participação da União mas sempre respeitando a autonomia de cada unidade federada. A centralização de poderes administrativos em Brasília é prejudicial ao país. Cada estado tem suas riquezas naturais e potenciais de desenvolvimento. Deixá-los livres e estimulá-los a ter criatividade, responsabilidade e competência será saudável a todos.
            Infelizmente nota-se que as reformas constitucionais ( eternas ) tem aumentado o poder de Brasília em detrimento dos estados. É difícil entender esse espírito entreguista da maioria dos governadores. Talvez os estados mais pobres esperem obter mais recursos entregando-se à União. Esquecem é que assim perdem oportunidades de encontrar soluções próprias para seus problemas. Os que fazem leis estão acostumados às armações de gabinetes, vivem em um Mundo artificial, ignoram e não têm interesse de entender as soluções reais para os problemas de seus estados. Talvez assim atuem, muitos deles, para não perderem seus currais eleitorais. Mais liberdade com responsabilidade é o remédio para cada pedaço do Brasil.
            O Brasil precisa abandonar a idéia do estado paternalista. A visão poética de governo capaz de tudo se honesto é utópica. Quem paga qualquer conta é o povo. Precisamos acabar com transferências camufladas de recursos. Todos deverão saber com clareza de onde vem e para onde vai o dinheiro. As concessões e suas explorações têm sido instrumento de muitas artificialidades, que em nada têm contribuído para maior eficácia e honestidade. Não podemos, por outro lado, ser ingênuos. A famosa iniciativa privada procura lucro. Qualquer cidadão está disposto a investir, a ter lucro com suas economias, a investir para ter retorno de suas aplicações. Ninguém está a fim de caridade com suas economias. Devemos entender que a privatização deverá vir acompanhada de instrumentos severos de cobrança de resultados. Os contratos de concessão deverão ser de domínio público e a Justiça deverá estar habilitada a agir com rapidez em defesa do interesse público. Esse milagre é necessário à abertura da economia. Estabilidade, justiça, competência técnica e administrativa são absolutamente necessárias ao nosso desenvolvimento.
            Na área energética precisamos conservar com carinho o monopólio da Petrobrás na prospeção e exploração do petróleo . Principalmente na plataforma continental ( sob o mar ) todo cuidado é pouco. As 200 milhas de soberania econômica desapareceriam se em qualquer conflito mundial o abastecimento de petróleo às grandes potências corresse perigo. Além disso as reservas mundiais do melhor petróleo tendem a se esgotar a médio prazo. O petróleo é um recurso não renovável. Toda a pressão será feita para colocá-lo à disposição dos mais fortes. Abrir qualquer brecha nesta área será iniciar um processo de lesa pátria gigantesco. Não podemos nos iludir quanto ao nacionalismo de países como os EUA , França , Japão e outros. Na disputa de interesses qualquer artifício será considerado válido, se em defesa de seus interesses. O petróleo é motivo de atenção. Ainda não encontraram substituto para ele. Toda a pressão em torno do crédito, tarifas, patentes e outros é uma demonstração de que em política internacional não existe amizade, ética ou respeito a qualquer direito. A ONU é uma farsa. Serve para muitos debates e atividades cosméticas mas lá não existe uma preocupação real com a Humanidade e sim o que fazer para aumentar o poder dos mais poderosos. Preservar nossa soberania no que nos resta é importante. Perdemos muito com a quebra dos anos 80. O Brasil dobrou-se à banca internacional de agiotas. Aqui vieram prestimosos atender ditadores. Emprestaram fábulas de dinheiro sem muitas perguntas. Agora cobram com dureza dos povos que reconquistaram a democracia. Para as grandes potências nada melhor do que ditaduras sedentas de armas de segunda linha, guerrinhas regionais, projetos megalomaníacos, bondes e canhões para os índios...Agora pedem a quebra do monopólio do petróleo como parte do programa de “ajuda” aos selvagens brasileiros. E nossos apressados iluminados, que há pouco tempo se locupletavam com as facilidades da ditadura agora apregoam a “abertura” econômica como sinal de modernismo, palavra que rima com entreguismo. A PETROBRÁS é o que nos resta como instrumento de autonomia econômica, garantia de um insumo extremamente valioso para as próximas décadas. Não precisamos produzir além do que temos no momento. Importar petróleo dentro de certas proporções é uma atitude inteligente. Gradativamente a PETROBRÁS crescerá cumprindo sua missão. A participação da iniciativa privada é válida dentro do mercado acionário, minoritariamente. Servindo principalmente como auxiliar na vigilância da probidade e qualidade administrativa. Nossa grande empresa de petróleo poderá dividir lucros com quem quiser investir para seu desenvolvimento, distribuindo rendimentos justos. O logotipo verde amarelo não poderá ficar amarelo apenas ou muito menos vermelho e mais outra cor qualquer. Devemos seguir o exemplo de países como o Japão ou a França que não renunciam em hipótese alguma a sua soberania.
O quadro a seguir dá uma boa idéia do que significa ter controle sobre suas reservas diante do consumo e reservas mundiais de óleo, dados de 1991 e publicados pela “Oil & Energy Trends” de maio de 1992.

Quadro : produção, reservas de petróleo




            Este quadro mostra muito bem a preocupação que os países mais ricos têm em relação ao petróleo. Se lembrarmos a progressão do fundamentalismo islâmico nos países com maiores reservas petrolíferas e as questões ambientais, entenderemos porque o G7 luta para inibir o consumo de combustíveis e vende a idéia da internacionalização da economia entre nós.
            Os quadros a seguir, com dados  extraídos do “BP Statistical Review of World Energy” de junho de 1993 ( reservas provadas enquanto os dados do Brasil são reservas totais estimadas pela Petrobrás ), mostram a fragilidade do Mundo não islâmico. Pode-se notar por esses quadros que na época quase 70% das reservas mundiais conhecidas estavam em mãos muçulmanas. Infelizmente o acirramento das questões religiosas poderá em algum momento do futuro próximo gerar um bloqueio grave no abastecimento ao países ocidentais. Entende-se aí toda a campanha para a quebra do monopólio da Petrobrás e as pressões sobre o México.

Gráfico mostrando reservas e expectativa de vida



            O Brasil, por estar há muito tempo fechado às empresas estrangeiras, tem muito espaço potencial. Cada litro de produção é importante em momentos de crise. As fontes diversificadas, distribuídas pelas Américas, evitam que algum governo crie bloqueios perigosos. Além do petróleo explorado para refino normal há variantes que terão sua importância na escassez. O que não poderá acontecer em hipótese alguma será faltar energia.

Gráfico mostrando porcentagem de produção e reservas de petróleo





            A energia elétrica também pode ser exportada na forma de lingotes de alumínio ou outros materiais eletrointensivos. O controle da geração de energia e da sua utilização será fator político e econômico vital no próximo século. O Primeiro Mundo é inteligente bastante para fazê-lo de forma sutil. Teorias ambientais e amarrações econômicas serão implementadas para submeter os povos mais atrasados. Uma boa forma é a mudança nas formas legais, institucionais. Mudando leis e adaptando-as aos seus interesses poderão ter os mesmos resultados que antigamente conquistavam com as suas esquadras. O Brasil, que há vinte anos tinha uma política altamente nacionalista, parte para uma filosofia ingênua, entreguista. A troco de espelhinhos talvez percamos trunfos poderosos na disputa do futuro. Os militares erraram confiando demais em pessoas que os usaram para enriquecer-se. Nossos gerentes atuais estão equivocados ao acreditar na fraternidade com as nações ricas e poderosas. Elas assim estão em grande parte como conseqüência da exploração dos povos da América do Sul, África e Ásia durante séculos, com o devido apoio de esquemas de cooptação, corrupção e poder direto. É difícil de acreditar que agora ficaram boazinhas.
            A reforma da “velha” Constituição de 1988 encontrou nos deputados e senadores eleitos em 1994 o ambiente sonhado por muitos neoliberais nos melhores países do Mundo. O governo eleito, em sua luta contra a inflação, manobrando inteligentemente a mídia e a burrice crônica dos partidos de esquerda, conseguiu mudanças inacreditáveis há poucos meses antes do início de 1995. O Brasil nunca mudou tanto em tão pouco tempo. A aprovação dos projetos e medidas provisórias dentro do espírito do Plano Real acontecessem maiores dificuldades que o tradicional jogo de cena dos discursos inflamados e afirmações grandiloqüentes.
            A questão maior talvez seja aceitar ou não o monopólio de empresas privadas na área energética. O monopólio estatal estamos conhecendo bem. Seus piores defeitos poderiam ser : descontinuidade administrativa, despreocupação do poder político com os resultados técnicos e financeiros das estatais, corrupção, empreguismo, inadimplência, ineficácia. Os maiores defeitos dos monopólios privados poderão ser : desinteresse em investimentos sociais ou de baixo retorno, desvio de recursos para outras atividades, uso político do poder de seus serviços, concentração de renda, aceitação de riscos excessivos. O lado positivo do monopólio estatal poderá ser: subordinação a boas políticas, espaço democrático de empregos, maior preocupação com o sucesso social. Na iniciativa privada poderemos ter maior eficácia no atendimento ao público, integração industrial com geração de empregos industriais, agilidade empresarial com solução rápida de qualquer problema, atração de capital de risco.
            Na área de energia elétrica felizmente as mudanças estão dentro de um padrão inteligente e capaz de realmente melhorar o desempenho do setor. A Lei 8.987/95 estabeleceu uma regulamentação para o artigo 175 da Constituição federal com alguns pontos corrigidos a seguir pela Lei ................/95. O lado negativo é a criação de um novo imposto, camuflado como


            18. O direito do consumidor


Com a privatização há necessidade absoluta de informar e instruir o consumidor sobre os seus direitos. Ele será o grande fiscal e deverá ter o apoio de órgãos de fiscalização e regulamentação e, principalmente, da Justiça.
Mas o que na área de energia elétrica deveria ser observado?
A dependência da energia elétrica e de sua qualidade cresce sempre. As cidades verticalizam-se. É normal uma família residir no décimo ou vigésimo andar de algum prédio. Como usar elevadores ou sair de uma garagem se faltar energia?
Hospitais poderão ter agravamentos consideráveis se faltar energia em certos setores de suas atividades.
Nas ruas a sinalização de trânsito depende da qualidade e continuidade de fornecimento de energia em local em que existir um sinaleiro.
Indústrias param e podem levar seus proprietários à falência se houver descontinuidade, variação de freqüência ou tensão de energia. O desemprego, a perda de salários e outras questões surgirão com um serviço precário de energia elétrica.
A definição e medição de grandezas são necessárias ao controle do serviço. Assim devemos entender um pouco de probabilidade. Nosso povo, com a liberação dos jogos de azar deve estar entendendo um pouco do que é risco, chances de sucesso, possibilidade de ganhar ou perder. Há necessidade, contudo, de se dar ensinamentos consistentes já nas escolas básicas sobre o que é probabilidade.  Qualquer serviço tem uma probabilidade de atender ou não as necessidades do consumidor. Quanto maior a qualidade, maior será o custo e esta relação não é direta, linear. Até um certo nível poderemos dizer que a qualidade será tanto maior quanto mais se investir no serviço, a partir de um certo ponto, contudo, o custo tende a aumentar muito mais que a qualidade do serviço.
Nosso povo precisa raciocinar com tempo médio de manutenção e tempo médio entre falhas. Vimos o discurso da simplificação de projetos, equipamentos e instalações. A redução de salários, o enxugamento de empresas, a terceirização. Tudo isto afeta o padrão de serviços prestados. Há necessidade de vigilância e análises para se verificar o que o consumidor deseja e pode pagar.
Infelizmente vivemos em um país que educou seu povo na crença dos milagres, da distribuição de custos de modo a não se saber mais de onde vem o dinheiro. Temos que energicamente transmitir o conceito de custo e benefícios. Uma cidade quer ter suas ruas arborizadas? Deverá pagar um adicional pelo acréscimo de custos de seus serviços de energia, água, esgotos e iluminação pública. Não tem lógica um consumidor, que não usufrui esses benefícios, pagar pelo conforto e fantasias daqueles que assim exigem ambientes acima da média padrão.
Detalhes elétricos precisam ser mostrados ao povo. O que é freqüência e como ela afeta os aparelhos em uso. A energia elétrica se transmite por um movimento de elétrons através dos condutores, um movimento oscilante que tem um a alternância fixa. Quando essa freqüência varia acima de certos limites, teremos a queima de aparelhos, a perda de produção nas fábricas, o atraso ou adiantamento de relógios e assim por diante. Nosso sistema tem grandes interligações. Quando elas são perdidas durante um tempo a freqüência terá variações que poderão ultrapassar limites suportáveis. Sistemas isolados, de pequeno porte, normalmente têm padrões de regulação muito piores que aqueles apresentados pelos grandes sistemas. A falta de investimentos em transmissão e geração poderão deteriorar o excelente padrão atingido pelos sistemas interligados brasileiros.
A perturbação mais facilmente perceptível é a variação de tensão ou o desligamento. Nessas condições poderemos ter a queima de aparelhos e perda de produção. Poucos consumidores exercem seus direitos exigindo indenizações. Nossa Justiça está tão desacreditada que a maioria dos brasileiros nem se dá ao trabalho de registrar queixas. A percepção desses problemas, contudo, habilita o consumidor a cobrar seus direitos e fará com que as concessionárias tenham mais cuidados.
Em países civilizados o custo das indenizações é comparado ao dos investimentos, sendo fator decisivo na tomada de decisões pelos concessionários. No Brasil, até por efeito de ser o próprio governo o responsável pelas concessionárias e pelas nomeações do Judiciário, não se deu atenção ao desenvolvimento efetivo de instrumentos de defesa do consumidor. Com a privatização e separação de interesses poderá haver mais seriedade. Infelizmente a concentração de poder econômico também viabiliza o poder de corromper e manipular direitos...
Outro aspecto a ser transmitido ao usuário de serviços públicos é o seu direito a ter segurança. As instalações não deverão oferecer riscos de vida além dos mínimos inevitáveis. A falta de manutenção preventiva deverá ser considerada falta grave. Qualquer acidente deverá ser motivo de inquéritos promovidos por pessoas competentes e honestas, gerando punições e compensações proporcionais ao delito. Nesse enfoque é surpreendente a omissão das empresas seguradoras no Brasil. Principalmente elas deveriam estar exercendo vigilância, verificando e promovendo ajustes. Como somos a terra dos seguros compulsórios e é mais barato aumentar o custo dos seguros a procurar reduzir o número de sinistros, assistimos à degradação de serviços sem qualquer reação temível.
Tudo isso poderia dar a entidades de classe um significado de existência. Os CREAs  poderiam tornar-se entidades úteis se abraçassem essa causa, a defesa do consumidor , diminuindo sua ênfase corporativa e cartorial ao cobrar o bom exercício da profissão do engenheiro estariam sendo úteis à profissão e ao povo.
O Código de Defesa do Consumidor, criado por efeito do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo 48, de nossa Constituição Federal, deu origem a uma estrutura nacional que precisa ser conhecida  e usada por todos, quando necessário. Os Tribunais de Pequenas Causas e a Justiça tradicional, tudo representa um conjunto de armas mal usadas e que serão extremamente necessárias e mais efetivas com a privatização.
A desestatização afasta-nos do estado totalitário. Isto é muito importante para a liberdade do cidadão. Exigirá, contudo, maior presença, coragem e determinação na cobrança de seus direitos. Para exercê-los será absolutamente necessário conhecê-los. A ignorância será perniciosa, prejudicial a todos.
Mas como foi dito, a qualidade tem custos. Uma política tarifária realista será absolutamente necessária. Evidentemente sem a lógica das correções automáticas, com liberdade para ações disciplinadoras da economia, dentro de uma freqüência que não estimule a fobia gerada pela famosa correção monetária, um grande câncer brasileiro, a aplicação de tarifas justas é essencial a aplicação de serviços de boa qualidade.



19. União e estados


O Brasil tornou-se um fato histórico e geográfico inédito na América Latina. Graças a uma série de coincidências e em especial à vinda da família real para o Brasil em 1808, fugindo dos franceses e aqui se instalando com toda a estrutura do poder, transformou-se em um grande país. Ao contrário da América espanhola, nós de origem portuguesa continuamos unidos. Não sem lutas separatistas mas suficientemente coesos a ponto de chegarmos ao final do século 20 com a convicção de que nunca nos fracionaremos em repúblicas independentes.
Evidentemente de tempos em tempos uma ou outra região dá sinais de descontentamento com a União. Razões existem para gerar constrangimentos. O Sul do Brasil, de uma maneira especial, possui cultura própria e muito diferente da existente no Nordeste, por exemplo. Esses sentimentos separatistas agravam-se pelos critérios de distribuição de verbas e discursos nem sempre agradáveis de serem ouvidos. Mas o sentimento de brasilidade e diversas instituições nacionais, em especial as Forças Armadas, contribuem para a manutenção do Brasil como um único país.
Um problema, contudo, é o poder que o governo federal tem sobre diversas entidades administrativas e empresas regionais. Dentro de diretrizes  centrais os estados são premiados ou penalizados por ações muitas vezes distantes das questões locais. O pior é ser termo constitucional a forma de exploração dos recursos naturais dos estados. A União decide como, quando, quanto e quem fará usinas hidroelétricas, termoelétricas, transporte interestadual, exploração de postos de combustíveis, telefonia etc. Em Brasília obtém-se o de acordo final para muitas coisas que deveriam ser atribuições dos estados.
De novo nossa herança autocrática, ditatorial. Ela foi útil à manutenção de nossa unidade mas acaba servindo a uma burocracia federal prejudicial ao país. O resultado foi desastroso nesses últimos anos. Empresas comandadas por pessoas mal qualificadas iniciaram e administraram desastrosamente inúmeros projetos. Ainda na dependência da União para a definição de tarifas muitas empresas abandonaram os mais elementares cuidados. Cabia ao governo federal o ônus das decisões impopulares. Nos estados, a empresas estaduais, em especial as de energia elétrica, assumiam dívidas e serviços que acabaram por quebrar-lhes. O estado de São Paulo foi um que maltratou suas estatais, criando no maior colégio eleitoral do país uma aversão às estatais, que agora se manifesta em uma administração paulista em Brasília. Esse problema também foi sentido em outros estados importantes como o Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Assim chegamos a uma situação de rejeição, de repugnância ao serviço público que inibe uma análise importante . Qual seria a finalidade de um serviço público? por quê as estatais de energia, telecomunicações, água e esgotos foram criadas? por quê não se desenvolveram quando empresas privadas? como entender a exploração dos recursos naturais existentes em um estado?
As riquezas de valor turístico são de proveito exclusivo de cada região assim como a fertilidade das terras, o clima, a topografia e a cultura adquirida pelo processo de povoamento. Essas características naturais ou adquiridas historicamente geraram pólos de riqueza que ninguém questiona. Outros estados têm minérios, fontes de energia, mão de obra abundante mas essas qualidades a União estabeleceu como de uso comum, com regras que beneficiam em especial os estados mais ricos.
Infelizmente a falta de atenção para a importância  da exploração de riquezas naturais em benefício das populações locais não é percebido pelos seus políticos. Vemos assim a legislação sendo corrigida de modo a viabilizar o transporte de energia para os maiores centros a custos simbólicos. Impostos são acintosamente cobrados a favor das regiões consumidoras em prejuízo das produtoras. Essas ficam com o ônus da terra arrasada, dos parques compensatórios, das restrições ecológicas porque os estados mais ricos já não têm o que preservar.
Na regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal perdeu-se a oportunidade de ajustes inteligentes. O espírito de império dos gabinetes brasilienses venceu. Os estados permitiram mais esse avanço em seus direitos naturais. As eletrointensivas trabalharam com muito sucesso nos gabinetes do Congresso e ministérios. Os países mais desenvolvidos devem estar felizes porque atuamos para reduzir os custos das eletrointensivas. Eles querem importar energia na forma de lingotes e outros artefatos semi manufaturados. As multinacionais aqui instaladas fazem bem o seu papel a favor dos países maternos.
Mas a ação continua. Agora vem o discurso do modernismo. O Brasil passa por um processo que vê a ignorância de ministros aliada às pressões de megacapitalistas para a privatização acelerada de nossas empresas. Na pressão por mais divisas, pressão gerada pela importação de uma quantidade fabulosa de artigos de luxo ( de carros a bebidas ), o Brasil vai sendo levado  a vender suas estatais para obter divisas. E nesse processo procura-se concentrar poder em Brasília e lá agir para a alienação selvagem do patrimônio público. É mais barato corromper poucos do que dezenas de vezes a mais se o poder fosse distribuído. Dividindo o botim com banqueiros e investidores nacionais os grandes grupos econômicos estrangeiros estão atuando para derrubar países como o Brasil, México e Argentina apoderando-se a preço vil de instalações valiosíssimas, feitas com uma política econômica dura em seus efeitos sociais. Há vinte anos dizia-se que primeiro o Brasil investiria na formação de seu parque industrial, na construção de uma grande infra-estrutura para esses negócios, depois iria se preocupar com a distribuição de renda. Agora é o momento de fazer justiça. Nosso povo não agüenta mais tantos sacrifícios. As transformações, o rendimento desses anos de apertos deverão acontecer em benefício de uma nova proposta social, mais justa e humana. Se  a alienação das estatais é possível e desejável, que isso aconteça com o máximo de proveito ao povo. Cada cidadão brasileiro é acionista compulsório de suas estatais.
A Argentina, primeiro país a entregar-se nessa última fase de transformações, praticamente doou suas empresas a grandes grupos estrangeiros. O mais interessante foi inclusive a aquisição de estatais argentinas por empresas estatais francesas e espanholas. Lá fora as estatais valem. Agora a Argentina não tem onde obter mais divisas. Caiu nas malhas do FMI.
A situação do México é catastrófica. Dificilmente aquele país readquirirá sua soberania. O ideal seria pedir a integração definitiva aos EUA.
No Brasil temos nosso imperialismo interno. De forma inteligente as leis são ajustadas para o fortalecimento contínuo dos estados mais poderosos. O tratamento dado ao Banco do Estado de São Paulo é um exemplo claro desse comportamento. Fosse o estado de São Paulo do  nível de um estado menor e seu banco já teria deixado de existir há muito tempo. A espada de Dâmocles pesa nas decisões internas.
Tudo isso mostra a União avançando sobre os estados e os estados mais poderosos usando esse processo para benefício próprio. É a eterna Lei do Gerson em ação. A lei do mais forte é a grande realidade nesse jogo. O que podemos fazer é chamar a atenção de nossos representantes para que lutem, para que estejam vigilantes nesse processo permanente de agressão aos interesses dos mais fracos.
A privatização de estatais federais afetará os interesses de muitos estados. Poderá ser uma decisão excelente se os adquirentes forem responsáveis, honestos e competentes. Afinal a incompetência e a desonestidade têm sido companheiras de muitas administrações públicas. Poderá acontecer, contudo, a apropriação dessas empresas por grupos econômicos mais interessados em produzir alumínio ou qualquer outra coisa em terras distantes. Outra hipótese é a da exploração predatória, sem os cuidados que as grandes instalações merecem. Aí poderemos viver grandes desastres. As empresas de energia, telecomunicações, água e esgoto exigem padrões técnicos severos. Os futuros proprietários estão motivados a manter essa qualidade? A Justiça brasileira não tem servido como instrumento coercitivo e de cobrança de responsabilidades. A impunidade é diretamente proporcional à riqueza. E quem mais perderá com a má gerência?
Um aspecto interessante é a preocupação de modificar a legislação referente às concessões de energia. São Paulo praticamente esgotou suas fontes baratas de energia elétrica. O que se faz então? propõe-se a criação de uma malha de transmissão de custo simbólico, a licitação de concessões, a participação da iniciativa privada com direito de uso exclusivo de parte da geração a ser obtida. Que iniciativa privada? principalmente as grandes eletrointensivas do eixo Rio de Janeiro - São Paulo - Minas Gerais. Os estados perdem a oportunidade de usarem a energia local ( natural )  como “handicap” para seu desenvolvimento. A União, devidamente encabrestada pelos grandes estados, dita as regras...Um bom exemplo desses critérios é observar a precariedade das ligações rodoviárias e ferroviárias do estado de São Paulo com os seus vizinhos. A qualidade reflete o interesse estratégico desse estado em desenvolver seus vizinhos com maior potencial de crescimento industrial, ou seja, nenhuma. Se alguma dúvida existisse bastaria ver a luta de São Paulo para assumir a duplicação da BR 116 para nada fazer em seguida. Precisamos ser realistas. Não podemos ter ilusões. Os estados têm que cuidar de si. Transferir para a União recursos e direitos é entregá-los aos mais poderosos.


20. Economia, dinheiro, tecnologia e poder


O dinheiro, instrumento de troca de produtos, é o grande símbolo de poder em tempos de paz. Inventado há cinco mil anos, tem assumido as mais diversas formas. O valor, essencialmente sobre a credibilidade adquirida em suas diversas formas, é negociado ou imposto pelos governos e exércitos. Ouro e prata foram os metais mais usados como base de referência. Atrelados à sua posse os países se desenvolviam, guerreavam e deterioravam. Na história da Humanidade a descoberta de grandes minas de ouro ou prata foram momentos de alavancagem da economia pois ofereciam àqueles, que tinham capacidade de produção, algo que aceitavam em troca de seus trabalhos. Infelizmente essa amarração mística também contribuiu para muitas recessões e retrocessos. O pior talvez tenha sido a oportunidade de criação de profissionais que, dependendo da mística dos metais, geraram e impuseram teorias usadas pelas grandes potências para submeter os povos mais atrasados. Foi e é também instrumento de escravização de muita gente. Nações com grande potencial de desenvolvimento submetem-se aos padrões de Bretton Woods, aceitando placidamente orientações duríssimas do grande chefe, o FMI. Muito disso também é devido à imaturidade desses povos. Desmoralizaram-se em determinados momentos, caíram no garrote das dívidas externas, aceitaram dólares para comprar armas, construir obras megalomaníacas, sustentaram esquemas de corrupção e agora, perdida a soberania, submetem-se a regras incrivelmente estúpidas.
O Brasil é um grande exemplo desse processo. Aceitou avidamente os petrodólares oferecidos com tanta delicadeza pelos piores bancos internacionais. Piores porque esses banqueiros, que não são idiotas, sabiam muito bem o que faziam. Nossos “executivos” da época diziam que o importante não era a dívida e sim administrá-la. Caímos no abismo quando os EUA, combatendo sua inflação interna, elevaram os juros à estratosfera. Nossos governos, vendendo e saboreando a idéia do “milagre brasileiro” não se ajustaram às novas realidades. Sem exércitos para negociar contratos, quebramos e mergulhamos em uma recessão brutal. O mais incrível era ver, mesmo nessa época, a insistência em projetos ridículos. Há poucos anos o governo federal dava suporte para inúmeros projetos de bonde. Bilhões de dólares seriam gastos para acrescentar muito pouco aos sistemas existentes. O programa de construção de usinas é um bom exemplo desse paradoxo. Com dezenas de obras iniciadas durante a década passada, agora paralisadas, não concluídas, ainda assim o sistema interligado tem superado períodos de estiagem pesados sem racionamento. É duro falar de pessoas que se distinguiram por um espírito nacionalista e criador considerável. Mas o poder degrada as pessoas. Elas não foram exceção. Cercadas por bajuladores, parasitas dos palácios, provavelmente se deixaram induzir por perspectivas erradas. O resultado está aí. Grande parte de nosso povo vivendo na miséria, sem esperanças de uma vida decente e pagando esses “pequenos” erros de avaliação.
A inflação foi nossa companheira durante anos. Excesso de dinheiro? falta de capacidade produtiva? dívidas elevadas? Não! Economistas “geniais” deram ao Brasil tudo o que banqueiros e especuladores queriam, em especial dois venenos terríveis: a correção monetária e a reserva de mercado. A correção monetária é matematicamente errada. Qualquer especialista em estabilidade, controle, sabe que a realimentação positiva instabiliza qualquer processo. Faltou junto aos nossos magos do Ministério da Fazenda, um especialista em servomecanismos e controle. A reserva de mercado, por sua vez, foi o paraíso de muitos empresários preguiçosos. Era fácil fazer qualquer porcaria e dizer que ela era um similar nacional a algum produto estrangeiro. Assim as portas se fechavam e os preços subiam à estratosfera. A Lei da Informática, de uma maneira especial, foi o exemplo perfeito de desastre nacional. Para ao final de tantos anos termos uma “indústria” ridícula de “computadores” todo o país perdeu competitividade. Atado a porcarias de toda espécie, deixamos de acompanhar os países mais desenvolvidos. Assim como a União Soviética parou, com o medo de seus dirigentes que a liberação da informática viesse a inspirar sentimentos libertários, nós caímos na mediocridade, na falta de recursos técnicos para um grande desenvolvimento, que certamente teríamos tido se pudéssemos usar as mesmas ferramentas que os melhores países. Para não estragar a festa de muitos barões de nossa economia, os salários foram aviltados, o dinheiro arrecadado usado para o pagamento de dívidas criadas artificialmente, a infra-estrutura de transportes, saúde, educação e outras sucateada. Dentro de visões incrivelmente estúpidas o Brasil foi quase destruído nessa última década. Se durante o regime militar faltou cuidado nas despesas públicas mas sobrou atenção e espírito nacionalista, nesses poucos anos de democracia mergulhamos na mediocridade sem perder muitos dos defeitos do período de exceção.
O dinheiro transforma-se. Os computadores, os sistemas de comunicação e os paraísos fiscais estão mudando o Mundo. O poder das grandes nações fragiliza-se com o império de investidores desconhecidos que pelo porte ou quantidade têm a capacidade de jogar de quatro qualquer país. A moeda já não se mede em gramas de ouro ou prata. Tampouco tem alguma relação com o trabalho. O leilão contínuo das bolsas de valores cria preços subjetivos ao extremo. “Capitais” transitam à velocidade da luz. Um grande processo de vulgarização do dinheiro cobra juros, procura estatísticas e boatos para servirem de ferramenta a especuladores. Já não servem de instrumento de valorização do trabalho. Grandes nações gradativamente abandonam a atividade produtiva. Exportam fábricas. Ganham nos gabinetes e terminais de computadores. O poder desses países reside na grande guarda pretoriana que é o exército dos EUA. Isso durará quanto tempo?
O grande capital que realmente precisamos é a tecnologia. Abrindo fronteiras esperamos receber indústrias, técnicos e empresários, que nos coloquem ao nível dos melhores países. Isso não acontecerá por efeito de qualquer instinto fraternal desses países mais desenvolvidos mas porque o Brasil é um grande espaço a ser explorado. Dividindo os benefícios dessas chances de desenvolvimento poderemos ganhar o poder de transformar matérias inertes em ferramentas, máquinas, alimentos  e todos os instrumentos de progresso.
O Brasil precisa consolidar-se como um país exportador, produtor e competente. A inflação, maior testemunho da deseducação de nossos empresários, só poderá ser combatida abrindo-se fronteiras à competição internacional. Em um país de dimensões continentais e grandes problemas a serem resolvidos como, por exemplo, tornar o Nordeste uma região econômica e socialmente equilibrada e desenvolvida, devemos ter competência para absorver todos os recursos humanos e materiais existentes em qualquer lugar do Mundo. Precisamos trazer recursos gerenciais, técnicos e morais para o aproveitamento de estados tão ricos em oportunidades, como são os nordestinos. A vinda de investidores estrangeiros ao Brasil deve ser administrada de modo a trazerem acima de tudo tecnologia em todas as suas formas. O Brasil em sua personalidade e cultura perdeu muito tempo. A exploração dos recursos naturais e humanos tem sido medíocre. Adquirindo-se tecnologia poderemos crescer. Paralelamente há necessidade de um novo padrão comportamental. O país da caridade tem que dar lugar à responsabilidade. Inculcando-se em nosso povo o sentimento de compromisso com a nação de forma a desenvolvê-la com Justiça e trabalho, poderemos acreditar em um futuro de maior poder. O desafio é fazê-lo em um momento muito delicado. O Mundo transforma-se rapidamente. O que realmente tem valor? como aproveitar os novos conceitos de dinheiro e poder?
Em um processo de privatização não poderemos esquecer que por mais adiantada que a Humanidade esteja em certos aspectos tecnológicos, o ser humano pouco mudou daquele selvagem que saiu das selvas há pouco tempo. As nações refletem esse aspecto de nossa personalidade. Um grande exemplo tivemos na Segunda Guerra Mundial em que o fascismo e nazismo levaram povos extremamente desenvolvidos a atitudes incrivelmente criminosas. O imperialismo existe, é uma realidade. A questão é como reagirá à internacionalização da economia, ao dinheiro eletrônico.
Precisamos não perder mais oportunidades. O nacionalismo exacerbado precisa dar lugar a um nacionalismo inteligente que tenha como objetivo o desenvolvimento e a criação de oportunidades para todos. Evidentemente sempre haverá aqueles condenados ao inferno. Afinal, se devesse ser outra a realidade do Universo, Deus teria assim determinado e não estabelecido povos e crentes eleitos para os prazeres da eternidade, jogando outros ao sofrimento eterno.
O grande desafio é ajustar empresas, leis, normas e controles a uma sociedade aberta. A simples liberalização é loucura. Não temos nenhuma semelhança com o Chile, Japão ou França. Cada um desses países têm  história e cenários radicalmente diferentes. Se do ponto de vista de certos analistas são países bem sucedidos, tal se deve a terem encontrado propostas coerentes com a cultura de seus povos e ajustadas aos períodos em que se aplicaram. Precisamos analisar e corrigir nosso quadro institucional. O Brasil poderá crescer, tornar-se um país e uma nação ricos. Tudo depende do acerto das decisões a serem tomadas no ajuste de um quadro degradado e incoerente, como o atual.


21. As empresas de energia e sua relação fiscal com o estado


No início do século vimos a implantação das primeiras empresas de energia elétrica. Naquela época o povo queria energia, não tinha dinheiro nem base de negociação com as grandes empresas de energia elétrica. O concessionário tinha a difícil tarefa de importar equipamentos, projetos e técnicos , instalá-los, fazer com que tudo funcionasse e, após, convencer o povo a usar a eletricidade, inclusive mostrando-lhe o que era uma lâmpada, um ferro elétrico ou um rádio, fazê-lo aceitar os termos do contrato e cobrá-lo contra toda a demagogia que normalmente surgia a serviço dos piores líderes. A concessão era assunto local. Municípios e estados preocupavam-se com suas formas e efeitos. As quedas d’água eram propriedade dos donos dos terrenos em volta assim como o conteúdo do subsolo. O Código de Águas (1934) separou esses direitos, ou seja, o direito de aproveitamento energético  de quedas d’água passou a ser da União.
Os impostos, se existiam, eram mínimos pois o principal era atrair empresários para a exploração de um serviço pioneiro e ainda muito precário. Tarifas normalmente denominadas como impostos de consumo eram usadas para a formação de fundos de investimento em energia elétrica. Com elas muitos estados começaram seus planos de eletrificação.
O Governo Vargas iniciou um processo de concentração de poderes na União criando o Código de Águas pelo Decreto 26.234 de 10 de julho de 1934 e o Conselho Nacional de Águas, CNAE, pelo Decreto-Lei 1.285 de 18 de maio de 1939. Assim tomava forma a centralização na União do poder de concessão. Estados e municípios, que antes tinham esta atribuição, a perderam sem não mais recuperá-la. Vargas tinha consciência da importância da energia elétrica para o desenvolvimento do país. Governou, entretanto, sob forte inspiração nacionalista.
O poder da União consolidou-se. A Constituição Federal de 1946, o período militar e a Constituição Federal de 1988 só fizeram reforçar essa situação. Em cada momento com razões provavelmente bem diferentes mas com os mesmos resultados.
Lamentavelmente as conveniências dos ditadores ou presidentes de plantão poderão ser muito diferentes daquelas existentes nos estados,  nos campos e nas cidades. A super centralização de poderes tirou das unidades federadas autonomia vital ao desenvolvimento de suas cidades. A qualidade e quantidade do serviço tornaram-se questões cariocas, antes, e brasilienses, depois. Essa condição era o reflexo do poder de tarifação e taxação.
A política tributária sobre a energia elétrica mostrou-se um instrumento de suporte a políticas econômicas do governo federal em detrimento dos programas de eletrificação do país. Nos estados o ICMS tornou-se uma fonte de recursos para todos os programas e salários, menos a expansão dos serviços de energia elétrica, com raras e honrosas exceções.
Afinal atividades essenciais, se pagam impostos, deveriam sê-lo para que os governos pudessem reinvestir em suas atividades ou compensar prejuízos com sua exploração. Infelizmente não é essa a nossa realidade.
O serviço de abastecimento de energia elétrica é cada vez mais importante, exigindo investimentos pesadíssimos. Assim, principalmente com a realidade tarifária estabelecida em 1964, durante muito tempo o Setor Elétrico teve recursos para se auto financiar. Os impostos retornavam na forma de investimentos nas empresas de energia elétrica.


Gráfico mostrando a evolução da carga fiscal



Gráfico mostrando a distribuição dos impostos arrecadados





Infelizmente ao final do período militar já tivemos uma inversão de estratégias. As tarifas de energia deixaram de acompanhar a inflação. Os planejadores, monitorados por outros interesses, forçaram a partida de inúmeras obras. Esse programa, não tendo recursos internos, levou a grande maioria das companhias geradoras a contratar enormes empréstimos. Os dólares interessavam no fechamento de contas já deficitárias. O Setor de Energia transformou-se em instrumento contábil. Montanhas de máquinas foram compradas e estocadas para garantir, em contrapartida, divisas necessárias para cobrir um dos maiores erros de planejamento de nossa história, que foi o II PND.
E com a abertura democrática permitiu-se que irresponsáveis estabelecessem novas leis, entre elas o fim dos impostos dedicados. Assim as tarifas de energia elétrica deixaram de arrecadar recursos necessários ao autofinanciamento. Passaram a ser instrumento de coleta de impostos para aplicações externas a suas atividades. Atualmente a carga tributária sobre a energia elétrica, sobre o consumidor comum, é gigantesca. Salvo os eletro intensivos, privilegiados de diversas maneiras, entre elas de consumir energia a preços subsidiados, os demais caíram em custos onde mais da metade do que pagam é imposto. O ICMS é um bom exemplo. Os estados, além de degradarem suas empresas com administrações incompetentes ou desonestas, cobram o ICMS a níveis enormes. Quase um terço da tarifa está neste imposto. Além deste existe a cobrança de royalties, imposto de renda, IPI, encargos trabalhistas e outros minando as contas das empresas, inviabilizando-as ou, pelo menos, condenando-as a baixíssimas taxas de rentabilidade.
A Constituição Federal de 1988 criou situações das quais o governo tem tido dificuldades de sair. Os custos sociais cresceram muito, principalmente em conseqüência da já demorada recessão. Serviços prestados a custos subsidiados redundam em aumento de impostos. A pressão exercida pelos programas monetaristas e feitos para oferecer excedentes exportáveis cria baixa atividade econômica, sub emprego, redução de valores arrecadáveis. A solução é o aumento percentual dos impostos sobre produtos de consumo obrigatório como é o caso da energia elétrica.
O gráfico a seguir mostra as taxas de imposto de renda sobre uma empresa de energia elétrica do padrão Copel.


Evolução do imposto de renda sobre a Copel



Sobre o lucro da empresa, antes do Imposto de Renda existe a Contribuição Social, cuja evolução a partir de 1988 é apresentada a seguir. O nível de tarifação sobre os lucros das empresas de energia elétrica é absolutamente incompreensível quando lembramos a necessidade permanente de investir, de atender populações enormes que ainda tem serviços precários, quando os têm. Primeiro a equalização tarifária inibindo a produtividade, depois a carga eqüina de impostos sobre os lucros das empresas, tudo estimulando a perda de eficácia, o uso político das concessionárias. Apesar do aparato legal e do desempenho catastrófico de algumas empresas nada se fez para cancelar concessões. Junto à  má performance, a carga de impostos só cresceu, amealhando recursos sem retorno para o Setor. Assim as tarifas crescem e os investimentos caem junto com a qualidade e confiabilidade do serviço. Empresas sob comando político acabam tendo finalidades diversas daquelas para as quais foram criadas.

Contribuição Social


O ridículo desses impostos é que acabam sendo absorvidos por imensas repartições públicas, retornando muito pouco em benefício daqueles em função dos quais foram nominalmente criados.
Além do ICMS e do imposto de renda tivemos, a partir de 1988 aumento das contribuições obrigatórias. É uma carga pesada pois incidem sobre o faturamento bruto. O gráfico a seguir mostra a evolução desse compromisso fiscal.

PASEP, COFINS e FINSOCIAL


As empresas de energia elétrica exigem investimentos de retorno a longo prazo. Suas obras são demoradas. Os custos financeiros são elevados. Evidentemente a prática de juros altos é mortal a empresas que dependem de empréstimos para a realização de programas de obras. As oscilações em torno de cargas tributárias têm sido, recentemente, brutal. A irresponsabilidade do Governo Federal pode ser perfeitamente ilustrada nos percentuais de imposto de renda (vide gráfico  ). A falta de respeito pelas empresas é inexplicável, pior ainda a ausência de lideranças dispostas a denunciar tanta falta de seriedade.
O problema dos custos financeiros e da obtenção de crédito teve na Resolução 1469 (21/03/88) o início de um calvário. Essa resolução, que se abateu sobre todas as concessionárias, independentemente de seu histórico, significou o congelamento dos níveis absolutos de endividamento.  Reeditada com pequenos ajustes (1718 1 1997 ) tem desde 28 de julho de 1993 o número 2008. Graças a esta decisão do Banco Central as empresas de energia elétrica menos saudáveis foram obrigadas a pegar dinheiro caríssimo, agravando suas contas. Como sempre tem acontecido no Brasil, por falta de autoridade e Justiça, penaliza-se a todos pelos erros de alguns poderosos.
A privatização desse setor de nossa economia terá a grande virtude de colocar no cenário político empresários muito ricos, em condições de comprar apoios e com disposição para resistir aos excessos de certos governos. O povo brasileiro terá o benefício de conhecer com mais clareza os jogos em torno de serviços essenciais como os da energia elétrica.


22. A degradação das estatais


Quando na década de sessenta criou-se a base institucional, que produziu a constelação de estatais atual, pretendia-se ter empresas públicas com a dinâmica das empresas privadas. Essa condição foi essencial à montagem acelerada de excelentes companhias, gerando a infra-estrutura energética brasileira atual. Assim também o Brasil conseguiu instalar siderúrgicas e diversas indústrias de base no país.
Infelizmente diversas decisões equivocadas geraram condições para uma desordem monumental, vindo a quebrar o Brasil no início da década de oitenta. A diretriz bélica e a preocupação de se produzir uma área de influência  na América do Sul levaram a obras inoportunas. As crises do petróleo recomendavam prudência. O nosso governo apostou errado. Assim, ao contrário da maioria dos países desenvolvidos, continuou gastando muito.
Estabeleceu o acordo nuclear com a Alemanha, onde bilhões de dólares foram desperdiçados de forma absurda. Esse contrato produziu uma usina ainda em construção ( Angra II ) e unidades industriais inúteis.
Empreendeu a construção da gigantesca Hidroelétrica de Itaipu, usina que poderia ter sido feita inteiramente em território nacional e a custos muito inferiores. Em defesa de Itaipu ouvimos com freqüência que se ela não tivesse sido construída estaríamos sob racionamento de energia. Ela substituiu dezenas de usinas menores que teriam tido um cronograma mais racional. O degrau de serviços foi fatal à constelação de empresas, que se criaram para apoiá-la. Terminada a obra e na ausência de outros grandes projetos, a elas só restou fechar as portas ou “enxugarem-se” violentamente. O custo de Itaipu acabou sendo muito maior do que o estimado.
A Ferrovia do Aço foi outro equívoco lamentável. O mais estranho foi dar partida a essa obra mesmo contra recomendações claras de muitos especialistas, inclusive de bancos de fomento internacionais.
Na Amazônia, com a maior rede fluvial do mundo, optou-se pela implantação de rodovias gigantescas. O que custaram teria possibilitado a consolidação de um grande sistema de transporte fluvial. As obras se sucediam sem grande respeito para as condições de custo e benefício. Esta situação não mudou com a abertura política.
Outro aspecto tenebroso foi a corrupção. Dentro dos esquemas de influência naturais em regimes ditatoriais, os contratos eram assinados sem maior vigilância. As dúvidas resolvidas em “clubes” fechados. O povo pagava sem reclamar, até satisfeito com o aparente sucesso dos grandes programas de desenvolvimento. O ambiente de liberdade do governo JK, quando o Brasil também teve seus planos, estes muito bem sucedidos, foi substituído pelo clima de repressão. Neste cenário os magnatas tiveram toda a liberdade de corromper e agir como o fizeram. A impunidade era a regra, a bajulação aos militares a forma.
Nas estatais, reproduzindo o ambiente dos quartéis, estimulou-se o corporativismo servil. O fascismo era o grande modelo. Seus funcionários, felizes, viam seus contra cheques engordarem  Cobrava-se deles o silêncio, a passividade política e a operosidade na execução de obras que se sucederam freneticamente. Prioridades e custos eram assuntos secundários, o povo pagava o preço sob uma distribuição de renda perniciosa ao trabalhador comum. O lado positivo daquela época foi a formação de especialistas de alto nível, o apoio à tecnologia nacional, a ampliação e consolidação de uma infra-estrutura vital ao desenvolvimento econômico do país.
A abertura política não teve melhores resultados. Aconteceu em pleno período de recessão. As dívidas da década anterior começaram a ser cobradas com rigor. Os países mais desenvolvidos, às voltas com seus planos de ajustes econômicos, penalizaram os menos desenvolvidos, aviltando os preços de seus produtos, cortando créditos e elevando os juros a patamares insuportáveis. Lamentavelmente os governos eleitos após 1983 não tiveram competência para sustentar uma política de apoio ao desenvolvimento econômico e tecnológico nessas condições. Limitaram-se à aplicação de leis burras de reserva de mercado, condução aleatória de seus projetos, descontinuidades perigosas e inicio de programas demagógicos. Houve momento em que quase todas as capitais do Nordeste, além de Curitiba, tinham projetos de “metrô de superfície”, denominação fantasia para a instalação de bondes. Cada um deles a um custo total da ordem de 500 milhões de dólares..
O Brasil transformou-se em uma canteiro de obras inacabadas. As universidades afundaram, a pesquisa reduziu-se ao mínimo. A política, entrando em cena sob um clima de caos, gerado pela quebra junto aos banqueiros internacionais ( esses que financiaram as ditaduras sul-americanas ), começou a produzir seus estragos. Sem pessoas treinadas para assumirem as estatais, acabou entregando essas empresas aos gerentes de terceira linha da época da ditadura. Em muitos casos com grande conveniência para o grupo no poder político, esses executivos tinham por prioridade levantar recursos para campanhas eleitorais ou simples enriquecimento pessoal. O fisiologismo tornou-se a grande diretriz político administrativa.
Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais amargaram períodos de extrema decadência. Com o agravante da falta absoluta de vocação administrativa da maioria de nossos líderes, muitas empresas brasileiras sob comando político entraram na fase da mediocridade. Leis como a da Informática, restrições tecnológicas e a burocratice crescente, conseqüência da intenção de “moralizar” as estatais, a falta de crédito, sindicalismo irresponsável e ingerências demagógicas levaram ao cenário atual.
Outro processo tenebroso tem sido o controle tarifário pela União. Tecnocratas instalados em Brasília decidem qual deve ser a tarifa de energia, telefone, transporte, combustíveis e outros em qualquer canto do país. Por mais competentes que o sejam, carecem de sensibilidade para analisar cada estado desse imenso país. Assim também a União assumiu o ônus de decisões que poderia ter evitado. Na maioria dos estados seus governos iniciaram uma cadeia de inadimplências brutal. Principalmente as companhias de energia começaram a não ver a cor do dinheiro das contas de energia das empresas de água e esgoto, prefeituras e repartições públicas. Sem recursos e com tarifas mal dimensionadas perderam qualidade. Sem recursos pararam os pagamentos às supridoras. Em presas federais como a Eletronorte, Eletrosul, Itaipu, Furnas e Chesf têm amargado a descapitalização diante da desonestidade e incompetência das concessionárias estaduais.
O Setor Elétrico transformou-se em instrumento de arrecadação de impostos. A metade do que se arrecada nesse setor é imposto direto. A Constituição Federal acabou com Imposto Único de Energia. Assim a única fonte de recursos garantida parou de existir enquanto, paralelamente, permitiu-se cobrar ICM sobre a energia. O Imposto de Renda aumentou substancialmente e outros apareceram onerando o consumidor e criando a imagem de custo elevado. A rentabilidade diminuiu e o controle artificial das tarifas para “combater a Inflação” voltou à plena força.
A Democracia e a ignorância de nosso povo geraram equações perversas. Na visão da grande maioria de nossos cidadãos existe uma entidade denominada “governo” que pode fazer qualquer coisa. Qualquer família pode ter qualquer quantidade de filhos, o governo deverá arranjar comida, saúde, educação, transporte, energia, água, esgoto para aquele pessoal. O “governo” paga. Não entrou na cabeça de nossos legisladores e políticos em seus palanques que tudo têm limites e que o dinheiro, que gastarão, sairá do próprio povo através de impostos diretos e indiretos. Ou melhor, não dá votos dizer que é urgente ao Brasil uma campanha a favor do planejamento familiar, de maior responsabilidade civil, de maior rigor pessoal. Como isto afetou as empresas estatais? os planos demagógicos de “tarifa social”, de atendimentos a custo zero, de tolerância tornaram-se rotina, base do trabalho de todo vereador ou deputado. As empresas viram-se mais e mais oneradas por projetos sem retorno. Eram necessários? a maioria sim. Inviabilizaram as empresas? Contribuíram significativamente para tanto. Como resolver essa questão? atacando as causas. A ação paliativa é um pesadelo. O Brasil precisa com urgência de um gigantesco programa de reeducação. Esse processo é necessário a todos, pobres e ricos. Precisamos criar uma nação que tenha senso de responsabilidade pessoal e social.
O corporativismo é outro câncer de solução difícil. A falta de visão dos objetivos das empresas de que são empregados reflete-se em decisões tremendamente equivocadas. Pressões salariais acima de qualquer propósito geraram greves históricas. As esquerdas brasileiras perderam eleições talvez em protesto do povo que não agüentava mais a ação de sindicatos irresponsáveis. Cidades são paralisadas antes de qualquer negociação, bancos param sem outra preocupação que pressionar diretores. Nossa legislação admite greves mas não estabelece condições de maior seriedade. Qualquer líder sindical tem o direito de fazer qualquer tipo de afirmação impunemente. Os piquetes se dão o direito de agredir aqueles que desejam trabalhar. O vandalismo é tolerado. A justiça não funciona.
Nessas empresas o império da mediocridade é também uma realidade atroz. Dentro de um espírito burocrático massacrante criam-se grupos de trabalho e comissões para tudo. Decisões elementares são retardadas de forma absurda. Ninguém assume qualquer responsabilidade. Empresas que por força de leis idiotas penalizam qualquer ousadia só poderiam caminhar para a mediocridade. O Brasil, de uma forma especial, caiu nas garras da fobia legisferante. Nossos deputados, governadores, senadores e presidentes partiram para a geração de leis, normas e restrições de toda espécie. Jornalistas encontraram na busca de falhas administrativas a forma mais rápida de se tornarem importantes. Partidos políticos têm na denúncia a forma de se promoverem. Tudo isso afundou a administração pública na mediocridade. Evidentemente há exceções. Devemos, contudo, assumir posições em cima da realidade maior. A média do desempenho mostra a maioria das empresas públicas com mau desempenho. É impossível esperar no processo democrático, expressão da vontade da maioria, compreensão para as estatais. Até pela inveja das condições privilegiadas (em certos aspectos) é pouco provável que o povo as defenda. Vivemos em um cenário em que o trabalhador comum vegeta com salários incrivelmente baixos. Nossos operários mal podem se sustentar. Querer deles simpatia às estatais é pedir muito.
Resumidamente podemos dizer que as estatais brasileiras regrediram por efeito da corrupção, planejamento mal feito, políticas gerenciais tolerantes, legislação trabalhista super protetora, carga fiscal excessiva, fisiologismo e desinteresse dos poderes políticos no sucesso dessas empresas.


23. Condições operacionais das empresas de energia elétrica


As empresas de energia elétrica submetem-se a um grande quadro de gerência operacional integrada coordenado pela ELETROBRÁS. Os planos de expansão são negociados. As tarifas e concessões administradas pelo DNAEE. As empresas têm, graças ao seus portes, condições de participar desses foros de decisão.
O sistema brasileiro é predominantemente hidroelétrico. Isso implica na necessidade de coordenação de reservatórios. Usinas de grande porte, além de terem grande significado energético, poderão causar acidentes gigantescos se certos cuidados não forem tomados. O resultado dessa responsabilidade é a mobilização de centenas de profissionais. Permanentemente analisa-se a evolução da carga, o comportamento dos rios, a probabilidade de falhas e a solução de questões técnicas mais complexas. A falta de investimentos em transmissão tende a agravar o risco operacional do sistema interligado. A operação exige elevados padrões de serviços desde a coordenação de sistemas de proteção até o escalonamento de chaveamentos. Infelizmente os piores críticos nunca se deram ao trabalho de conhecer o setor de energia elétrica brasileiro. Até porque muitos dirigentes dessas estatais também não conhecem suas empresas, não podendo, assim, expor-se guiando qualquer grupo de visitantes mais inteligente. De qualquer modo a  entrada de empresas privadas criará questões como o rateio da geração de Itaipu, a Conta de Consumo de Combustíveis e outros rateios eventuais. A distribuição de compromissos de geração e transmissão terá que ser equacionada com a redefinição da ELETROBRÁS e DNAEE, procurando-se uma forma que evite ingerências e tráfico de influências. A administração energética pode penalizar regiões em benefício de outras. O risco de racionamento é o mais delicado podendo causar prejuízos consideráveis a alguma área menos protegida técnica e politicamente. É muito pouco provável, estando no Brasil, que os órgãos reguladores e gestores da operação não se deixem afetar pela vontade dos líderes dos estados mais fortes.
Um aspecto pouco discutido é a manutenção das grandes centrais existentes. A formação de certos profissionais leva anos, arquivos são necessários, saber interpretar orientações técnicas não é tarefa simples. A assistência técnica dos fabricantes não é confiável nem barata. Principalmente as grandes unidades dependem de alta tecnologia. A confiabilidade das unidades geradoras assim como de todo o sistema de transmissão é vital à qualidade necessária aos grandes centros industriais e urbanos. Para tudo há necessidade de coordenação. Esta condição torna-se essencial em períodos de falta de energia ou de pouca margem de segurança. Acima de tudo a manutenção tem sido ponto de destaque de muitas das grandes estatais de energia. Qualquer mudança deverá considerar a fragilidade de empresas sem experiência, os conflitos e desentendimentos em um processo de absorção, principalmente se ele fragmentar as grandes empresas . Em 1994 o governo deu a entender que venderia usinas de geração de energia elétrica individualmente. Seria um ato de grande irresponsabilidade do qual felizmente houve um recuo. Antes de privatizar precisamos rever a gerência técnica do sistema. Privatizar em pequenos módulos o sistema de geração é loucura. Acreditam que assim poderão estabelecer um clima de concorrência. Isso poderá acontecer no começo. Logo estarão organizados em cartéis, sindicatos e associações para dividir o bolo e maximizar os lucros. Estamos no Brasil, afinal de contas. A subdivisão das grandes empresas criará o pesadelo da manutenção. O número de profissionais em certas especialidades é pequeno. Trabalha-se com o ganho de escala. As empresas atuais têm equipes treinadas e dimensionadas para a assistência técnica a grupos de centrais, subestações e linhas de transmissão. Ferramentas, veículos e instrumentos de apoio técnico estão organizados para as empresas em seu conjunto.
Infelizmente a ignorância dos riscos técnicos é muito grande. Em um país em que as leis são instrumentos dos poderosos para exercer seus “direitos” ilimitados, o que se tem visto é um discurso a favor da privatização selvagem, acelerada. Os grandes grupos industriais querem a garantia de fornecimento de energia. Para isso trabalham de modo a ter a concessão de usinas, se possível comprando-as a preços simbólicos, e a garantia do transporte da energia gerada aos menores custos possíveis. Lamentavelmente esquecem-se de que a solidariedade é a grande regra de sobrevivência do Setor. A luta é desigual pois esses grupos dominam a imprensa e os sindicatos só pensam em salários. O resultado poderá ser a degradação do sistema, do que já se vê sinais claros. Essa falta de discussão dos aspectos técnicos na privatização pode ser observada também nos grandes seminários. Administradores, alguns engenheiros de papel e economistas dominam os debates. Não se faz comparações, análises de risco técnico, faltam análises profundas dos efeitos do processo de privatização nos países em que isso aconteceu. É compreensível pois os donos das companhias privatizadas não iriam permitir o envio de funcionários seus a grandes seminários para lá dizerem que as mudanças pioraram o desempenho dos seus sistemas. Isso, por sua vez, em muitos casos não aconteceu porque os dirigentes políticos trabalharam, como estão fazendo no Brasil, para degradarem as empresas e seus serviços antes da alienação ( doação ). O Brasil é um país que exige cuidados especiais. Nossas dimensões geográficas são muito maiores que as da Inglaterra, França, Japão, Alemanha, Itália e outros países europeus. Nossa Justiça não tem a eficácia da americana. Nosso sistema tem usinas do porte de Itaipu, Tucuruí e Ilha Solteira, todas elas muito distantes dos centros de carga. A operação, manutenção e expansão de nosso sistema de geração e transmissão exigem cuidados acima da média.
Na área de distribuição de energia o quadro é completamente diferente. São áreas de baixa tecnologia, de mão de obra intensiva e existente em quantidade suficiente para resistir até más gerências. É fácil recuperar decisões erradas. A privatização do setor de distribuição precisa, entretanto, de grande atenção para os programas sociais. É exatamente aí que a iniciativa privada deverá ser informada e negociada minuciosamente a sua entrada. A área rural brasileira, por falha da maioria das empresas existentes, permanece mal atendida. Há necessidade de um grande programa nacional de energização das áreas rurais. Outro aspecto importante na relação entre as questões técnicas e a filosofia empresarial da iniciativa privada é que a área de distribuição oferece um magnífico campo de aplicação de equipamentos facilmente industrializáveis no Brasil. Livres das restrições criadas artificialmente sobre as estatais, os empresários poderão desenvolver uma associação extremamente produtiva com a indústria. O aspecto mais importante será o perfil e a natureza dos maiores acionistas. Sendo empreendedores e ligados ao Brasil poderemos ter o início de grandes indústrias ou o fortalecimento das existentes.
Na questão “distribuição de energia” a autoridade dos estados deverá ser respeitada. Um dos absurdos da legislação brasileira é o excesso de concentração de poder em Brasília. Lá, distantes da realidade dos estados, burocratas ditam normas e tarifas de forma irresponsável, leviana. Essa arrogância dos tecnocratas é extremamente prejudicial ao Brasil. A política de desenvolvimento das unidades federadas deverá ser gerada por elas mesmas. A distribuição de energia é parte vital nesse processo. Infelizmente deputados e senadores, mais representante de interesses cartoriais e corporativos, têm defendido muito mal seus estados. Nossa democracia imberbe carece de lideranças competentes. Se existissem não estaríamos vendo a nação jogando com violência para um lado e outro ao sabor de experiências, que mudam radicalmente a cada quatro anos. Por tudo isso devemos lutar pela entrega aos estados do poder regulador e de concessão na área de distribuição de qualquer energia..
Mas, na área de geração e transmissão de energia teremos que passar por um processo de reorganização delicado e de grande responsabilidade. Não será simplesmente a criação de entidades burocráticas mas de organismos reguladores e gestores fortes, independentes e competentes. O processo atual, que é mais participativo, dificilmente funcionará em um ambiente de muitas empresas. A característica hídrica de nossas fontes de energia elétrica exige atenção severa para muitos aspectos operacionais do conjunto de usinas. Uma depende da outra. Outro aspecto a ser considerado será a entrada em operação de mais centrais termo elétricas. Muito frágeis, dependerão de padrões mais severos que os tolerados pelas hidroelétricas. Muitos possíveis investidores estrangeiros talvez tenham pouca consciência da fragilidade, em futuro próximo, de nosso sistema de transmissão. Nas interligações entre os sistemas sul e sudeste haverá a necessidade de reforço. O sistema de transmissão brasileiro precisa completar-se unindo os quatro quadrantes deste país. O Mercosul sugere a integração energética dos países da América do Sul. A construção de grandes linhas de transmissão entre o Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile já deveria estar começando. Esta interdependência é o melhor aval à consolidação pacífica dessa união. Projetos que, diante da legislação ambientalista, não serão tarefa simples. Tem havido na questão das privatizações um enfoque predominantemente econômico, parece que se esqueceram da engenharia, ecologia, direitos humanos....
A privatização deveria estar sendo acompanhada de intensas negociações entre os países do Mercosul e estados brasileiros para a reorganização técnica e legal da operação e expansão desses sistemas. Infelizmente Brasília parece não ter consciência das oportunidades e problemas na área energética.
Há necessidade de atenção para diversas empresas de energia estaduais. Muitas delas estão em situação muito difícil exigindo grandes investimentos de imediato. Estados importantes correm riscos significativos de racionamento de energia pela possível falha de instalações estratégicas. O Congresso Nacional ou o próprio Executivo deveriam desenvolver um trabalho  de avaliação em escala nacional das empresas existentes. É tipicamente uma questão de segurança nacional.


24. Competição versus monopólio


Mercados perfeitos comparados a mercados imperfeitos geram a ilusão de terem a resposta para os problemas de eficácia, produtividade e qualidade denunciados em muitas críticas às estatais. No Brasil, a repugnância à inflação, conseqüência de anos de descontrole da economia, entronizou palavras de ordem apresentadas como solução para o desafio da estabilização da economia. Modernismo, abertura ao capital estrangeiro, desestatização e competição têm sido argumentos usados à exaustão por lideranças ansiosas por espaço na mídia.
Infelizmente a iniciativa privada brasileira têm mostrado com muita clareza como se faz para contornar leis e administrar preços de forma a evitar-se competições indesejáveis. Trustes, cartéis e monopólios são rotinas em nossa economia capitalista. Todos são errados? realmente interessa reduzir ao máximo a rentabilidade de toda atividade industrial e comercial? o que se faz para melhorar serviços? quais são as prioridades?
Nossa índole e cultura leva-nos a valorizar a competição. Os heróis esportivos são um bom exemplo desse fascínio. A luta destaca os mais fortes, os melhor adaptados. A competição é onipresente na natureza. A vida de um é a morte de outro. A beleza e perfeição tão admiradas na natureza nada mais são do que o resultado de uma eternidade de processo seletivo contínuo. Já a segurança, a estabilidade e a tranqüilidade recomendam um ambiente pacífico, de benefícios distribuídos. Os paraísos têm sido idealizados como ambientes tranqüilos. No Éden anjos e flores garantirão uma ordem de amor e generosidade. Os idealistas têm construído as mais diversas lógicas para mostrar a conveniência desse Mundo Perfeito.
Empresas e famílias são exemplos perfeitos das leis naturais. O ambiente em que vivem, onde lutam, como conquistam seus espaços dirá muito da qualidade final de seus componentes, do produto final. A Ford não teria mudado as cores de seus carros se a concorrência não tivesse existido. Afinal Henry Ford só admitia construir carros pretos. O grande progresso tecnológico da Humanidade tem sido conseqüência das guerras e disputas mercadológicas.
Os serviços públicos mostram muito bem o significado da não competição. Quem já freqüentou filas de repartições públicas sabe muito bem o pesadelo de ser mal atendido. Funcionários que por melhor ou pior ganhem sempre estarão atendendo como se prestassem favores. Serviços e burocracias que não evoluem, técnicas rudimentares...Muitas concessionárias mostram agudamente esse aspecto de arrogância e desrespeito ao cliente. As empresas de energia não são diferentes. Muitas acabam sendo espaço de endeusamento dos diretores e gerentes de plantão, lugar de reivindicações salariais ilimitadas e enriquecimento de muitas ovelhas desgarradas. Pela natureza do serviço essas entidades não disputam espaços, apenas cumprem tarefas. O resultado freqüentemente é deplorável. Qual a solução? procurar-se instalar competições, privatizando por partes e enfraquecendo conceitos de exclusividade?
E a realidade?
Que forma de competição seria aplicável às empresas concessionárias? aos serviços públicos?
Na Europa e América do Norte a tendência é a separação da geração, transmissão e distribuição de energia. Países de altíssima concentração de carga e geração térmica, de crescimento lento, vivendo sob o império de leis que se fazem cumprir, dispensam grandes investimentos e procuram na competitividade imposta pelo poder político reduzir custos. Esses países precisam encontrar também formas de racionalização do uso da energia. A poluição e a ecologia impõem restrições crescentes. O crescimento contínuo do consumo é uma insensatez. Tudo isso levou a uma nova proposta de organização onde a prioridade não é investir e sim utilizar melhor o existente. Esses países assim desmantelaram muitas grandes empresas e têm como maior feito o ajuste comercial. Questões técnicas precisarão ser melhor testadas para se ter uma avaliação definitiva.
O grande problema na área de energia elétrica é a dependência de ligações contínuas, físicas. A energia é transportada através de “dutos” contínuos. Seria impossível, no estágio atual, liberar espaços urbanos para a construção de linhas e mais linhas de modo a oferecer ligações alternativas ao consumidor. Ao optar por uma rua, cidade ou região automaticamente estará vinculado a uma concessionária.
No Brasil o que se procura agora é negociar as concessões. A nova legislação cria situações de maior fragilidade acenando com disputas na conquista de espaços. E depois? depois essas empresas estarão na mesma situação em que vivem as atuais concessionárias. A hipótese do órgão regulador e fiscalizador forte esbarra no poder de influência e corrupção. Nesse aspecto não há limites para quem é rico e não depende de empregos.
Apesar do discurso do aumento da eficácia, o governo federal tem mostrado em suas propostas muito mais a preocupação de aumentar suas receitas tributárias. A renegociação de concessões servirá para a geração de um novo imposto, ou seja, a cobrança sobre a autorização de exploração de um recurso natural. Sob todos os aspectos nota-se a preocupação de obter recursos para solução de dívidas e divisas.
As grandes lideranças políticas atuais são em grande parte oriundas de estados falidos e delinqüentes. Em especial os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul dominam o cenário político. Para essas lideranças as estatais são a origem de todo o mal. Devem ter plena consciência de como os políticos degradaram os serviços públicos de seus estados. Dentro da visão de que não são capazes e talvez com grande peso na consciência agora vêem na privatização e na mudança de formas institucionais a maneira de salvar seus estados. Se a solução será boa para eles porque não para o Brasil inteiro? Monopólios devem ser combatidos, competição é a solução. O capital estrangeiro deve ser conquistado. Afinal precisamos importar carros de luxo...
Por tudo isso, em nossa realidade brasileira o ideal seria fugir da concentração de poder em Brasília. A dependência de decisões distantes deu a muitos governadores a oportunidade de serem irresponsáveis. Suas decisões tinham avais federais. Alternativamente a delegação a estados e municípios do direito de fiscalização e regulamentação é talvez a única maneira de se criar modelos, empresas eficazes, soluções inteligentes e ajustadas à realidade de cada localidade, estado, região. A multiplicação de empresas mostraria o que poderia ser a melhor solução.
Administrativamente há necessidade de mudanças na legislação das Sociedades Anônimas de modo que detalhes operacionais, financeiros e econômicos fossem acessíveis a qualquer acionista. Mais importante que licitar concessões é estabelecer instrumentos de vigilância popular. Os estatutos dessas empresas deveriam ter um padrão mínimo, que correspondesse a contratos de gestão bem delineados. Evidentemente um contrato de gestão não é um estatuto mas os estatutos das empresas deveriam conter referências e limites operacionais. Na ânsia de privatizar o governo federal não abriu uma discussão inteligente das empresas saídas da época da ditadura. Durante o regime militar, pela própria condição de disciplina, não fazia diferença o que se escrevia nos estatutos de uma empresa. Em um ambiente democrático e no império das leis é vital a forma como essas empresas se constituem e se relacionam. O que vimos foi uma preocupação de amarrar processos, burocratizá-los. O mais lógico seria vigiá-los, cobrar resultados. As empresas podem quebrar. No Brasil o que importa é se um documento foi assinado por dois diretores ou se o edital foi publicado em um jornal x ou y. As assembléias de acionistas são vazias, as cobranças técnicas quase não existem. Nosso problema não é o monopólio. A principal falha é que nosso povo vive imerso na ignorância. Não conhece seus direitos, muito menos seus deveres. Somos um país que demorou para abolir a escravidão, a estratificação social era natural durante o Império e continuou na República. Os longos períodos de exceção castraram a nação.
Dentro do estatuto do monopólio existe a garantia de rentabilidade. Preços tabelados, planilhas de custo, rentabilidade administrada de fora para dentro. Isso torna essa espécie de atividade econômica de baixo risco, boa aplicação para poupanças longas. O Mundo tem muitos recursos para essa forma de imobilização de capital. Mesmo aqui no Brasil pudemos perceber o interesse de investidores estrangeiros dentro dessa condição. E na modalidade sob competição? sem garantias de rentabilidade? quem terá interesse de arriscar-se? o que se tem visto é o interesse de indústrias eletrointensivas aqui instaladas. Essas não podem escapar da necessidade de energia abundante e barata. Ë interessante notar que mesmo essas indústrias estão dispostas a arriscar apenas o dinheiro do povo. Quem virá investir no Brasil seu rico dinheirinho sem a garantia de rentabilidade em um negócio sujeito a todo tipo de interferência política?


25. A utopia democrática


A democracia é o império da maioria. Que maioria?  qual é a proporção de pessoas sadias em nossa sociedade? quantos indivíduos poderiam considerar-se cultos e preparados para analisar planos de governo? quem entende de política? quem sabe o que é uma estatal? qual a importância do estado investidor? quais seriam as perspectivas de desenvolvimento? como diminuir a pobreza? o que é distribuição de renda?
Fácil responder !
Será?
O conceito da empresa pública depende, e muito, da aceitação da “utopia democrática”. A crença de que os processos de consulta popular levam a decisões em benefício do povo é uma conseqüência da importação de modelos e da ignorância de fatores, que produziram nos países mais desenvolvidos instituições sólidas e eficazes. Os Estados Unidos da América do Norte tiveram em sua origem democrática, há mais de dois séculos, uma elite cultural muito forte, decisiva na elaboração de sua constituição federal, até hoje um exemplo de inteligência e bom senso para a Humanidade. Na Europa, um continente com problemas sociais gravíssimos, a democracia permitiu o aparecimento de lideranças tais como Lenine, Mussoline e Hitler. Na França, além do período do terror, a revolução democrática francesa gerou Napoleão, auto proclamado imperador. A desintegração das ditaduras comunistas mostrou com clareza os efeitos de um sistema para o qual o povo não está preparado. A América Latina e a África são tratados de experiências políticas mal sucedidas. A tendência lógica é a democracia mas dentro de um processo de educação e com todos os riscos de retrocessos, os piores possíveis.
No Brasil as estatais cresceram e desenvolveram um trabalho extraordinário durante o período militar. Sob grande disciplina e obedecendo planos nacionais de expansão, aproveitando recursos oferecidos generosamente por muitos bancos estrangeiros, o país saiu de uma infra-estrutura incipiente para um grande e harmônico quadro de empresas, cada uma cumprindo seu papel em seu estado ou região. Dentro da estratégia adotada havia distribuição de recursos, estabelecimento de padrões que apoiassem a indústria nacional em formação (principalmente na área de telecomunicações ), complementaridade ( na área de energia, principalmente ) e oportunidade. O combate à inflação nos EUA e o aumento dos preços do petróleo destruíram esse modelo altamente dependente de poupança externa. Infelizmente as crises mundiais foram mal avaliadas assim como sucumbimos à megalomania. Uma série de obras gigantescas pararam ou tiveram atrasos enormes diante da falta de recursos e da recessão. O Brasil quebrou, as empresas entraram no período de abertura política endividadas e na última década serviram para muitos outros interesses alheios a suas finalidades.
Os donos do poder político encontraram nas empresas públicas o espaço ideal para muita demagogia e solução de problemas menos confessáveis.
Durante a ditadura tivemos o Acordo Nuclear Brasil - Alemanha, estabelecido em um período em que, de acordo com os autores do livro “Panorama do setor de energia elétrica no Brasil”, Memória da Eletricidade “O planejamento a médio e longo prazos foi praticamente abandonado, em detrimento de uma gestão financeira mais imediata, determinada em ampla medida pela política econômica governamental e pelas metas globais de planejamento “. Este programa previa a instalação de oito centrais nucleares até 1990 com investimentos de 10 bilhões de dólares (na realidade mais de 30 bilhões de dólares). Sem necessidade, dentro de visões delirantes de desenvolvimento, até a famosa iniciativa privada alemã embarcou nesse projeto de Brasil Maravilha. Este e outros programas quebraram o Brasil, jogando-o na humilhante e abjeta vala dos inadimplentes.
Após a abertura democrática, eleições a cada dois anos e mudanças pelos motivos mais diversos dentro desse período geraram nas estatais mais atraentes um clima permanente de instabilidade. Seus diretores, lá instalados após muita negociação, precisam atender muitos planos e acertos. As promessas de palanque criam propostas absurdas. Administrar as pressões de sindicatos e partidos políticos passa a ser o grande desafio de quem assume o comando de uma empresa estatal. Gerenciá-las estritamente dentro de seus objetivos de existência não é difícil. Normalmente essas empresas têm excelentes quadros de profissionais. Em pouco tempo qualquer bom profissional verá o que fazer para conduzir sua empresa. O pesadelo vem de fora, principalmente. De Brasília decisões arbitrárias e pouco razoáveis criam um clima de instabilidade permanente. O Presidente da República acredita poder definir detalhes para todos os quadrantes desse país. Seus tecno burocratas ditam tarifas, normas técnicas e administrativas sobre ambientes que desconhecem e não estimam. O exercício do poder emanado de bases decadentes, especialmente depois do governo Collor, que destruiu a máquina administrativa federal, tem sido uma demonstração permanente de irresponsabilidades. Nos estados as grandes estatais são motivo de inveja e ciúmes. É incrível perceber a vontade de muitos líderes de destruir as empresas simplesmente porque não as dominam. Não admitem ter que respeitá-las. Querem-nas na vala comum da administração direta, que eles conseguiram destruir também. O povo, informado por uma imprensa nem sempre satisfeita com o que recebe, ouve as piores notícias com prazer sádico. Em poucos estados as empresas públicas sobrevivem merecendo a admiração e o carinho do cidadão comum.
Do clima tecnocrático da ditadura caímos no Mundo das ilusões democráticas. Infelizmente qualquer grande obra leva anos para ser decidida, construída e colocada em operação. São espaços que ultrapassam o período de um mandato. Entram em fases de competição eleitoral, transformam-se em objeto de demagogia, de exercício de oratória. O Brasil corre riscos de desabastecimento de energia pelo efeito dessa estagnação. A Constituição Brasileira, talvez a única constituição dinâmica do Mundo, mudando sempre demonstra a fragilidade de uma nação que ainda não se entendeu.
No processo de ação política em torno das estatais as esquerdas exploram o aspecto messiânico, a distribuição de benefícios e o rigor legal. Na plataforma de qualquer candidato esquerdista veremos a oferta de serviços a preços simbólicos às classes menos favorecidas. Seria muito mais lógico lutar para que não dependessem dessas espécies de esmolas. Dá mais voto, contudo, deixar o povo empobrecido e oferecer “ajudas”, principalmente com o dinheiro dos outros. O denuncismo é outra forma de ação extremamente prejudicial. Qualquer suspeita vira discurso. As vítimas que se virem para se defender. Os grupos de direita, mais afinados com o exercício do Poder, assumiram o discurso neo liberal. Têm dinheiro para comprar as estatais mas querem fazê-lo ao menor custo possível. Assim contribuem entusiasticamente para a desmoralização das estatais. No meio desse fogo a eficácia cai. As empresas param sob o impacto de auditorias, mudanças permanentes de prioridades, falta de recursos.
A democracia é o governo do povo pelo povo, nem sempre para  o povo. Ser para a nação exige honestidade, patriotismo e competência. Essa condição exige cultura, saúde mental, educação política. Estamos muito longe desse cenário. Nosso povo tem consciência de algumas questões básicas. Nada mais lógico que nessas áreas de entendimento o poder político atue diretamente. Atividades mais sofisticadas, contudo, fogem à compreensão popular e, principalmente, correm grandes riscos nas mãos dos políticos e empresários associados. Um grande exemplo disso é a situação em que se encontram estatais dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Empresas que deveriam ser extremamente rentáveis afundaram em dívidas absurdas por conseqüência da incompetência e / ou desonestidade de muitos dirigentes. Empresas com excelentes quadros técnicos desintegraram-se nas mãos de dirigentes impostos politicamente. Em Minas Gerais a CEMIG por pouco não se perdeu no Governo Newton Cardoso. O pior é que esse indivíduo arrisca voltar ao Poder. Tem dinheiro para isso. No conceito de disciplina, de obediência à chefia, vimos muita gente boa fazendo trabalhos que deveriam ter repudiado. O silêncio e a fuga foi a postura dos menos covardes.
A nação brasileira veio em grande parte de origens servis. A escravidão demorou a acabar. Sua transformação lenta e pacífica criou uma personalidade fatalista, passiva. Nas empresas brasileiras poucas se destacam por terem um clima de luta. Assim como é importante a tranqüilidade para um ambiente de trabalho sadio, também o é para sustentação dos piores projetos. Em pleno clima democrático vemos dirigentes de estatais brasileiras tratando suas empresas como se fossem grandes fazendas. O exercício da autoridade do chefe é sagrado. Esse iluminado impõe-se pela força do cargo. Gente sem experiência maior que não a dos corredores dos palácios assume a direção das companhias com todos os rancores e preconceitos dos gabinetes políticos. Assim vemos por um lado a designação de pessoas despreparadas ou mal intencionadas e de outro equipes servis e passivas. Empresas estatais, sem compromisso com o sucesso administrativo, acabam sendo instrumentos dos piores gerentes. Os líderes que os nomearam não têm outra preocupação que a geração de mídia e caixa de campanha, com raras exceções.
A visão política também afeta a administrativa. A tese de muitos é que a gerência democrática é possível e saudável. Principalmente nas fileiras petistas vemos o democratismo, o basismo como forma de decisão. Essa utopia aplicada a companhias, onde a redução de custos e o aumento da qualidade é necessário, cria um processo lento e ineficaz. Lamentavelmente e naturalmente o funcionário tem por prioridade seus desejos pessoais. O processo de decisão sendo de baixo para cima tende a ser corporativo, egoísta. Agravando esse processo nas empresas de energia, de uma maneira especial, por conseqüência do altíssimo envolvimento técnico, criam-se facilmente ambientes pasteurizados, alienados. Vimos seus sindicatos atuando em muitas ocasiões com a maior insensibilidade em relação à população de modo geral. A democracia dentro da administração leva à mediocridade, à ineficácia. Segue o nível de inteligência da média, que não é motivo de orgulho para ninguém. As estatais têm recebido o impacto de teses políticas pouco eficazes. Entre elas a idéia da gerência democrática. É uma boa forma de diretores inexperientes entrarem gradativamente no comando. O discurso dá-lhes tempo, transfere responsabilidades, cria simpatias. A empresa perde tempo, o povo também.
O maior problema da empresa pública é a subordinação política. A administração política, afetada por todo tipo de “lobbie”, inviabiliza-se pela descontinuidade e irresponsabilidade. Principalmente a nível federal o Brasil caminha para a desorganização total. Cada presidente que assume vem carregado de compromissos e inspirações as mais irresponsáveis. Esses políticos e empresários associados têm em seus projetos pessoais o povo brasileiro como simples instrumento de poder.
Não há empresa que possa ter sucesso em um clima de instabilidade permanente. A privatização total pelo menos traz a esperança de vivermos com regras mais estáveis. Menos por maldade e mais pela consciência de que os políticos do Terceiro Mundo não tem maturidade para conduzir os grandes projetos é que podemos imaginar a retração de grandes bancos internacionais. A utopia democrática é uma utopia tanto maior quanto mais ignorante e mal informado seu povo estiver. Vemos questões as mais ridículos sendo valorizadas. Falar mal dos funcionários das estatais enche horas e horas de comentaristas presunçosos. O discurso da falta de recursos é usado descaradamente. O governo e seus economistas bloqueiam qualquer esforço de viabilização. Querem a privatização. Que venha. A grande vantagem é que esses indivíduos que hoje provavelmente faturam o discurso da privatização terão que voltar a falar de futebol. As empresas privadas serão o que são as estatais com a vantagem de possuírem administrações mais sérias, indicadas por acionistas que cobrarão resultados. A empresa pública inviabilizou-se porque democraticamente elegemos pessoas que assim pretendiam agir. Viva a democracia!


26. O funcionário e a privatização


A maior resistência à privatização vem do corpo funcional das empresas estatais. Infelizmente muito disso é conseqüência do medo, da insegurança diante do desconhecido e do desconhecimento dos seus direitos.
O bom empregado, competente, trabalhador, honesto e responsável só tem a ganhar com o afastamento do governo, política e eleitores ignorantes. O empresário quer ganhar dinheiro e o faz em cima do trabalho de suas equipes. Um cavalo de raça tem bom preço e é bem tratado. Um bom trabalhador é valorizado e respeitado. Perdem os malandros e incompetentes. E isso é ótimo para o bom funcionário. Não há nada mais irritante do que trabalhar e ver ao lado um vagabundo, muitas vezes recebendo salário maior e sendo melhor tratado. Porque é afilhado de algum político ou um bajulador de gerências tem privilégios inacessíveis ao funcionário honesto. Esses indivíduos,  em empresas públicas, não são cobrados por seus serviços e sim pela militância em campanhas e palácios.
A visão excessivamente egoísta do trabalho por parte de grande parte dos trabalhadores é a principal responsável pelo esvaziamento dos ideais socialistas. É comum perceber-se tanto em empresas estatais quanto privadas a existência de funcionários que subordinam sua produtividade exclusivamente à conquista de benefícios pessoais, sem nenhuma preocupação com a coletividade. Muitos ainda pioram esta condição repelindo qualquer responsabilidade ou proposta de trabalho mais pesado. Prendem-se ao passado, alegam doenças ou outras restrições para não fazerem nada. Quem não conhece algum companheiro que passou anos alegando perseguições, salários baixos ou a necessidade de luxos impossíveis para simplesmente não trabalhar? Quem nunca viu um mau líder, espalhando pensamentos negativos contra a empresa em que trabalha e seus executivos? Infelizmente tornam-se o câncer funcional e ideológico de empresas e sociedades que poderiam ser muito melhores.
As falhas servem de munição para os maus líderes. A demagogia permanente encontrou na crítica aos empregados das estatais uma forma de promover os piores políticos. A imprensa enche páginas e mais páginas com artigos, que mais contribuíram para derrubar uma referência de salários e qualidade de vida do que para a racionalização das empresas públicas. A sensação que se tem é de que o trabalhador deveria ganhar apenas o suficiente para a cesta básica, não ter férias, passar 12 a 14 horas no local de trabalho, não reclamar, não lutar para melhorar sua vida. Essa é a mensagem que vemos todos os dias. Sendo funcionário público ou de estatal a coisa piora. Aí os adjetivos, as críticas são acrescidas dos piores qualificativos. Adjetivos justos em muitos casos mas perigosamente generalizados e colocados de forma a destruir uma proposta institucional, que poderia ter dado certo. Infelizmente a redemocratização do Brasil coincidiu com a sua quebra. Entramos em um período recessivo. A falta de crédito impediu que investimentos importantes fossem feitos. Leis excessivamente protecionistas encareciam ou impediam qualquer importação, contribuindo para a degradação, a perda de eficiência diante de empresas do Primeiro Mundo. Pior ainda foi termos tido governantes da pior espécie logo após a abertura política. Esses fatores adversos, juntos e esquecidos à medida que o tempo passa, permitiram o cenário em que vivemos. Cenário este agravado pelos péssimos exemplos de países como a Argentina, Chile e México onde suas estatais antes da privatização estavam destruídas. A Argentina, dentro de um clima sindicalista feroz e irresponsável, afundou de vez com a corrupção e a Guerra das Malvinas. O Chile era teatro da maior guerra ideológica e o México, escravo de oligarquias inescrupulosas, tem tido em suas estatais uma forma de apropriação indébita do pobre dinheirinho de um povo ingênuo. A verdade é que o Terceiro Mundo mostra com clareza os problemas de populações mal educadas, sem base ainda para o exercício da democracia. Melhor teria sido se esta parte da Humanidade ainda vivesse sob monarquias. Pelo menos a definição de classes e a exploração seriam explícitas e não sob a camuflagem democrática.
Com a privatização os empregados poderão exercitar seus direitos sem a interferência cretina de muitos dos atuais gestores da opinião pública. Teremos o que vemos, por exemplo, no transporte coletivo urbano. Nessa área percebemos até empresários estimulando greves, com o apoio silencioso dos mandarins da notícia, pois sabem que quanto mais ganharem seus empregados mais argumentos terão para aumentar tarifas e desta forma faturarem mais.
O importante na privatização será ter sindicatos fortes, solidariedade e disposição para a luta. Nesse novo ambiente o que se respeita é a força. As questões éticas do processo político desaparecerão. As leis do “Gerson” e “do mais forte” estarão cristalinamente presentes. Sem ilusões e com vitalidade todos sairão ganhando, principalmente os bons trabalhadores.
As famosas relações salariais, limitações em cima de secretários de estado, ministros, presidentes e outras besteiras típicas do serviço público desaparecem na iniciativa privada. Alguém questionaria o salário do Aírton Senna? Pelé? Xuxa? do presidente e gerentes da Ford? não passa pela cabeça de ninguém que eles deveriam ganhar menos que o presidente da república. Temos pelés nas estatais mas a esses é crime falar sobre o assunto. Afinal são empregados do povo...
Os cuidados a serem tomados pelos empregados das estatais são muitos nesse processo de transformação. Apesar das vantagens mencionadas algumas questões deverão ser observadas.
A manutenção de fundações talvez seja a questão mais delicada. Algumas estatais têm esquemas de aposentadoria insustentáveis. Nesses casos haverá perdas inevitáveis. Noutras as fundações são perfeitamente justificáveis, viáveis mas perigosamente atraentes a muitos aventureiros. As negociações deverão ser conduzidas com inteligência e competência até porque os empregados  não contarão com a simpatia popular para as suas questões. O povo brasileiro foi ludibriado pelos sucessivos governos federais. A aposentadoria, tão bem estruturada quando da criação da nova legislação trabalhista há mais de trinta anos, foi perdida na demagogia da Constituição Federal de 1988, quando milhões de brasileiros entraram no sistema sem nunca terem contribuído para a formação de seus fundos previdenciários, e, principalmente, destruída pelas péssimas administrações. Falar de corrupção é “chover no molhado” mas foi o que vimos e o que fez evaporar dezenas de bilhões de dólares.
A previdência privada brasileira tem se mostrado frágil. Muitas propostas foram anunciadas e quais sobreviveram? Aliás nessa área ainda falta processar ou pelo menos investigar um dos maiores crimes contra a economia popular jamais feitos no Brasil. Quem ganhou com o golpe dos montepios militares? onde foi parar o dinheiro arrecadado durante tantos anos? ninguém será punido? O Brasil é um país estranho. Discute-se à exaustão pequenas questões, as grandes são olimpicamente ignoradas...
Um grande risco que o próprio povo corre, pois ele é o proprietário das estatais, será a privatização das partes mais rentáveis, deixando o “mico” na mão do governo. Isso acontecendo a tendência será deslocar o corpo funcional para a parte menos rentável, a que ficará estatal.  Assim essas empresas residuais morrerão de inanição junto a seus funcionários. Dentro da própria política de distribuição de benefícios as estatais têm tido o compromisso de atender áreas mais pobres. No Setor de Energia Elétrica temos a eletrificação rural e os programas dedicados a consumidores de baixa renda. Deficitários, existem em compensação das áreas mais ricas e são atendidas por vontade expressa dos dirigentes políticos. Evidentemente não constituirão prioridade de empresários privados. Eles poderão livrar-se dessas áreas e do corpo de funcionários das estatais deslocando-os para essas empresas assistencialistas.
Para os funcionários das estatais o ideal seria a posse de parte substancial das ações dessas futuras empresas.  Diante da impossibilidade de adquirirem quantidades significativas, a pulverização do capital acionário entre muito investidores é desejável  para evitar-se o império de grupos econômicos. É óbvio e inevitável que aqueles que possuírem o controle acionário ditarão as regras. É claro que se os empregados constituírem um fundo de participação poderão negociar decisões, participando da administração da empresa. Quanto antes os empregados das estatais se organizarem e já em Bolsa de Valores começarem a comprar ações, mais cedo estarão se organizando para atuarem no processo. Os sindicatos, antes de proporem lutas inúteis, deveriam estar discutindo formas de entrarem no processo de forma pró ativa.
Uma questão importante é o ajuste dos estatutos das empresas. Esses documentos deveriam ser estudados, discutidos à exaustão assim como a Lei das Sociedades Anônimas. O processo de desestatização é vital à nação, aos funcionários e aos investidores. Essas três partes deveriam estar discutindo, estudando com profundidade  a questão privatização. Ela é inevitável, boa para o Brasil. Poderá ser ruim, perversa, lesiva aos interesses de nosso povo se for mal conduzida. Os funcionários das estatais, principalmente, até por serem pessoas com boa formação escolar, devem aprofundar-se nessa questão. Entendendo que a privatização é necessária diante da constatação de que a democracia não gera bons gerentes, sabendo que o Brasil precisa concentrar  atenção e recursos em grandes programas de reforma agrária e de recuperação dos sistemas de educação, saúde e segurança, devemos trabalhar para que a privatização gere o máximo de recursos e reordene o país de forma a ser  mais eficaz.
Será interessante ver o equacionamento de dívidas entre estatais e com os poderes públicos. Atualmente é natural que empresas de água e saneamento não paguem suas contas às companhias de energia elétrica. A COPEL ( Companhia Paranaense de Energia ) terminou o ano de 1994 com um crédito de mais de vinte milhões de reais junto à SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná) . No Maranhão a CEMAR (Centrais Elétricas do Maranhão) tinha a receber mais de cem milhões de reais da empresa de água e esgoto ao final de 1994. Prefeitos consideram natural não pagar contas de luz e água. A inadimplência faz parte de nossa cultura. Honrar compromissos parece não preocupar um povo, que aprendeu bastar um ato religioso para obter o perdão de seus pecados...Empresas e empresários terão relações mais duras e realistas. Talvez essa seja a grande contribuição do processo de privatização, ou seja, fechar essa porta do messianismo, da visão milagreira. Nosso povo precisa aprender que nada acontece de graça. Tudo tem seu custo. Qualquer benefício concedido à alguém, outro terá de pagar. Os empregados  das estatais sabem como são forçados a atender pedidos venais de autoridades. Do alto de seus cargos consideram-se livres para não respeitarem qualquer regra ou lei. Esses grandes corruptores terão seus espaços reduzidos. Quem irá substituí-los?
A grande responsabilidade dos funcionários das estatais é a vigilância cívica para que esse processo seja honesto e competente. Aqueles que trabalham em empresas de energia sabem melhor do que ninguém a complexidade e os riscos de instalações tão complexas e importantes. Nosso povo não tem consciência do significado desse patrimônio público. Nossos líderes políticos não têm dado demonstrações de seriedade suficiente. Isso tudo aumenta a responsabilidade dos empregados dessas empresas. Organizados, em sindicatos e associações, deverão ter participação ativa, positiva, inteligente e responsável na privatização que corre seu curso, até agora cheio de pontos nebulosos, mal explicados. A polêmica maniqueísta tem contribuído para a perda de oportunidades importantes. Os trabalhadores devem compreender que continuarão trabalhadores independentemente se dentro de estatais ou empresas privadas. O que precisam é organizar-se para defender seus direitos. Terem força para negociarem e obterem o máximo de benefícios. As mudanças são naturais, fazem parte da dinâmica da natureza. Nada é eterno, inclusive as instituições tão sagradas aos conservadores.


27. Fundações, assistência médica e salários


É válido aprofundar um pouco mais a discussão sobre fundações, salários e assistência médica. São questões importantes no bem estar e segurança dos funcionários, merecendo o máximo de cuidado no processo de privatização.
À semelhança de grandes companhias multinacionais, no início da década de setenta as empresas de energia elétrica criaram suas fundações. À época o Brasil vivia um clima de exceção, facilitando processos que interessassem ao poder estabelecido, feitos, contudo, sem os cuidados normais em países sob o império da lei. De qualquer modo começaram timidamente, ganhando força mais adiante, estabelecendo planos altamente privilegiados mas dentro de estruturas extremamente frágeis. Muitas fundações praticamente quebraram em conseqüência de decisões no mínimo irresponsáveis. Não fecharam porque, também dentro do clima de tolerância existente, as patrocinadoras assumiram o ônus de suas recuperações, repassando os custos aos consumidores e contribuintes. Infelizmente ainda hoje a maioria delas dá a seus administradores, indicados pela direção das empresas (e esses pelo governo correspondente), o poder de estabelecer negócios capazes de destruir a saúde financeira de suas entidades em poucos dias.
A liberdade de decisão, a autoridade que o maior acionista tem sobre as fundações é muito grande. Com diversos instrumentos de pressão impõe sua vontade em prejuízo, principalmente, dos dependentes dessas entidades. Isso pode ser corrigido. Todos os associados a fundações de empresas estatais deveriam estar promovendo discussões sobre seus estatutos para torná-los mais eficazes, permitindo controles importantes sobre suas administrações. Questões como o número de membros dos conselhos de administração e fiscal deveriam ser levantadas, aumentando-se o número de representantes dos aposentados e do quadro funcional. Deslocando o poder para os funcionários e aposentados, o uso das fundações para atendimento a interesses estranhos aos beneficiários seria inibido, não impedido totalmente.
Há necessidade urgente de se estabelecer maior equilíbrio e cuidados na maioria dessas entidades. Sabemos que são alvo constante de todo tipo de corruptor. Lembrando a fragilidade do ser humano, a facilidade com que se deixa envolver por todo tipo de atenção cortês, fica fácil entender a necessidade de máxima vigilância. Elas movimentam milhões de dólares diariamente, aplicam em bolsas de valores, artifícios bancários, compra de imóveis, negociam benefícios e deveres que despertam todo tipo de interesse.
Infelizmente o processo de participação nem sempre é eficaz. Muitas corporações têm critérios estranhos de decisão, colocando em cargos de grande importância pessoas sem preparo técnico e base moral para tomar decisões coerentes com os postos conquistados. É terrificante ver e ouvir manifestações de indivíduos despreparados nesses cargos de direção. Representando os trabalhadores diante dos acionistas mostram níveis de indigência mental surpreendentes. Isso significa a necessidade de conscientização das responsabilidades de cada indivíduo. Principalmente aqueles que pretenderem participar de processos eletivos, será importante estudar, preparar-se para votar e ser votado. Adquirimos uma visão irresponsável do processo democrático. Tão sem respeito pela importância do sistema que o tornamos obrigatório nas eleições públicas. Nossos constituintes de 1988 cometeram erros incríveis. Mostraram que não estavam preparados, que um congresso somando as funções de legislador e constitucionalista é frágil às pressões das piores conveniências. Uma constituição é um documento de altíssima responsabilidade, não poderia ter sido feita como o foi em 1988. Dentro de nossas empresas temos paralelos ao ambiente externo. Lideranças, filosofias e comportamentos refletem a cultura do povo. Há necessidade de maiores cuidados quando sabemos estar em um país que saiu recentemente de uma ditadura, onde grande parte da população é semi-analfabeta. Nas estatais, com lideranças filtradas pela ditadura, vimos teses mesquinhas serem defendidas com ardor. O corporativismo tornou-se um câncer no meio de pessoas que pouca sensibilidade possuíam dos problemas sociais.
Resumindo, há necessidade de atenção especial ao futuro das fundações. A negociação para a privatização deverá incluir a estruturação dessas entidades de modo a preservar direitos adquiridos.
Outro aspecto delicado a ser analisado é a continuidade dos planos de saúde. Eles têm custos. Quem paga? como? Algumas empresas desenvolveram programas extremamente liberais, elas terão que ajustá-los à nova realidade. Ninguém faz milagres, o combate à inflação exige do administrador de concessionárias de serviço público muita austeridade. Estabelecer limites decentes do que as empresas poderão fazer é um desafio delicado, importante. Normalmente no ardor das assembléias sindicais perde-se  referências. Os mais radicais vencem na emoção. Os líderes acabam tendo que defender propostas caras. O resultado é o impulso irresistível rumo à automação. A preservação de empregos exige mantê-los a custos suportáveis. No Brasil temos milhões de trabalhadores ganhando salários miseráveis. Não há como justificar moralmente benefícios extraordinários a uma parte do contingente operário. A tendência é o crescimento dos níveis menores em detrimento dos maiores. O mais prudente é ter-se uma vida regrada, acumulando-se uma poupança para a aposentadoria, para a hipótese do desemprego e para poder tratar-se dignamente em caso de enfermidades maiores.
Na iniciativa privada a equação “custo X benefício” é respeitada rigidamente. O bom empresário segue esta matemática com rigor. Qualquer possibilidade de aumento dos lucros é procurada e exercitada com avidez. A sobrevivência das empresas depende dessa condição. Greves históricas e pretensões absurdas demoliram as esquerdas brasileiras. O povo, estarrecido, sentia-se lesado por aqueles que, de cima de postos de trabalho essenciais, exigiam salários muito acima dos níveis praticados em outros setores. A dificuldade em demitir e o respeito a esses movimentos no serviço público e nas estatais foi uma motivação forte a favor da privatização. O trabalhador das futuras empresas privadas precisa conscientizar-se que a disciplina e as cobranças serão maiores em companhias privadas. Os salários e outros benefícios terão sempre como referência os valores de mercado.
O grande segredo do trabalhador é valorizar-se sempre estudando, aprimorando suas qualidades profissionais, preparando-se continuamente para competir em qualquer mercado de trabalho.



28. Patrimônio humano


O debate maniqueísta e insensato entre a esquerda e direita tem ignorado o tremendo patrimônio técnico humano produzido pelas empresas estatais. Trabalhadores, que dentro delas encontraram espaço para se desenvolverem, tornarem-se grandes profissionais. É extremamente doloroso ouvir os comentários de lideranças alugadas pelos grandes grupos hostis às estatais. Alguns com grandes indícios de pertencerem a esquemas meganacionais de poder tem a desfaçatez, o cinismo e desonestidade de sistematicamente ignorar e até agredir milhares de brasileiros, que deram a vida pelo progresso desse país. Em qualquer empresa pública encontraremos pessoas abnegadas, fiéis ao contrato que assinaram com o povo brasileiro.
É interessante notar a  ausência de críticas àqueles que aplicam seus recursos fora do Brasil. O volume de dinheiro de “brasileiros” em bancos estrangeiros e em outras espécies de aplicações é da ordem de muitas dezenas de bilhões de dólares. Contra esses indivíduos pouco se ouve nas emissoras de televisão, rádio e jornais.
A verdade é que o Brasil em suas empresas estatais gerou centenas de milhares de excelentes profissionais. Engenheiros, técnicos, advogados, administradores e outros tiveram a oportunidade  de crescerem, adquirirem consistência técnica. Esses profissionais têm um grande potencial de realização. A grande maioria deles não é mais produtiva por absoluta falta de oportunidade.
Ao adotar-se o modelo imposto pelas grandes potências, o Brasil abandonou o caminho de se desenvolver com seus próprios recursos. Liberando importações inúteis obrigamo-nos a desenvolver uma política exportadora. Ao não criarmos uma base para nossas indústrias e a própria lavoura e pecuária, esse potencial exportador cai na redução cruel de custos, no empobrecimento do povo. Na conversa das fronteiras abertas, escravizamo-nos a regras impostas pelos mais fortes. Optamos pela produção de matéria prima, minérios, produtos manufaturados de baixo valor agregado. O Brasil defende idéias que só existem no discurso dos liberais mais ortodoxos das grandes nações.
Mas no período em que o Brasil foi prioridade criou-se uma base técnica respeitável. Caminhávamos rapidamente para bons padrões técnicos. Essa base gerou profissionais excelentes que agora simplesmente procuram formas alternativas para sobreviverem. O risco da absorção das estatais por empresas estrangeiras será a transferência para o exterior do trabalho de engenharia, administração e finanças. Este mercado de trabalho garante a existência no Brasil de profissionais extremamente importantes. Durante as Grandes Guerras o Brasil sentiu em toda a sua profundidade o que significa ser relegado a um nível de prioridade inferior. Vivemos períodos de racionamento por falta de produtos e, em muitos casos, por falta de capacidade de produzi-los aqui.
O desafio de criarmos uma sociedade empreendedora passa pelo aproveitamento desse potencial tecnológico, criado nas empresas públicas de administração direta e indireta. Dentro das novas regras de mercado precisamos criar estímulos à atividade empresarial, estímulos fortes para o pequeno empresário industrial e agrícola. O engenheiro, o técnico de uma estatal que se afasta de sua empresa mãe tem base para ser um pequeno industrial, consultor, fazendeiro. Ele precisa de alguma orientação e facilidades para se estabelecer.
O grande problema é o desconhecimento de nosso povo dessa riqueza. Em uma nação ignorante sob todos os aspectos a demagogia encontra espaços inimagináveis em países mais desenvolvidos. Aqui a estupidez é tão grande que os mais humildes votam a favor daqueles que os mantém na miséria. Não pela força das armas ou de qualquer outra espécie de coação mas pela simples ação de uma mídia muito inteligente. Nação de subnutridos físicos e mentais, não consegue encontrar o caminho de sua própria redenção.
O Brasil tem uma grande riqueza. Tivemos o ouro, a madeira, a borracha, a cana de açúcar desde o início de nossa história e o café como um produto que durante muito tempo marcou o Brasil. Poderíamos dizer que hoje possuímos milhões de jovens preparados para o mercado de trabalho. Não seria errado relembrar que em nossas estatais milhares de profissionais atingiram excelentes níveis de produtividade e qualidade. Como aproveitá-los? o que no processo de privatização será valorizado? como ter esses recursos em sua plenitude? o grande desafio da privatização é termos um processo que aumente o valor de nossa população, que reduza a miséria, que contribua com o aumento da felicidade da nação.
As empresas de energia elétrica, principalmente, têm em seus quadros grandes especialistas em muitas artes. Mecânicos, eletricistas, químicos, biólogos, matemáticos e outros padrões de especialistas estão maduros para produzir. Infelizmente uma parte da estratégia de privatização das estatais é desmoralizá-las. Restrições de toda espécie, aliadas à uma vigilância burra, tem contribuído para uma regressão técnica. A mediocridade dos grandes dirigentes é incrível. Leitores das piores cartilhas falta-lhes qualquer inspiração.
No processo de privatização dever-se-á atentar para a distribuição de tarefas. O grande patrimônio de qualquer povo é a sua cultura. Não podemos perder o que conquistamos na área técnica. O Brasil desprendeu-se de muitas amarras. Getúlio Vargas, tendo vivido muitas guerras, determinava caminhos de independência. Nossa geopolítica, como talvez teria dito Golbery, exige soldados armados de cálculos e ciências as mais diversas. Esses profissionais formaram-se nas estatais. Empresas mais preocupadas com o desenvolvimento de suas áreas do que com possíveis lucros investiram em treinamento além de terem propiciado ambientes de grandes experiências. Isso não pode ser perdido. Não podemos ser ingênuos acreditando que o Mundo mudou. Não podemos imaginar uma Humanidade altruísta. Ela não o é. Preservar e valorizar nosso especialista é garantir nossa independência, a soberania de nosso país.


29. O cidadão e a privatização


Qual o maior  benefício para o cidadão comum? o que ele ganhará com a privatização? e o que perderá?
Um aspecto importante da privatização será acabar com o argumento de que o Brasil está mal porque há muita empresa estatal. Esse argumento, já tradicional dos formadores de opinião, terá que ser substituído. Eles passarão à defensiva ou descaradamente, como é habitual entre eles, simplesmente mudarão de bandeiras. A alegação de que as estatais são as responsáveis por todas as mazelas desaparecerá com elas. O governo terá que explicar-se sobre compromissos diretos, básicos. Nosso povo finalmente verá que seus problemas sociais devem-se a propostas equivocadas, a gerências erradas, a questões estruturais e culturais muito mais profundas do que o salário de algum técnico. Finalmente poderemos discutir o tamanho do Brasil, as teses religiosas de produção de anjinhos, a má distribuição de renda, direitos e deveres.
A privatização, se bem administrada, produzirá recursos importantes. O dinheiro arrecadado, poupança popular, poderá ser aplicado em setores carentes de recursos. O orçamento da União e estados poderá ser visto com mais clareza.
Corremos o risco do desperdício. Muitos governantes, para ganharem o aplauso de turistas e estrangeiros defendem projetos “ecologistas”, a construção de monumentos, o enfeite puro e simples das cidades. O turismo é uma grande indústria e gera muitos empregos. Deve-se cuidar, entretanto, para a redução da mortalidade infantil, ainda muito alta. Escolas, saneamento básico, hospitais, estradas e a conservação da infra-estrutura existente são prioridades absolutas.
O processo de alienação tem por objetivo obter recursos para projetos mais importantes que a ampliação de serviços pelas concessionárias. Essas empresas deverão atrair recursos privados. O que significa a aplicação de grandes investimentos sobre os quais os investidores esperam um retorno razoável.  A que taxas? a rentabilidade dessas aplicações dependerá de tarifas realistas. Nossos consumidores estão dispostos a pagá-las? e o combate à inflação? o governo permitirá ajustes sob qualquer disciplina? existe a expectativa de redução de custos. Esses ganhos refletirão em redução de custos para os consumidores? não tem sido habitual no Brasil o consumidor ganhar alguma coisa diante dos grandes trustes, cartéis, monopólios...
Tudo isso significa a  necessidade de vigilância cívica. Nunca foi tão importante estar atento ao processo político. A Justiça é o grande instrumento de defesa do cidadão nos países civilizados. Nós ainda não o somos. Existe Justiça no Brasil? o que existe funciona? está a serviço dos mais fracos ou dos mais ricos? aqui vemos a Justiça da mesma forma que a Medicina, existe para os ricos e poderosos. O resto é o resto.
A privatização aumentará a responsabilidade do cidadão comum. Ele já não poderá desculpar-se dizendo que o  que tem foi decidido nas urnas. Sua luta será contra grandes grupos econômicos, que ele deverá enfrentar na Justiça, nos guichês, nas ruas sem outra forma de ação que não a de um cidadão contra outros, lutando diretamente. A sociedade capitalista é um ambiente de lutas. Vence o mais forte. Não existe espaço para fantasias. A competição é a regra, inclusive a disputa por direitos, benefícios. Quem pagar mais levará.
Dentro de uma sociedade desestatizada teremos o conflito real entre empresas. No ambiente brasileiro, onde vemos a convivência de diversos tipos de organizações institucionais, o povo é logrado ao colocar recursos a serviço de grupos econômicos, que apoderam-se de serviços a custo simbólico, compram e vendem produtos em condições privilegiadas. A privatização total fechará portas a espertezas já tradicionais em nosso país. Aqui  temos vivido a lógica de que se todos roubarem um pouco, alguns poderão roubar muito sem resistências. O brasileiro viverá dentro de um Mundo mais realista, sem concessões e facilidades demagógicas. A nação estará em um clima mais duro e justo. O conflito de interesses entre empresários, todos defendendo avidamente seus lucros, existirá em um ambiente em que as regras do jogo são muito claras. Ao cidadão caberá a vigilância, a cobrança de direitos, a qualidade e abundância de serviços.
Ao cidadão comum será importante a existência de competição sempre que possível. O ambiente monopolista era compreensível, quando partia-se do princípio de que certas áreas seriam estatais. Não havia lógica do governo competindo com ele próprio. Privatizando-se entramos no cenário em que o lucro é o fator determinante das decisões gerências. Evidentemente a tentação de maximizá-lo é grande, mesmo em prejuízo da nação. A quebra de monopólios é, pois, lógica e necessária a todas as atividades privatizadas.
Uma exigência a ser feita pelo nosso povo deverá ser a da agilizarão da Justiça, principalmente dos institutos de defesa do consumidor. As grandes empresas sempre têm um suporte jurídico apreciável. Enfrentá-los será o desafio se quisermos qualidade e preços justos.


30. O estado mínimo


As diversas experiências vividas pelo povo brasileiro e a realidade mundial levam-nos a entender a necessidade de privatização e o aproveitamento dos recursos obtidos para desenvolvimento de áreas abandonadas ou carentes de recursos.
Sob o ambiente democrático brasileiro as estatais se inviabilizaram. Com raras exceções, elas sofreram o impacto da demagogia, da descontinuidade administrativa e de ingerências corrosivas. Cumpriram o seu papel principalmente durante o período militar, quando sob a coordenação severa típica da época e sob grandes planos de desenvolvimento fizeram o seu papel. Agora, depois de uma década infernal, à medida que o Brasil reencontra sua normalidade econômica, descobre também milhões de brasileiros sem maiores expectativas de vida do que o subemprego, a fome, a falta de moradia e de dignidade. Nossa prioridade agora deve ser educar, salvar, recuperar essa multidão quase indigente. Para isso precisamos de um estado mais concentrado nessas questões básicas. Estado fiscalizador, arrecadador de impostos, normativo e que gaste seus recursos nas questões mais importantes à sobrevivência de nosso povo. A iniciativa privada, assumindo serviços, pagará para fazê-lo. A elite capitalizada comandará a implantação de nossa infra-estrutura diretamente, sem intermediários. A burguesia deverá encontrar outros “bodes expiatórios” para suas frustrações. O trabalhador continuará na sua condição mas agora lutando contra autênticos empresários. O povo , esse conjunto de pessoas de todas as classes, terá a oportunidade de ver com mais clareza o que funciona ou não.
Nossa esperança está nas dimensões continentais de nosso país, no potencial de um povo que apesar de todos os pesares tem sabido sair de embaraços perigosos sem grandes violências, um povo criativo e trabalhador.
O importante nesse processo de alienação será a maximização de benefícios para a nação. Impõe-se severa vigilância pois os “lobbies” estão atuantes. Nossos legisladores adoram ser paparicados. Eleitos viram autoridades, entendem-se acima do cidadão comum. Esses deuses narcisistas e verborrágicos são, infelizmente, o grande risco de um desvio perigoso. O povo mais humilde não se faz representar de forma mais agradável além do próprio voto. Não tem como ficar pelos corredores de Brasília fazendo convites para jantares ou fins de semana em fazendas e iates. É interessante notar com que facilidade na mídia as elites denunciam a ação de sindicatos e associações, quando se atrevem a procurar em Brasília a defesa de seus interesses. Não ouvimos, entretanto, reclamações contra os lobistas das eletrointensivas, da indústria do papel, dos empresários da siderurgia etc...
Mas precisamos confiar no patriotismo e seriedade da maioria de nossos políticos. Se assim não o fizermos estaremos rejeitando a democracia. Por piores que sejam foram eleitos e têm o direito de decidir em nome do povo enquanto de posse de um mandato. Se errarem o povo terá como corrigir suas decisões não os reelegendo, colocando no Congresso pessoas mais afinadas com seus desejos. E hoje é claro que a nação não se preocupa muito com a sorte de suas estatais. A privatização é desejo da  maioria dos que tem a preocupação de pensar a respeito. Se chegaram a essa opinião por efeito de campanhas de lavagem cerebral é outra questão. Democraticamente espera-se a desestatização de nossa economia. Para isso muito contribuíram as centrais sindicais. Ambientes de pessoas nem sempre conscientes de suas responsabilidades, as centrais têm feito movimentos grevistas danosos ao conforto e segurança de nossa população. Infelizmente no Brasil partiu-se para um jogo em que primeiro se faz a greve e depois se diz o que se quer. O resultado é a desmoralização dos movimentos  reivindicatórios. Nele muitos ainda teimam em raciocinarem como se estivessem em uma guerra em que o patrão é o inimigo. O resultado tem sido negativo ao próprio trabalhador.
A privatização e a regulamentação deverão ser feitas de modo a ficarem o mais distante possível dos palácios as principais decisões. Dentro da frieza de empresários, na cobrança de consumidores e tendo a Justiça como principal instrumento de arbitragem o Brasil poderá caminhar para um estado mais sadio e coerente.
O governo, concentrado nas grandes questões sociais, poderá aplicar-se com melhores resultados naquilo que dele se espera : criação de uma nação justa e sadia.
A desestatização, levando a um cenário de convivência e competição, será um estímulo ao respeito às leis. Em um ambiente estatal a arbitrariedade é compreendida como expressão democrática, natural. Une-se o poder econômico ao político. O direito do cidadão é visto através da ação política e não de forma natural, pacífica. O paradoxo é que no início haverá um ambiente de muita luta. As grandes empresas procurarão impor suas planilhas, suas novas regras. Se estivermos suficientemente educados, preparados, teremos um povo questionante, combativo. A luta  trará com o tempo a acomodação necessária. Teremos aumentos de tarifas. O empresário não tem como escapar dessa condição. A estatal pode ficar inadimplente. A receita orçamentária dos estados e da União cobrem períodos de déficit. Em um cenário sem esse patrocínio o povo sentirá os verdadeiros custos dos serviços. Em algumas atividades haverá redução de tarifas. Isso poderá acontecer principalmente naquelas empresas alienadas muito abaixo do custo, do seu valor real. Sem custo sensíveis de capital poderá começar com tarifas pequenas. Na seqüência a modernização, racionalização e moralização permitirão ganhos substanciais. A privatização dos portos com certeza reduzirá seus custos operacionais.
No Brasil, de uma maneira especial, vemos em Brasília um poder colossal a serviço de interesses distantes de muitas regiões. Grandes estatais, de ação nacional, ficam nas mãos de grupos identificados com uma ou outra região. O Sul do Brasil, por exemplo, tem perdido sempre. Sem grande presença política na administração do país após 83 e com a imagem de região rica, vê seus projetos preteridos. A  degradação da infra-estrutura é evidente. O poder está acima do rio Paranapanema. Até aqueles sulistas, que conquistam algum lugar em Brasília, para se manterem em seus cargos acabam virando as costas para suas origens...


31. O empresário e a privatização


Uma questão intrigante é saber como pensam agir os futuros concessionários. O empresário internacional raciocina com uma taxa mínima de 15% de retorno ao ano, fora a inflação. O nacional está habituado a lucros maiores. As estatais da área de energia, as melhores, estão com taxas de retorno menores que 5% ao ano, e isso sobre um patrimônio sub avaliado. As tarifas têm sido mantidas abaixo dos níveis razoáveis, principalmente em estados de baixa densidade demográfica onde os custos são certamente muito maiores que os possíveis em cidades como São Paulo, por exemplo. Como pretendem ser compensados pelos investimentos a serem feitos, e são muito grandes?
No passado vimos muita gente pegando dinheiro do BNDES, administrando empresas de fachada ou de forma a transferir recursos, quebrando, devolvendo a sucata ao BNDES e indo viver muito bem em outros lugares. Será essa a estratégia de muitos?
Outra preocupação será a demolição das empresas absorvidas. O novo proprietário assume, vende o que puder, investe apenas no que for altamente lucrativo e, não tendo melhores resultados, devolve ao estado o que não interessar mais.
Alguns empresários poderão ter apenas interesse na garantia de atendimento a suas indústrias. A concessionária será um suporte para tudo, menos para atender o povo.
Para ter sucesso, a privatização deverá permitir a formação de empresas rentáveis em sua própria atividade direta. A atual política tarifária é impossível. A lei 8631 (vide anexo) viabilizava a privatização, tornando-a um negócio atrativo. As intervenções posteriores do malfadado Ministério da Fazenda, todo poderoso e incompetente, quebraram essa porta. Na área de combustíveis, a Petrobrás que tinha uma estratégia de custos para os combustíveis automotores viu tudo mergulhando dentro da demagogia do presidente Itamar Franco. Diminuíram o preço ao consumidor da gasolina e do álcool. O resultado foi entupir estradas, aumento da poluição, esquecimento do transporte coletivo que poderia ter sido beneficiado com os lucros excedentes da Petrobrás e redução da atratividade das ações da PETROBRÁS.
O preço baixo da gasolina e do álcool são uma demonstração eloqüente da imprevidência nessa área. O transporte individual ganhou força. Em poucos meses as cidades transformaram-se em um pesadelo viário. O transporte coletivo firmou-se que opção dos mais pobres e vê-se obrigado a competir com automóveis de todo tipo em ruas que não estavam preparadas para tanto trânsito. Somando-se os investimentos necessários para a solução deste problema, haveria a necessidade de dezenas de bilhões de dólares para a construção de viadutos, túneis, alargamento de avenidas além da necessidade de antecipar obras de metrôs em diversas cidades. A insensatez deu a vitória nas eleições a FHC mas mergulhou o Brasil em uma crise monumental.
O interesse da iniciativa privada em investir em empresas hoje estatais dependerá diretamente da expectativa de lucro. Não existe ninguém que queira gastar suas economias para ter prejuízo. O governo federal teima em não explicar essa questão à população. Ou seja, as tarifas vão aumentar após a privatização. Para que isso não ocorra intensamente algumas faixas de consumidores (os mais humildes) já estão com tarifas maiores.
É importante também lembrar a necessidade de estabilidade institucional. O Brasil precisa mostrar ao Mundo que é um país estável. Até agora isso tem sido impossível. Nossa Constituição Federal muda sempre. Incrível, o que deveria ser um conjunto de leis sagradas, permanentes, é quase um Código Civil com detalhes do tipo idade de aposentadoria e número de dias que se deve ficar em casa quando se tem filhos. O plano Collor de estabilização da economia mostrou violentamente o desprezo pelos direitos dos cidadãos. Somos um país que se deixa governar por medidas provisórias. Vivemos um misto de ditadura e democracia. E o pior, como é uma ditadura que depende do voto, é escrava da demagogia, do populismo, da mídia. Será que algum grupo econômico está disposto a investir bilhões de dólares no Brasil? Talvez por absoluta falta de opção isso viesse a acontecer.
A privatização de estatais como a Vale do Rio Doce poderá trazer muito dinheiro para o Brasil. Seus produtos não são tabelados, controlados. Tem mercado fora do Brasil. Não dependem de nossa capacidade de consumo. Os bancos também poderão render um bom dinheiro, afinal somos o paraíso da agiotagem. Mas empresas de energia, água e esgotos, portos, ferrovias e telefonia são de grande risco para o investidor. Quem vier a assumir empresas dessa espécie deverá estar preparado para desenvolver  trabalho de cooptação de políticos e burocratas do governo ( principalmente do MMF ) para exercitar tarifas rentáveis ou estará agindo com outros interesses. Os grandes investidores conhecem muito bem o Brasil.
A desestatização exige um novo Brasil. Precisamos vir a ser um país de leis estáveis e respeitadas. As concessões de serviços públicos devem ser objeto de contratos minuciosos e inteligentes. A Justiça deverá poder com rapidez e competência julgar qualquer dúvida ou pendência. Em benefício do empresário e do povo há necessidade de aprendermos a negociar e estabelecer contratos estáveis, acima das variações de cor política e impulsos demagógicos. Talvez a privatização contribua para a criação desse espírito, que perdemos nos palanques e gabinetes mal iluminados.
Mas o sucesso do processo privatizante passa pelo convencimento de empresários sérios e interessados em realmente investir no Brasil. Será que estamos nessa condição? será que um país que a cada três meses muda o discurso e as regras econômicas conseguirá convencer alguém de fora? será que o objetivo é espantar investidores de fora para que os mesmos de sempre se apropriem do restante das empresas estatais brasileiras?
Precisamos ter esperanças na moralização da nação. Em muitos aspectos é importante dizer “nação” . O Brasil precisa mostrar que a figura do Zé Carioca não corresponde a do nosso povo. O Brasil não é apenas um Rio de Janeiro ou uma São Paulo em seus piores aspectos. Quem conhece nosso país em seus diversos cantos sabe que nosso povo é sério, trabalhador, valente. O que tem acontecido não é justo. É terrível ver o que acontece em ambientes brasilienses onde muitos simplesmente não respeitam esse povo, que entre seus defeitos tem a ingenuidade de eleger tantos crápulas.
Se tivermos a felicidade de receber um  novo Brasil do Congresso e do presidente Fernando Henrique Cardoso, sairemos para uma nova organização, uma  nova estruturação social e econômica. O Brasil é um país com um potencial econômico gigantesco. Precisa apenas que não se perca em teorias e fantasias improdutivas. Não tivemos guerras, não vivemos grandes catástrofes naturais, nossa tragédia tem sido antes de mais nada a incompetência de lideranças apaixonadas por teses e discursos inúteis.
O empreendedor esbarra em uma sociedade que valoriza o irresponsável, o inútil. Nossas religiões pregam a caridade. Necessária diante de fatos consumados mas perniciosa, quando aceitamos como forma de bondade não trabalhar contra tolerâncias, que enchem as ruas de indigentes e crianças abandonadas.
Devemos valorizar o empreendedor mas colocando-o em um ambiente de vigilância severa e sob leis estáveis e inteligentes.
A privatização racional do Setor Elétrico só acontecerá de forma eficaz se vier a ser um bom negócio para investidores e consumidores. Os investidores querem ter lucros razoáveis e estabilidade institucional para assegurarem a todos os sócios deste empreendimento uma receita compatível com os riscos e mercado de capitais. Ao consumidor interessará a privatização se ela aumentar a eficácia das empresas de energia elétrica, melhorando a qualidade dos serviços. Ao consumidor só terá sentido pagar mais pela energia elétrica se a alienação das estatais terá significado melhores serviços sociais, mais estradas, portos, mais riqueza e saúde.


32. Prioridades na privatização


O processo de alienação de estatais deve ser feito de modo a se obter o máximo de benefícios à nação. O governo precisa resistir a apelos ideológicos ou emocionais e conduzir o processo com inteligência, competência e honestidade. Lobistas e  radicais atuam de modo a prejudicar um processo, que poderá trazer inúmeros benefícios ao país.
É importante ao Brasil que o povo venha a ter o máximo de vantagens pois não haverá uma segunda oportunidade. Não se vende o mesmo produto duas vezes.
O que se pretende com a privatização?
Partindo-se da visão positiva do processo podemos relacionar o seguinte : obter divisas, reais, maior eficácia nos serviços, ampliação da infra-estrutura, geração de empregos, desenvolvimento industrial, maior estabilidade econômica e redução do poder político e sindical sobre atividades essenciais ao país.
O outro aspecto importante é livrar o governo de uma responsabilidade para a qual não tem demonstrado competência suficiente e, ultimamente, respeito. Alvo de todo tipo de interesses, muitas estatais extremamente complexas pela natureza de suas atividades, acabam gerando problemas difíceis de serem administrados pelo governo. O discurso dos gabinetes é que essas empresas são domínios dos tecnocratas, ambientes corporativos. O que os políticos não dizem é que esse ambiente existe pela qualidade e competência do corpo técnico das empresas e necessidade de ação dentro de rígidos princípios técnicos. Não podendo interferir, não tendo capacidade de modificar decisões internas, repudiam e denigrem as estatais resistentes aos apelos de abertura à demagogia e ao clientelismo. O resultado acaba sendo a colocação na direção dessas companhias de pessoas estranhas aos quadros técnicos. Esses “executivos” assumem com o único compromisso de atender seus padrinhos...
Vemos no Brasil o que representa uma democracia em uma nação ignorante e alienada. O povo é descaradamente ludibriado, submetido a todo tipo de desinformação. Em sua falta de condições culturais de estabelecer uma vigilância severa sobre os seus eleitos, passa por dificuldades desnecessárias. Somos uma nação que sonha com milagres, esmolas e prêmios. Não percebemos que só o trabalho constrói. Assim não valorizamos o produto de nossos melhores trabalhadores. Efetiva-se o leilão de patrimônios gigantescos e para a grande maioria dos brasileiros isso é menos importante que o resultado do jogo de futebol do domingo.
Quem não luta pelo que tem, não o merece.
Além das considerações políticas devemos analisar diversos aspectos das empresas, entre eles a complexidade, o caráter estratégico, segurança nacional, capacidade de absorção pela iniciativa privada, ganhos industriais possíveis.
Merecem destaque aquelas empresas que são monopólios naturais. São serviços sem alternativa de atendimento. Assim é, por exemplo,  a distribuição de energia. O consumidor ficará submetido a uma empresa, que lhe ditará uma série de condições de desenvolvimento. Grandes regiões brasileiras não têm como suportar empresas sensíveis à energia elétrica porque, mesmo a possuindo, não oferecem qualidade de atendimento suficiente. O mais grave é constatar deficiências graves na formação de equipes, na capacidade de obtenção de recursos e na cultura dessas empresas. Veremos que dificilmente sairão do padrão em que se encontram a menos que mudanças gerenciais radicais aconteçam.
O setor petroquímico é o mais complexo e merecedor de imensa cautela.
A produção de petróleo, principalmente das plataformas continentais, é o espaço mais crítico. A qualquer tempo as grandes potências poderão questionar a soberania brasileira sobre essas áreas. A descoberta eventual de grandes jazidas estimulará a ação das grandes empresas petrolíferas. Se ainda o Mundo estiver passando por dificuldades de abastecimento, será pouco provável que respeitem decisões unilaterais como o foi a extensão da área de domínio no Brasil. O ideal será manter esse setor estatal.
A privatização das refinarias, deixando-as livres para adquirir o petróleo onde julgarem melhor, abriria esse setor à iniciativa privada estimulando uma competição saudável entre empresas e diminuindo um pouco o poder dos sindicatos, à medida que os novos patrões forem mais competentes e severos. Um aspecto interessante seria o governo federal deixar totalmente à iniciativa privada inclusive a escolha do local para a construção das futuras refinarias. Se  vamos privatizar, comecemos pela próxima refinaria a ser construída no Nordeste.
A área petroquímica como um todo exige, contudo, a vigilância do Estado. Assim como sentimos a explosão das importações de automóveis, uma política deliberada das grandes multinacionais poderá fazer do Brasil um país mais dependente da importação de derivados do petróleo. Os países do Oriente Médio, em especial a Arábia Saudita, estão investindo muito. Nada impede que a qualquer momento faça parte da estratégia desses países o monopólio da produção petroquímica. Decisões dessa espécie podem ser tomadas sem grande alarde e ser implementadas gradativamente, longe da percepção de países tão alienados como o nosso. Carecemos de uma lei anti-truste eficaz. Devemos evitar a repetição de cenários que já conhecemos muito bem aqui dentro.
A privatização começando pelo setor de mineração tem a grande vantagem de afetar pouco a vida do país e ter um grande potencial de retorno, tanto pelo seu valor de alienação quanto pelas possibilidades de aumento da produção à medida que os novos empresários tiverem mais facilidade de acesso ao mercado. As negociações para alienação deste setor deveriam impor condicionantes, tais como investimentos para a exportação do minério já com certo grau de industrialização.
A desestatização dos portos brasileiros impõe-se como forma de colocar nessas instalações administrações com maior poder e mais capazes. A transferência de responsabilidades, entregando os portos aos maiores interessados, os produtores e exportadores, após licitação e sob um severo contrato de melhoria de serviços, poderá resolver um problema gravíssimo e muito antigo do Brasil. O mau desempenho da estiva onera estupidamente as exportações e importações, contribuindo para penalizar o povo brasileiro em sua totalidade. A situação atual é injusta e criminosamente danosa ao país. Evidentemente haverá um movimento político pesado contra esse processo mas, custe o que custar, deverá ser implementado. De qualquer modo o Brasil ainda tem lugares onde poderão ser desenvolvidos outros portos. O custo dessas novas instalações, contudo, será elevadíssimo até porque, para repetir os recursos dos atuais onde existe toda uma infra-estrutura de acesso complexa e caríssima, haverá necessidade de grandes investimentos. É muito remota a hipótese de saneamento dos portos brasileiros dentro de um ambiente estatal. Em torno deles existe uma tradição de clientelismo e tolerâncias consideradas naturais pela população portuária.
O setor de energia elétrica poderá privatizar sua expansão da geração e transmissão. Com parcerias as empresas atuais poderiam contribuir agregando a experiência adquirida e a capacidade de participação em todos o foros de discussão e trabalho. Isso simplificaria a coordenação operacional e facilitaria a administração técnica das novas instalações. A privatização das empresas distribuidoras de energia não oferece grandes dificuldades. São áreas de baixa tecnologia e lógica de trabalho muito simples. As empresas que atendem grandes centros urbanos poderão dar um grande retorno pois contam com mercados privilegiados. A desestatização dessas companhias imporá mais seriedade nas relações que lhes afetam. Atualmente, por serem em grande maioria estatais, acabam servindo de suporte financeiro para o governo em detrimento de seus próprios investimentos. O ideal seria a abertura de capital e venda gradativa em bolsa das ações em poder do estado. O problema é que para terem um bom valor há necessidade de uma política tarifária estável. O que temos visto é o contrário. O resultado é o aviltamento dos preços e a perda de atratividade. Talvez faça parte das intenções do governo exatamente isso. Dentro, quem sabe, de um grande processo de doação do patrimônio público o governo cria um clima de redução do valor das ações de suas estatais, promove a privatização e depois relaxa no controle de tarifas, propiciando aos futuros proprietários dessas empresas um ganho astronômico. O que se percebe é a incoerência das decisões de Brasília. Na situação atual, primeiro semestre de 1996, a privatização de qualquer empresa de energia elétrica dará um retorno pequeno. Os investidores deverão ter muita confiança na capacidade de seus lobistas. Não temos plano ou política para coisa alguma nessa área. Na área de geração há necessidade urgente de iniciar-se novos projetos. A lentidão em questões vitais para a viabilização de novas usinas e ampliação do sistema de transmissão é um risco muito grande à garantia de fornecimento de energia a médio prazo. Esse setor, que poderia ser privatizado rendendo ao povo dezenas de bilhões de dólares, hoje vale muito pouco.
No setor elétrico a prioridade para privatização deveria ser sobre aquelas empresas em que seus respectivos acionistas públicos demonstraram maior incapacidade de administrá-las. Muitos estados brasileiros, pelas mais diversas razões, estão com suas empresas de energia elétrica endividadas, desestruturadas e desmoralizadas. Já endividados, não têm recursos para a recuperação dessas companhias. A população precisa de serviços decentes para poder desenvolver-se, ter indústrias, viver com segurança.  Assim a privatização das estatais dos estados e municípios, que não demonstraram condições de gerenciá-las, é uma medida sensata, necessária e até urgente.
O setor ferroviário é um pesadelo administrativo e técnico. Envelhecido, sem grandes esforços de modernização, sem investimentos e distante da boa vontade do governo federal mostra sua ausência em grandes regiões. Graças ao rodoviarismo, à crise econômica e à prática de tarifas subsidiadas a RFFSA carece de charme para ser privatizada. O que provavelmente acontecerá será a manutenção pela iniciativa privada dos ramais mais atraentes e pressões para fechar os demais. O governo deveria apenas licitar a operação e manutenção da Rede conservando a propriedade do sistema atual. A privatização poderá acontecer na expansão. Haverá interessados? algum grupo econômico estará disposto a colocar recursos próprios nesse tipo de atividade? ou será apenas o dinheiro do povo (BNDES) que entrará nesse serviço?
A área de telecomunicações tem despertado o máximo de interesse da iniciativa privada. É uma mina de ouro que o governo não tem sabido explorar. Sua atratividade é tão grande que sente-se na própria Bolsa de Valores qualquer avanço ou recuo do governo nesse setor. A verdade é que existe um mundo de oportunidades para exploração na área das telecomunicações. Essas áreas de investimento têm sido prejudicadas pelo monopólio. As estatais não têm feito e têm impedido outros de o fazerem. Não é culpa dessas empresas mas de seus maiores acionistas, ou melhor, do maior acionista, o Governo Federal. A incapacidade de atender os desejos da população e a vontade de investidores em aplicar recursos nessa área a tornam prioridade de privatização. Se feita com competência poderá render bons dividendos à União.
Um aspecto importante a ser tratado no processo privatizante é a distinção entre diversos padrões de parceria e de entrega à iniciativa privada. Algumas empresas exigem investimentos que dependem de subsídios. Ou seja, as tarifas não pagarão nunca os investimentos feitos. Em estados pioneiros, de baixa densidade populacional ou muito pobres, não se conseguirá implantar água, esgotos, energia elétrica e outros serviços a custos reais. Nesses ambientes o ideal será a privatização do serviço mantendo o patrimônio na condição de estatal. Sob contratos de prestação de serviços, essas empresas poderão ter gestão privada e patrimônio total ou parcialmente público. O problema sempre será a corrupção e a falta de quem defenda os  interesses dos mais fracos. No Brasil temos partidos de esquerda fortes mas a Justiça não funciona. Esse “pequeno” óbice entrava as expectativas de grande sucesso de qualquer estrutura institucional. A privatização total é desejável e lógica em atividades não essenciais e melhor que a hipótese estatal em serviços essenciais não monopolizáveis. Empresas dedicadas a monopólios naturais poderão ser privatizadas mas com muitos cuidados para evitar-se o abuso de poder e a perda dos objetivos sociais.
 A abertura do capital das estatais, o ajuste de seus estatutos de modo a valorizar os acionistas minoritários, a elaboração de contratos de concessão inteligentes e honestos, a participação eventual do governo como acionista minoritário, a implantação urgente de políticas tarifárias decentes e a racionalização dos programas sociais, a revisão da Leis das S.A. e a valorização do “Código de defesa do consumidor”, do Tribunal de Pequenas Causas, ajustes na Legislação Trabalhista e Previdenciária, vigilância na remessa de divisas para o exterior são algumas das condições necessárias para a privatização sensata e saudável ao Brasil.
Ao promover a privatização antes de torná-las empresas atrativas o governo recebe menos do que poderia obter. Muitas são empresas com excelente perfil, de grande valor potencial. Colocando-as em condições de maior estabilidade e lucratividade o valor crescerá bastante. Não fazê-lo é preocupante. De qualquer forma talvez o resultado final venha a ser muito melhor do que mantê-las na condição atual e de passado recente.



33. O que o governo federal tem feito


O Governo Federal privatizou o setor siderúrgico. Quanto arrecadou? qual foi o preço pago? como foi realizado o leilão de cada empresa? que argumentos o governo tem usado para a privatização?
Um dado marcante no processo de alienação do patrimônio público tem sido a crítica aos funcionários das estatais. O corporativismo e o sindicalismo dos trabalhadores brasileiros é pequeno se comparado ao de muitos países europeus. Lamentavelmente talvez essa tenha sido uma estratégia adotada para esconder a incompetência de nossos políticos na  gerência das estatais. O conflito entre os sindicatos e partidos esquerdistas contra a direita conservadora e o próprio governo foram excelentes para a condução obscura do processo. No debate ideológico as questões práticas foram mal analisadas. A legislação sobre as S.A. continua permitindo muita sujeira, o acionista minoritário tem pouca força, os projetos de cunho social e estratégico perdem-se, a vigilância política sadia confunde-se em questões de menor importância. A radicalização pouco inteligente é instrumento de ambições políticas. Lideranças que deveriam estar discutindo com isenção, profundidade e objetividade o aprimoramento de nossas instituições aparecem com bandeiras “históricas” e ultrapassadas. Bandeiras vencidas não por um processo de mudanças oportunistas mas pela demonstração no laboratório da vida. É bom o que funciona, o que dá bons resultados. Atentos ao histórico de nossas empresas teremos um espelho de nossa cultura. Isso não tem interessado nem ao Governo Federal, mais aplicado em projetos político partidários, nem à oposição, refém de discursos impensados e nocivos ao Brasil.
Infelizmente praticamente só a classe dominante tem tido acesso aos meios de comunicação. Vemos em nossos noticiários muito pouco do que deveria ser informado ao povo brasileiro. Para cada palavra a favor da visão socialista da nação vemos e ouvimos dezenas contra. O resultado tem sido a tolerância e a emocionalidade negativa ao que se deseja para o Brasil. Por quê sindicatos e associações de base popular não recebem concessões de rádio e televisão? A verdade preocupa! mas tudo também tem acontecido porque nossa população em sua ignorância e pobreza material e cultural tem aplaudido as decisões mais rudimentares. “A privatização é necessária porque os empregados das estatais ganham muito e tem boas aposentadorias”, essa expressão é facilmente ouvida em muitos lugares. Muitos esquecem que justamente as estatais acabam sendo referência de salários e benefícios, por isso incomodam seus empregadores. Não discutindo as verdadeiras motivações das privatizações assim como as boas razões para fazê-lo perdemos uma oportunidade histórica para corrigir os rumos  de nosso povo.
A preparação das empresas tem consistido em demissões e campanhas de desmoralização. O valor considerado para efeito de alienação é o contábil. Essa figura esdrúxula, criada para o cálculo de impostos, viabilizou a doação de grandes empresas. As consultoras não apontam o valor de oportunidade da exploração do serviço a longo prazo, ou melhor, o povo desconhece o que essas consultorias dizem em detalhes.
A instabilidade institucional, a grande vilã de nosso país, talvez tenha sido a principal responsável pelos baixos preços atingidos em muitos leilões realizados. A mistura “combate à inflação, reforma constitucional, pagamento de contas externas, imaturidade política e desonestidade generalizada” foi o veneno que degradou todo o processo.
Coloca-se a questão da privatização como sendo de urgência. A imprensa reclama ações espetaculares. De fato nosso povo está cansado de sofrer com uma crise econômica que parece não ter fim. No desespero acredita em qualquer coisa.
A Bolsa de Valores, espaço do pior e do melhor dinheiro internacional, precisa dessas oportunidades para especular, movimentar milhões de dólares no jogo da ambição e do ganho fácil.
Em torno do artigo 175 da Constituição Federal e a sua regulamentação tivemos as piores visões colocadas. Grandes líderes, representantes de estados em que suas estatais não apresentavam bom histórico e desempenho, defenderam mudanças rápidas e substanciais para o Setor Elétrico, talvez temendo a implosão de seus estados nas mãos de seus companheiros.
Infelizmente as decisões de Brasília valem para o Brasil. Corremos o risco de mudanças atabalhoadas e extremamente danosas ao Brasil. Aos lobistas dos eletrointensivos e “empresários predadores” não interessa o destino de nosso povo e sim a forma mais rápida de faturar. Assim vimos esforços dos eletrointensivos para se apoderarem dos melhores aproveitamentos energéticos, os tradicionais grupos econômicos querendo comprar usinas e empresas de energia com o dinheiro do BNDES ( ! ) e campanhas contra as fundações e outros benefícios dos empregados das estatais. Conseguiram muito na aprovação de uma regulamentação deplorável do artigo 175. O Congresso Nacional não é destaque de objetividade e responsabilidade, o resultado foi prejudicial ao país. É interessante a falta de atenção do Poder Executivo. Tendo proposto e conseguido a aprovação da Lei 8631 que estabelecia uma política tarifária decente em resultado da qual as ações das empresas de energia subiram a níveis excelentes na Bolsa de Valores, permitindo aí uma privatização inteligente e conveniente ao Brasil, teve seus efeitos destruídos pela ação emotiva do Presidente e enterrada na regulamentação do Plano Real. A Lei 8631, obra inspiradíssima do ex ministro Elizeu Rezende, permitia a desequalização tarifária e sua correção sobre custos demonstráveis ao DNAEE. Essa diferenciação de tarifas mostraria os diferentes padrões de qualidade e eficácia das empresas. Teríamos a verdade gerencial de muitos governos.
O Governo Federal não resiste ao intervencionismo. As tarifas de energia elétrica, resultado de muitos fatores, constituem-se em instrumento de demagogia e, quem sabe, de retribuição a contribuições de campanha. O resultado é a demolição de empresas extremamente importantes.
Outra questão discutível tem sido a decisão do Governo Federal de não defender suas empresas. Na regulamentação do SINTREL (decreto 1.009, de 22/12/93) a malha de transmissão de alta e extra alta tensão das concessionárias federais foi colocada à disposição do esquema de livre comercialização da energia elétrica a preços simbólicos. É lógico que o efeito é a perda de rentabilidade dessas empresas e a falta de recursos para ampliação do sistema. Como será o sistema dentro de dez anos? quem investirá? Cria-se um país de fantasias e querem que viabilize - se a realidade. Na forma estabelecida o SINTREL, a licitação e exploração de concessões de energia e muitas outras coisas beneficiam os estados mais ricos, em especial o triângulo Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Nesses estados, local de existência de grandes indústrias, a acessibilidade à energia é facilitada no momento em que seus recursos naturais aproximam-se do esgotamento. Até agora o quadro lhes era conveniente pois suas estatais tinham onde encontrar o que precisavam. O novo quadro abre as portas dos estados menos desenvolvidos aos interesses dos grandes. Afinal somos uma colônia  desses estados...
Para enterrar de vez as estatais o Governo Federal, através do Banco Central, impediu-as de contraírem empréstimos. A resolução 2008 do Banco Central tem sido um garrote vil em torno  de muitas obras. O discurso dos neo liberais é que existem muitas obras paradas. Pararam por falta de autorização para que as empresas contraíssem empréstimos necessários à conclusão, mesmo e principalmente junto ao BNDES. Assim e lembrando que a obra mais cara é aquela que não se termina criou-se o argumento  da incapacidade de conduzir um programa de construção de usinas. É terrível ver tanta má fé! O governo federal, a serviço dos piores interesses, destrói toda uma estrutura, que poderia estar servindo à nação e sendo instrumento de sua capitalização. E essa decisão do Banco Central tem afetado todas as estatais brasileiras, desde as de água e esgotos até as mais sofisticadas.
O artigo 175 da Constituição Federal tem sido uma excelente ferramenta dos detentores do poder federal contra as concessionárias. Aproveitando a falta de atenção dos dirigentes dessas empresas em 1988, aprovou-se como condição de concessão o processo licitatório sem maiores condições. Este artifício, extremamente bem intencionado, acabou sendo o pesadelo maior. Muitas companhias, tendo concessões vencidas, arriscam-se a perdê-las arbitrariamente. É óbvio que não vencerão uma licitação para mantê-las. Têm estruturas dimensionadas para grandes áreas, muitas com eletrificação rural, milhares de consumidores de baixa renda e créditos incobráveis ( prefeituras, repartições, empresas de água e esgotos, autoridades ). O resultado é a desvalorização e falta de competitividade. Exatamente no momento da privatização dá-se ênfase ao desmonte. Alguém é capaz de entender? A regulamentação do artigo 175 aconteceu com as leis 8.987/95 e, para o Setor Elétrico, com a Lei 9.074 e o Decreto 1717. Felizmente o radicalismo inicial deu lugar ao bom senso. A licitação de concessões vencidas ganhou tempo via aplicação do artigo 42, parágrafo 2. Assim as empresas ganham pelo menos dois anos para se prepararem a reconquistar suas áreas vencidas. O não estabelecimento de prazo máximo para licitação dá oportunidade a negociações políticas e  técnicas importantes. 
Sobre as empresas federais, principalmente, o golpe maior foi tirar-lhes concessões não exploradas. O argumento questionável foi de que não tiveram capacidade de concluir obras. Ainda bem que não o fizeram. Graças à péssima administração financeira do país quebramos no início da década de oitenta e estamos tendo dificuldades para ver o Brasil em condições razoáveis. Se essas usinas tivessem sido concluídas teriam representado um custo adicional elevadíssimo. Não haveria carga para elas. Nossa dívida teria crescido pois mais equipamentos teriam sido importados. Quanto ao crédito o próprio governo federal impediu que essas empresas tivessem acesso às fontes tradicionais de recursos, inclusive do BNDES.  De qualquer forma, entre concessões a empresas privadas e estatais, em abril de 1995 foram extintas 33 concessões, algumas outorgadas desde a década de trinta. Pela mesma legislação os titulares de concessões com dificuldades financeiras e apontando atrasos nos prazos de conclusão de suas obras receberam ordens para apresentar planos de conclusão de seus empreendimentos. O Ministério das Minas e Energia empenha-se na retomada do ritmo de investimentos, que agora devem, prioritariamente, serem assumidos pela iniciativa privada.
A resolução 2.008/93 reafirmou limitações severas ao crédito para empresas públicas, estatais e autarquias. Sem condições para captar recursos no Brasil e no exterior as empresas estatais estão abandonando projetos importantes. No passado, tarifas instáveis e normalmente baixas levaram o Setor Elétrico a uma condição precária e de endividamento crescente. Agora, diante de novas diretrizes, partem para transformações enormes. Esse  “jeitinho” brasileiro de mudar suas empresas merece os piores adjetivos. Algum dia saberemos com mais detalhes o que está acontecendo...
Decisões administrativas têm contribuído para criar um clima de terror e desesperança. Tudo é proibido. A imprensa alienada ou mal informada aproveita os “ganchos” para denegrir os funcionários do serviço público, das estatais e o próprio governo. Não viajar, baixar salários, degradar instalações, aposentadorias devem ser contidas e reduzidas e assim por diante, o objetivo é comparar essas equipes com aquelas que por incompetência de nossos legisladores e empresários vivem no limiar da miséria, jogando o povo contra as estatais.
O setor de energia é complexo, exige coordenação severa e competente, os projetos demandam boas equipes de análise, coordenação, operação e manutenção. A operação desmonte do governo Collor foi um desastre. Na irresponsabilidade brutal de seus mentores desfez-se equipes valiosas e colocou-se o Brasil na situação de baixa qualidade em que nos encontramos.
Todo esse processo infelizmente teve também argumentos poderosos a favor dos piores detratores da administração pública. Denúncias de corrupções gigantescas nunca foram devidamente apuradas. A incompetência de alguns também contribuiu para a degradação das empresas. A pior foi dar partida a um programa de obras no início da década de oitenta muito acima do recomendável. Previsões excessivamente otimistas ou convenientes a certos ministros e grupos econômicos geraram compromissos, que se tornaram impagáveis com a quebra do país junto aos banqueiros internacionais. Infelizmente esses irresponsáveis, com o dinheiro que “ganharam” na época, agora posam de moralistas e críticos do estado. Eles o conhecem bem...
A reserva de mercado, a favor de empresas e empresários, que temiam a concorrência internacional, foi outro pesadelo nesses últimos quinze anos. Enquanto o Mundo civilizado disparava tecnologicamente, o Brasil pisou no freio. Ficamos reféns da indolência, incompetência e desonestidade de grandes empresas. A informática, por exemplo, inacessível pelo seu custo e pouco recomendável pela má qualidade do produto “made in Brazil”, fez muita falta. Deixamos de implantar técnicas de trabalho modernas porque simplesmente faltava-nos ferramentas adequadas. Nas concorrências os cartéis “faziam a festa”. Os preços hiper faturados não eram percebidos pois faziam parte do histórico das obras  nacionais. Agravando tudo vivemos um longo período de inflação elevadíssima.  As mudanças aceleradas de preços confundiam a maioria dos observadores. Comparar preços como? quando? com que moeda? e o custo financeiro? e os custos administrativos pela necessidade de cálculos diários? Tudo isso pesou sobre a imagem das estatais. O resultado foi agora estarmos desmoralizados. Sem acesso aos melhores recursos tecnológicos, obrigados por lei a utilizar prioritariamente ferramentas e equipamentos fabricados no Brasil, as empresas públicas não puderam apresentar os mesmos resultados de empresas equivalentes estrangeiras. Qualquer componente ou aparelho com características mais sofisticadas demandava anos de burocracia para ter a guia de importação aprovada. Quando  chegava ao Brasil já estava desatualizado ou não era mais necessário. Os custos administrativos eram e ainda são enormes.
E os sindicatos? entidades corporativas mostraram bem sua natureza egoísta. Um grande erro tem sido classificá-los de esquerdistas. O correto teria sido designá-los de egocêntricos, expressões corporativas de uma categoria. Não pela natureza mas pelo que têm mostrado ser. Sindicatos de trabalhadores e patrões são iguais em caráter. Uns utilizam a técnica masoquista, de serem “vítimas”, outros o poder do dinheiro. Refletem a vontade daqueles que participam de assembléias e quem as conhece sabe como têm a capacidade de reunir os piores interesses de certos grupos de trabalhadores. As decisões mostraram com muito sofrimento para a própria população o que representa o poder nas mãos de pessoas irresponsáveis.  E os desvios administrativos das empresas?  Os problemas denunciados pela imprensa, neste aspecto sensacional, têm sido mostrados principalmente por algum herói anônimo. É raro ver uma central sindical atuando em benefício do povo, do bom desempenho do país.  Os desvios técnicos e morais que desmoralizaram as estatais poderiam ter sido evitados. Tudo isso poderia ter sido denunciado, impedido se os próprios funcionários das estatais tivessem tido coragem de posicionar-se contra as extravagâncias governamentais. Mas não foi o que aconteceu. Movimentos, greves e manifestos, com raras exceções, só por salários e outros privilégios da própria categoria. É importante registrar que os sindicatos não têm sido nem melhores nem piores do que qualquer outra entidade de classe. Eles refletem a natureza humana. As prioridades começam muito claramente nos interesses individuais aumentando a cada círculo de contorno do indivíduo. A família, a rua, o bairro, o sindicato, o clube e daí por diante...
Basicamente o Governo Federal prepara o Setor Elétrico para a privatização. Aumentou substancialmente as tarifas dos consumidores de baixa renda, imobilizou suas estatais, continua com programas de terceirização de serviços, lança alguns editais para a construção de novas usinas e, para completar, deveria estar preparando a população para o racionamento de energia elétrica. Talvez percebendo sua marcha lenta queira agora acelerar a construção do gasoduto Brasil / Bolívia pois termoelétricas a gás podem ser instaladas a curtíssimo prazo. Deveria acelerar também a ampliação da interligação elétrica com a Argentina. Seria uma forma de se obter maior confiabilidade e energia.


34. Imperialismo interno


A ocupação do território que viria a ser o Brasil foi feita sem qualquer respeito aos povos nativos. Os portugueses criaram aqui uma grande colônia inteiramente dedicada às necessidades de além mar. Nossa futura pátria não podia desenvolver qualquer atividade que contrariasse os interesses de seus patrões, Portugal e Inglaterra. Principalmente após a atuação dos inconfidentes mineiros fomos proibidos de tudo o que pudesse despertar qualquer idéia autonomista. Grande parte de nosso povo, acostumado à escravidão e ao absolutismo da corte portuguesa, aceitava essa condição normalmente.
As guerras napoleônicas empurraram a família real para sua colônia americana. Aqui os portugueses coroados se instalaram no Rio de Janeiro, consolidando uma liderança geográfica até hoje sensível, apesar de enfraquecida. A cidade de São Sebastião do Rio de janeiro teve ajustes importantes por ordem de Don João VI, criando um padrão cultural e político superior. O Brasil ganhava uma base para se consolidar como nação independente.
Nos anos em que estiveram escondidos de Napoleão, precisaram desenvolver uma base mínima, que estimulou o espírito libertário. A independência veio nas mãos de D. Pedro I e o Brasil formou-se como um império. Era propriedade por graça divina da família de Orleans e Bragança. Em torno da Corte criou-se o espírito servil de muitos e autoritário daqueles poucos que se julgavam donos do Brasil. Como é próprio de monarquias, pessoas e terras eram divididas entre dignatários do Poder que assim dispunham das riquezas desse país continente. Os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro eram a base territorial e cultural desse domínio. Em volta deles o Brasil consolidou-se com as dimensões atuais. Fora desse triângulo o poder reduzia-se deliberadamente. Não havia interesse da Coroa em criar dissidências perigosas. Em um ambiente de maior liberdade provavelmente nossa terra teria sido dividida em vários outros países. As diferenças eram e continuam sendo muito grandes.
O Tratado de Tordesilhas, a agressividade das florestas tropicais e de seus habitantes naturais, os conflitos de fronteira e a vocação marítima dos portugueses também influíram muito para fixação no litoral. As qualidades da região em torno do Rio de janeiro somaram-se a tudo o mais para sua condição hegemônica. A autoridade política dos monarcas precisava de uma base forte e centralizada.
A monarquia criava um espírito de aceitação ao comando do rei sem estimular polêmicas filosóficas como os direitos das províncias pois até os cidadãos “pertenciam” ao monarca. Mesmo assim tivemos, entre outras, a Revolução Farroupilha, que por pouco não teve um desfecho separatista. A proclamação da República não mudou essa situação. Bizarramente ela, em nome da liberdade, veio um ano e meio depois da Lei Áurea, principalmente como uma vingança das oligarquias à libertação dos escravos. Ao redor de alguns idealistas caímos em outras formas de dominação e servilismo. A princípio, nas lutas contra levantes monarquistas, federalistas ou simplesmente separatistas, tivemos a imposição à mão de ferro do poder central. A base do domínio das elites paulistas, mineiras e cariocas consolidava-se na formação de um novo Brasil.
O cinismo dessas oligarquias gerou a bico de pena a famosa “República do Café com Leite”. Naturalmente revoltas aconteceram e terminaram por colocar no poder um gaúcho, que até hoje mora no coração de muitos brasileiros, Getúlio Vargas. Seu governo impôs-se por seus méritos pessoais, culminando, infelizmente, com a ditadura do Estado Novo. Getúlio procurou inibir os regionalismos forçando o respeito ao governo central e ao ideal de uma pátria única, sem bandeiras regionais, estaduais ou municipais. Sua administração coincidiu com um período difícil da história da humanidade e, lamentavelmente, deixou-se levar pelos ideais fascistas. Foi, contudo, um período de governo com uma visão mais brasileira e menos regionalista. Em muitos momentos, contudo, teve de ceder à pressão das oligarquias dos estados mais fortes.
Os períodos democráticos têm reforçado o poder dos estados mais organizados e fortes.
Após 1946 vimos as lideranças SRM (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) assumirem o comando político e administrativo do Brasil. No período de 1946 a 1964 tivemos uma grande influência dos ideais americanos, do New Deal de Franklin Delano Roosewelt. A estratégia norte americana para resistir ao comunismo era o desenvolvimento com o apoio de programas como a Aliança para o Progresso e créditos via EXIMBANK, BID e BIRD. Os planos de desenvolvimento, com o apoio desses bancos e outras formas de crédito deram uma base importante a nosso país. Engenheiros, economistas, planejadores da região Sudeste souberam aproveitar bem essa época, promovendo grandes investimentos na região. No resto do Brasil teve-se muito pouco do que foi distribuído, talvez muito mais por incapacidade de seus líderes do que pela esperteza do pessoal em torno de nossa capital federal. O grande impulsor dessa fase foi JK. Mineiro, tinha suas referências nas Alterosas e de lá trouxe seus principais auxiliares, que souberam muito bem tirar partido dessa liderança política.
O crescimento das esquerdas com sua base gaúcha no Poder (João Goulart) levou ao movimento de 1964. Mesmo no regime militar e com presidentes externos a essa área, os grandes ministérios acabavam nas mãos diretas ou indiretas dos políticos e técnicos da Região Sudeste. Os grandes planos de desenvolvimento atendiam com especial carinho a essa Região. O programa siderúrgico, a indústria automobilística, grande parte da petroquímica, os pólos tecnológicos ficaram entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Sul do Brasil foi uma região desprezada pelos planejadores, atendida residualmente. O Nordeste usou mal sua SUDENE. A Região Norte precisaria de outros tipos de investimentos de modo a conciliar suas condições ambientais aos padrões de geração de empregos modernos. O projeto Carajás, bem mais tarde, um dos melhores que o Brasil já produziu, veio de alguma forma compensar os muitos erros que aconteceram e persistem em algumas áreas. O Centro Oeste engatinha, carecendo de um grande plano estratégico.
A Constituição Federal de 1988 e seus ajustes e reformas têm mostrado a influência e competência do time SRM e das novas diretrizes norte americanas. Nota-se que tudo favorece a concentração de investimentos nesses três estados e, externamente, a abertura para os capitais estrangeiros.
Ao entregar à União o poder de dispor dos recursos naturais, ao entregar aos burocratas de Brasília poder de vida ou morte sobre todos os aspectos de nossa economia, os estados perderam autonomia em questões vitais ao seu desenvolvimento.
Com a dimensão política que Região Sudeste possui naturalmente, acaba ocupando cargos importantes nas estatais federais. O resultado é que, por exemplo, o Sul do Brasil fica distante dos gasodutos, com estradas e portos em péssimo estado, vendo seus recursos energéticos sendo gastos para atender o Sudeste, enfim, um retorno ridículo em relação à sua contribuição ao Brasil. Podemos dizer o mesmo em relação a outras regiões brasileiras. O estado da Bahia, por exemplo, é um grande exportador de energia. Petróleo e energia elétrica tem saído daquele estado em benefício da União. Ainda conta com divisas do cacau ao turismo, muito bem aproveitadas para a importação de produtos de interesse do resto do Brasil. No Paraná encontraremos Itaipu gerando uma fábula de energia para a Região Sudeste e deixando uma receita ridícula neste estado, além dos problemas sociais e ecológicos criados pelo alagamento de seu reservatório e imensas favelas como herança da obra.
Lamentavelmente em muitos estados os seus melhores governadores, na ambição de se elegerem presidentes da República, omitem-se nas lutas em defesa dos direitos de seus eleitores. Um exemplo flagrante de falta de atenção foi a alteração do artigo 25 da nossa última Constituição Federal. Governadores, deputados e senadores tiraram dos estados um dos poucos poderes que possuíam, ou seja, o monopólio sobre a distribuição local de gás canalizado. O resultado é que a Petrobrás recuou em seu empenho para participar e atender esses estados.
A regulamentação do artigo 175 não teve o empenho das lideranças estaduais em valorizar suas terras de origem. Os artigos 20 e 21 deveriam ser motivo de mobilização forte de modo a se compensar as perdas acumuladas.
Os processos de “parceria” e privatização de usinas propostos pelo governo federal favorecem a entrada de empresas distantes da região produtora. O SINTREL, apresentando custos simbólicos para a transmissão de energia a longa distância, facilita o uso dessa energia nas grandes regiões consumidoras. Os estados em desenvolvimento perdem este trunfo para o seu desenvolvimento.
A seção III da nossa Carta Magna merece atenção especial. A isenção estabelecida pelo artigo 155 da Constituição Federal é uma demonstração inequívoca da falta de atenção das lideranças dos estados produtores de energia e menos desenvolvidos. Ao estabelecer que não incidirá ICMS “sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica” tira dessas unidades da Federação o poder de estabelecer uma recompensa justa pelo uso de seus recursos naturais ( os “royalties” são uma compensação irrisória, diante do que representaria o ICMS ). Paralelamente permite a cobrança sobre o consumo final, premiando os estados consumidores em detrimento dos produtores, inibindo qualquer interesse na racionalização do uso da energia. Sempre é bom lembrar que as regiões mais desenvolvidas são as grandes gastadoras. Esta condição tende só a aumentar a receita de impostos dos estados mais fortes enquanto os demais, exaurindo seus recursos energéticos, pouco terão ganho com a mobilização de seus potenciais a favor dos mais ricos.
Assim diversos fatores importantes para o estímulo à descentralização econômica do Brasil vão sendo perdidos.
O império da Região Sudeste acontece também de forma muito sutil. A Petrobrás, por exemplo, tem sido um instrumento servil nesse ambiente. Para o Sul do Brasil vemos essa empresa movimentar-se com uma lentidão impressionante. O gás tem faltado na base industrial da região enquanto sobra até para os carros de passeio do Sudeste. Essa visão da “matriz energética” do governo federal não é questionada, é aceita passivamente. Esta região perde indústrias por deficiências de infra-estrutura de responsabilidade da União
O subdesenvolvimento de imensas regiões brasileiras deve-se a essa concentração de atenção. O Governo Federal alega não ter dinheiro que sobra para socorrer as estatais da Região Sudeste. O caso BANESPA é impressionante. Discretamente o Estado de São Paulo conquista um crédito de mais de seis bilhões de dólares enquanto o resto do país clama por investimentos urgentes.
O comportamento das estatais paulistas é uma demonstração inequívoca de uso do poder político de forma injusta e arbitrária. Não respeitam leis, não cumprem acordos que lhes prejudiquem, agem dentro de uma forma lamentável e prejudicial aos demais estados. No setor elétrico vemos, em reuniões de toda espécie, o bairrismo e o ufanismo paulista prejudicando trabalhos importantes. A visão corporativa radical e a já cultura de rebeldia inviabiliza qualquer processo de saneamento das empresas de energia elétrica. Nunca a espada de Dâmocles teve um correspondente tão óbvio quanto as canetas e cabeças daquele estado. Infelizmente muitos dirigentes na área federal dependem da simpatia desse pessoal e o resultado é uma luta inglória pela normalização das relações setoriais.
Nesse quadro a privatização é uma esperança de mudança de diretrizes. Os grandes empresários não estarão preocupados com planos políticos eventuais e sim com a lucratividade de suas companhias. Certamente lutarão para derrubar barreiras a esse propósito. Estarão mais atentos às regiões que atenderem pois, ganhas as concessões, poderão concentrar-se em suas finalidades. Sabem que a satisfação de seus clientes será vital ao sucesso. Principalmente as empresas de energia elétrica e de telecomunicações poderão integrar-se formando com outras indústrias pólos de desenvolvimento das regiões que atenderem. Aos empresários deverá ocorrer a preocupação de maximização da utilização de recursos humanos e oportunidades de outros investimentos, aproveitando o grande mercado cativo que terão com suas empresas concessionárias.
Na situação existente até agora qualquer regulamentação só tem significado se atender os interesses dos governantes dos estados mais poderosos. Temos visto  desrespeito sistemático a decisões e acordos importantes. Não temos uma Justiça neutra. Ela é ineficaz e espaço para discursos, teses e processos que não terminam nunca, tornando-se absolutamente ineficaz contra os mais fortes. A criação de empresas concessionárias privadas separará o poder político de grandes poderes econômicos representados pelas empresas de energia. Elas serão mais frágeis. Terão necessidade de uma boa convivência com outras empresas e com o Poder Concedente. Não terão exércitos de policiais a defendê-las.
O poder do governo central é importante para manter unida a nação brasileira, é ruim quando instrumento de exploração.
Concluindo, acreditamos que a privatização, sendo feita de forma competente, contribuirá para a diminuição do poder econômico e administrativo dos grandes estados, viabilizando a formação de outros grandes conglomerados industriais e de serviços.



35. Cuidados importantes no processo de privatização


A irreversibilidade do processo privatizante neste momento da história política e econômica é uma realidade sensível. Lutar contra este movimento não evitará sua realização. Analisando tudo o que aconteceu em estados considerados desenvolvidos, chega-se à conclusão que dificilmente uma privatização honesta e inteligente dará piores resultados que os obtidos no Brasil em muitas de suas empresas estatais nesses últimos anos. Um povo precisa evoluir politicamente e atingir certos níveis de cultura para ter capacidade de se governar. A miséria intelectual e moral de nossas elites políticas não as recomendam para o controle de empresas tão poderosas como o são muitas estatais. Com a privatização viveremos ambientes mais severos de cobrança de resultados. De um lado o governo fiscalizando e tendo mais autoridade para exigir qualidade nos serviços. Do outro assembléias de acionistas querendo seriedade e competência. O povo poderá aproveitar melhor a poupança acumulada durante anos em projetos importantes ao seu desenvolvimento. Outras estatais poderão surgir para o desenvolvimento de serviços pioneiros. O estado deve continuar a ser empreendedor. É mau empresário, não é bom administrador mas existem áreas de atuação importantes que não despertam interesse de investidores.
Um aspecto importante na privatização será ter-se maior estabilidade e continuidade administrativa nas empresas concessionárias. Com projetos normalmente de longo prazo de maturação, precisam de coerência ao longo dos anos para terem sucesso em seus empreendimentos. O custo de capital é elevado. Atrasos em obras têm transformado excelentes projetos em pesadelos contábeis. Temos casos de equipamentos caríssimos e complexos permanecerem por muitos anos em almoxarifados (Angra dos Reis, Ferrovia do Aço, Candiota entre outros), aguardando o dia da instalação, quando não apodrecendo nos locais de destino sem serem energizados por falta de detalhes finais de obra. Nossos governos têm tido a suprema capacidade de desprezarem obras importantes porque foram iniciadas por seus adversários políticos. Na área de energia elétrica há diversos canteiros parados por efeito de omissão criminosa de nossas “autoridades”. Infelizmente esses casos, que deveriam ser motivo de processos criminais, pouco mais que notícias esporádicas geram em nossos noticiários.
Em companhias de administração privada os efeitos das variações políticas na gerência de pessoal são desprezíveis. O funcionário tem que estar sintonizado à visão política e administrativa dos executivos de suas companhias, indicados pelos maiores acionistas, que têm prazos diferentes e normalmente maiores que os estabelecidos pela legislação eleitoral.
Há vantagens e desvantagens na comparação entre existir dentro ou fora do ambiente de uma estatal. Na migração de uma condição para outra algo se perde e ganha. Toda transformação gera incertezas e riscos nem sempre desprezíveis. No caso brasileiro, de uma maneira especial, tivemos experiências duras no setor metalúrgico.
Apesar de todo o impulso a favor da privatização deve-se cuidar para que tudo aconteça com diversos cuidados. Uma concessão tem muito valor. Ela oferece ao concessionário uma oportunidade de trabalho com lucro garantido, sem grandes riscos, se for competente.
O transporte coletivo é um bom exemplo da mina de ouro que certas concessões representam. Pessoas hábeis politicamente conquistam direitos de exploração, que se eternizam enriquecendo seus detentores. A qualidade dos serviços e seus custos são, via de regra, camuflados, fazendo com que o usuário desses serviços pague mais por menos. Administrados através de controles sobre a opinião pública, o povo muitas vezes acaba pagando muito mais do que seria o necessário para a utilização daquele serviço. Assim é importante analisar o prazo de concessão e os termos de rescisão. No caso do Setor de Energia Elétrica o DNAEE terá capacidade legal e política para cassar a concessão de uma grande empresa de energia elétrica? Será que esse órgão instalado em Brasília tem competência técnica para fiscalizar a prestação desse serviço em todo o território nacional?
Quanto mais próximo do eleitor estiverem os responsáveis pelas concessionárias mais eficaz será a pressão por melhores serviços. A presença de entidades normativas e fiscalizadoras próximas contribui para melhores resultados. Um bom exemplo é o ambiente nos estados. Quando uma empresa estadual tem mal desempenho ela contribui para a derrota dos candidatos governistas. Já a nível federal fica difícil o povo associar o mau serviço à Brasília. Quantas pessoas mudam seus votos para presidente da República pela situação de nossos portos e rodovias federais?
O povo precisa exercer o seu poder democrático de impedir a continuidade das más equipes administradoras. Assim cobrar-se-á qualidade nas urnas. É impossível imaginar algo mais democrático, apesar de todas as falhas de nossas frágeis instituições. Junto ao processo de privatização há necessidade de politização da nação e o aprimoramento de sua cultura social.
O valor do direito de exploração de um serviço público precisa ser discutido à exaustão. Não apenas no Congresso mas em bares, grupos de amigos, salões e assembléias de cidadãos independentes. O Brasil é um grande país que já errou muito. Não podemos viver eternamente um clima de improvisação e de projetos mal conduzidos. Não podemos nos submeter a Constituições provisórias, a medidas provisórias e a filosofias transitórias. Precisamos construir uma base sólida para o nosso desenvolvimento sustentado. Agora temos a oportunidade de levantar recursos importantes ao sucesso de nosso país. A alienação das estatais dará um fôlego importante principalmente aos estados. Parece que a União prefere gastar o que arrecada no pagamento de juros especulativos...Os estados, contudo, poderão obter recursos para a recuperação de estradas, portos, escolas e hospitais, entre outras áreas degradadas. A reforma agrária poderá encontrar aí a grande oportunidade de deslanchar.
A privatização deverá ser monitorada e os recursos obtidos canalizados para serviços e projetos importantes ao saneamento do Brasil. Isto também exige atenção para o valor das empresas públicas. E a opinião pública é vital à formação de preços. Sindicatos, associações, clubes de serviço deverão empenhar-se na divulgação de informações que não costumam ter destaque na grande mídia nacional. Qual o valor de uma Vale do Rio Doce? se depender dos investidores, agora, nada. Quanto mais desmoralizada, desvalorizada, mais facilmente será comprada. Somos vendedores. Queremos obter recursos importantes ao desenvolvimento do Brasil. Como acreditar em análises de compradores? Com toda a competência e honestidade possível deveremos conhecer nossas estatais. Sem a intenção de inviabilizar o processo precisamos estabelecer parâmetros. A avaliação do patrimônio, prazos de concessão, dívidas e créditos, patrimônio intelectual e potencial de maior aproveitamento de recursos humanos e materiais têm que ser estimados e apresentados a investidores.
Antes de vender a primeira ação é importante estabelecer-se uma estratégia de sustentação e, se possível, valorização. O ideal é anunciar logo o interesse em privatizar. A partir daí as negociações para a maximização dos benefícios. Infelizmente preconceitos e medos impedem muitos governantes a dizê-lo claramente. Anunciando a determinação em deixar de ser o maior acionista de uma estatal, o governo estará aumentando, e muito, o valor de suas ações. É vital uma mídia positiva forte. Vemos, ao contrário, governantes dizendo que privatizarão porque as empresas não prestam. Desvalorizam seu patrimônio antes de transformá-lo em dinheiro. Nosso Brasil merece figurar nas piadas e não outras nações como tão saborosamente contam os gozadores em mesas de bar.
A dimensão do Setor Elétrico é gigantesca. O gráfico a seguir mostra esta situação em termos econômicos com informações entregues pelo DNAEE.
Neste gráfico podemos concluir que o processo de venda das ações das estatais de energia elétrica do Brasil poderá render muito dinheiro ao nosso povo. Tudo dependerá da habilidade em fazê-lo. Um processo mal conduzido significará a doação de um patrimônio imenso. É importante não ter pressa, aproveitando-se períodos positivos de mercado será possível atingir níveis interessantes a nosso povo.
A venda dessas empresas a grupos estrangeiros significará a remessa de lucros a volumes gigantescos. O ideal será distribuir esse patrimônio entre nosso povo através de um padrão de poupança vinculado às ações das estatais. Se as estatais forem vendidas a grupos estrangeiros voltaremos a ter as preocupações do início do século, quando o aumento de tarifas significava pressão por mais divisas. A contenção tarifária levou à estagnação das empresas. Assim ou elas serão vendidas a valores compensadores ou será melhor deixá-las como estão.


Dados Econômicos das Concessionárias Brasileiras



O Brasil é um grande território para investimentos saudáveis. Somos um país continente. Nosso povo é trabalhador, humilde, disciplinado. “Aqui em se plantando tudo dá”, essa frase de nosso primeiro escriba vale para tudo. Com a privatização criaremos espaços importantes ao desenvolvimento de capitais necessários à vitalização de nossa economia como um todo. Fugindo das amarrações criadas sobre as estatais, transformando-as em parte de complexos industriais, o Brasil ganhará potencial de produção, ambientes de melhor utilização de nosso potencial tecnológico. Os acionistas terão a oportunidade de unir empresas formando nossos “keiretsus”. O empregado da estatal poderá mostrar toda a sua competência e ser remunerado sem as limitações “burras” do serviço público. Os mais produtivos poderão ser tratados diferenciadamente, premiando-se o esforço e competência. Os menos afeitos ao trabalho terão que mudar comportamentos ou procurar outros espaços de sobrevivência.
Os trabalhadores das empresas públicas deverão lutar pela mudança de imagens. Criou-se o discurso da incompetência e da desonestidade. Políticos oportunistas, para esconder suas piores decisões nas oportunidades de exercício do Poder, acusam os profissionais das estatais das falhas de sus empresas. A grande mídia os apelidou de “marajás”, parasitas etc. Não merecem esses adjetivos. Devem mostrar que estão errados. Tomando a iniciativa a favor da privatização mostrarão que não a temem. Ao contrário, ganharão à medida que puderem mostrar aos futuros acionistas o valor de suas equipes.
É importante no processo de privatização que essas empresas tenham administrações profissionais e submetidas à legislação existente. Os concursos públicos de admissão, a vigilância ao respeito do direito das mulheres, a tolerância religiosa e política, a aceitação dos direitos do trabalhador exigirão a fiscalização de todos aqueles capazes de defender o ser humano empregado. O respeito aos direitos do trabalhador deverão fazer parte destacada dos contratos de concessão e o não cumprimento desta condição constituir-se em crime grave, sujeito à cassação de concessão. Não podemos perder esse espaço democrático de trabalho que é, atualmente,  constituído pelas empresas públicas.
O patrulhamento ideológico em muitos países exclui das oportunidades de trabalho pessoas que têm a coragem de se manifestarem com teses contrárias aos interesses das elites. Na privatização acordos de acionistas são importantes para que se estabeleçam regras saudáveis de convivência entre patrões e trabalhadores.
Principalmente nas estatais clássicas (energia, telecomunicações, transporte, água e saneamento) o estado deverá reter um volume de ações que lhe permita representação a nível de diretoria e conselho de administração. Essa presença será muito útil na inibição de decisões lesivas ao interesse público. A vontade popular é testada nas eleições, no prestígio de dirigentes políticos. Assim eles têm a preocupação de respeitá-la e não deverão fugir à responsabilidade de máxima vigilância sobre suas concessionárias. Acreditar que órgãos distantes poderão fazê-lo é iludir-se. A nossa realidade tem mostrado a fragilidade dessas repartições públicas.
Não podemos esquecer que o maior investidor pode e deve ser o povo brasileiro. O governo deveria estar estimulando a criação de fundos de pensão para a formação de bases para aposentadoria decente de todos aqueles, que pretendessem algo além do que oferece o governo. A criação de entidades investidoras geraria a base para a transformação do acionista compulsório, resultado da existência de empresas estatais, em acionistas voluntários, resultado da aplicação de poupanças em empresas de interesse público. Seria importante, contudo, evitar-se os desastres criminosos que foram os montepios ditos militares. CAPEMI, Montepio da Família Militar e outros representaram alguns dos maiores golpes contra a economia popular brasileira. Estranhamente esses crimes caíram no esquecimento. Com leis mais específicas e severas e fiscalização intensa poderíamos criar no Brasil o que existe em todo o Mundo civilizado, ou seja, instituições de previdência privada sadias e responsáveis por volumes de investimento gigantescos. Sendo entidades que investem para retorno tão seguro quanto possível e a longo prazo, não tendo por prioridade os investimentos mais lucrativos e de alto risco, poderiam participar do processo de privatização valorizando-o e mantendo no Brasil divisas importantes.
Para maximização dos lucros com a privatização, não se deverá permitir que aconteça fragmentando-se as empresas existentes. Elas têm grande valor em seu conjunto. Algumas partes valerão mais se isoladas mas o soma dos valores dessas partes, com certeza, será menor do que o possível de arrecadar pela privatização das empresas em sua forma maior. Não podemos esquecer que o isolamento das piores partes significará a sustentação delas pelo povo após a privatização pois nenhum investidor terá interesse nelas. No Setor Elétrico temos a eletrificação rural, os consumidores de baixa renda e outros que poderão vir a ser objeto de atenção de futuras empresas inviáveis. O serviço prestado pelas atuais concessionárias estatais deverá ser mantido pelo menos com o padrão atual. Não tem sentido imaginar que alguns consumidores sairão penalizados. A privatização deverá ser instrumento de aprimoramento, de melhoria de serviços e não o contrário. Para os funcionários das estatais este cuidado também é importante. Contribuíram durante anos para o sucesso de suas empresas. Trabalharam, arriscaram suas vidas, afastaram-se de suas famílias para a construção, manutenção e operação de usinas, subestações e linhas de transmissão. Não seria justo agora verem suas bases ruírem, suas fundações desaparecerem no desmonte de empresas que, muitas delas, souberam honrar a confiança adquirida.
As fundações de previdência construídas pelas estatais merecem considerações específicas. Em algumas os benefícios estabelecidos são insustentáveis dentro de uma visão liberal e honesta. O padrão de respeito a um funcionário tem limites. O melhor está em colocá-lo dentro de um nível de equivalência a uma média de tratamento prestado por empresas semelhantes a nível internacional. Se olharmos o Brasil poderíamos levantar os benefícios prestados por grandes empresas privadas existentes aqui. De qualquer modo há casos absurdos em que a contribuição do funcionário durante sua vida ativa era simbólica em relação aos benefícios estabelecidos quando de sua aposentadoria. É uma questão grave e que, certamente, exigirá atitudes drásticas na moralização dessas companhias. A nível internacional as fundações dão garantias de uma aposentadoria digna e são suporte para a vitalização do mercado acionário, contribuindo com recursos importantes à atividade econômica desses países. Os países nórdicos mereceriam ser imitados. Lá a propriedade de grandes empresas é pulverizada entre milhares de acionistas e as fundações são parte importante nesse processo que lhes dá estabilidade e sucesso. No Brasil precisaríamos ter uma proposta de normalização dessa questão. Os trabalhadores deveriam tomar a iniciativa de estudar e propor soluções honestas e inteligentes para a previdência privada, complementar à oficial (INSS).
O principal objeto de respeito no processo de privatização das estatais tem que ser o povo brasileiro. A honestidade impõe-se pois foi com muito sacrifício do cidadão comum que se desenvolveu esse patrimônio gigantesco. O operário, trabalhador rural, o funcionário público, o pequeno empresário, todos viram seus rendimentos aviltados para que o país pudesse exportar alimentos e importar máquinas. Dizia-se ser necessário primeiro crescer para depois promover-se a distribuição de renda. A nação encontra-se esgotada por décadas desse esforço que privilegiou parte da população. A má distribuição de renda e a recessão tornaram grande parte de nossa população indigente.
Todas as discussões sobre nossas instituições devem ter como propósito o enriquecimento de todos, sem exceções odiosas. Com a privatização governos municipais, estaduais e o federal terão recursos para alavancar uma nova fase de progresso, de trabalho. Principalmente os governadores poderão cumprir suas promessas de campanha. O grande risco será o desperdício desse patrimônio. Haverá necessidade de grande vigilância cívica.
Precisamos entender que a condição “estatal” é circunstancial. Democraticamente eleito o governo tem autoridade para utilizar os investimentos feitos em suas estatais em setores com maior significado social. Compreendendo essa condição todos deveriam estar conformados com decisões radicais, desde que honestas e sensatas. O funcionário de uma estatal, diante dessa realidade, deve trabalhar para que os processos de ajuste aconteçam de forma competente, respeitando-se direitos e deveres.
Basicamente devemos entender que é muito diferente transferir o controle acionário de indústrias. A privatização de siderúrgicas, refinarias, minas e petroleiros, tendo problemas, significarão a necessidade de busca de alternativas, importação ou recomeço de empresas. A falha em serviços essenciais reflete-se em prejuízos imediatos a todos os seus usuários. Uma empresa de energia elétrica não pode parar. Qualquer degradação em seus serviços causará muitos e imprevisíveis prejuízos. Não é brincadeira entregar grandes usinas a empresários acostumados a lidar com fábricas ou bancos.
Nossa pior falha é a inoperância de nossa Justiça. Não podendo contar com a ação no domínio das leis, o que o povo fará se for mal atendido?


36. A privatização selvagem e o desmonte das estatais


Certas lideranças têm defendido a privatização radical, intempestiva. Ouvimos e vemos suas manifestações, mostrando-se revoltados diante da cautela do Governo Federal. A elas parece que o Brasil será destruído se as empresas públicas não passarem imediatamente para o controle privado. Muitos desses políticos e empresários fizeram fortunas gigantescas com o dinheiro público, principalmente durante o longo período de reserva de mercado. Aproveitando-se da ingenuidade de muitos de nossos líderes usaram de forma criminosa o direito de não ter concorrentes. Agora querem comprar as empresas que lhes deram tanta riqueza.
Grandes grupos empresariais organizaram-se formando cartéis poderosíssimos. Dominam a mídia e tudo o mais. Têm dinheiro para comprar consciências. Nosso povo, em sua miséria, reage ao gosto dos especialistas em marketing, muito bem pagos pelos poderosos. Esses grupos lutam contra alguns descuidos do passado, como, por exemplo, a propaganda política gratuita no rádio e televisão. Correm o risco de ouvirem coisas que não lhes interessam. Surpreendentemente os partidos mais à esquerda têm se mostrado muito pequenos diante das grandes questões nacionais. Alinhados com corporações mostram que na política tem-se apenas lutas pelo poder e jogos de interesses bem mesquinhos.
O cenário técnico e jurídico existente até há pouco era próprio a empresas concessionárias sob controle forte e sem concorrentes. Os instrumentos de vigilância e controle de tarifas estavam ajustados a um país com poucas e grandes concessionárias, tarifas administradas e  ausência de órgãos de defesa do consumidor. A privatização e a multiplicação de empresas exigirá alterações, no Setor Elétrico, em órgãos como o DNAEE, ELETROBRÁS, GCOI, GCPS, CODI, CCON e outros. A estrutura, normas e atribuições deverão ser ajustadas ao novo modelo.
Nosso sistema é em grande parte interligado. As usinas hidroelétricas foram construídas sobre rios importantes. Grandes barragens precisam de operação coordenada, manutenções e inspeções severas. O rompimento de uma barragem poderá causar a morte de milhares de pessoas. Em alguns casos o risco estende-se aos países vizinhos. O rompimento de uma barragem como a de Furnas poderá levar de roldão até Itaipu. Convém pensar na importância, no significado de um acidente destas proporções. A malha de transmissão é enorme, uma linha dependendo da outra para que o sistema como um todo tenha um bom desempenho. As subestações, se tiverem acidentes maiores, deixarão cidade inteiras no escuro por muito tempo. A recessão impediu investimentos a favor da confiabilidade. A qualidade operacional tem sido mantida graças a trabalhos pesados de equipes altamente treinadas. A falta de investimentos é sensível até em áreas de grande responsabilidade. Não podemos esquecer a crescente dependência da energia elétrica. As grandes cidades inviabilizam-se em poucos dias de falta contínua de energia elétrica. O serviço de águas e esgotos, a sinalização de trânsito, elevadores, a iluminação pública e comunicação são alguns lembretes da alta dependência dessas companhias. Os riscos existem e são grandes. Elas não poderão correr riscos de descontinuidade técnica e operacional.
Os planos de incentivo a aposentadorias desfalcaram o serviço público, faltando técnicos experientes para a reconstrução institucional do Setor Energético. Valeria a pena verificar com muita atenção quem está sendo contratado para fazer os serviços, que antes eram executados internamente às empresas, e qual o custo desses contratos.
Tudo recomenda prudência. A energia mais cara é aquela que faltar sem aviso. Ninguém garante que os futuros concessionários agirão com prudência. Poderão aproveitar-se de poderes os mais diversos para fazerem fortunas a curto prazo e depois, candidamente, devolverem suas empresas ao governo alegando incapacidade financeira, tarifas irreais ou qualquer outra coisa. Interrupções desta espécie poderão condenar grandes regiões brasileiras ao atraso. A única vigilância confiável será a do próprio consumidor. Há necessidade de uma grande e permanente campanha de esclarecimento a todos os brasileiros de seus direitos e de como deve proceder para garanti-los. A privatização transfere muitas responsabilidades ao cidadão comum. A nação brasileira precisa ser preparada para essa responsabilidade. Isso significa não aceitar processos acelerados de alienação das estatais.
As crises mexicana e argentina, aliadas aos problemas brasileiros, fizeram com que as ações das estatais desses países caíssem muito. O Brasil tem base para se recuperar, consolidando um cenário de maior confiabilidade para os investidores. As reformas constitucionais, terminando por ajustar o país a um quadro de maior seriedade e realismo, farão com que as ações se valorizem. A privatização agora só se justifica em casos extremos. Estados falidos ou declaradamente incompetentes só lucrarão se entregarem à iniciativa privada suas estatais, dificilmente ficarão piores do que estão. Terão recursos para pagar suas contas e deixarão de administrar empresas que não mereceram possuir. Já os estados em melhor situação financeira e com melhor histórico administrativo deverão aguardar momentos melhores para iniciar o processo de venda das ações de suas estatais. Nesse processo o ideal é definir um preço mínimo de alienação, a contratação de uma corretora competente e o estabelecimento de um plano inteligente de aplicação dos recursos a serem obtidos. Sem pressa há a expectativa de bons negócios a médio prazo.
Infelizmente as propostas indecorosas não se limitam à privatização acelerada. Aproveitando o clima de confusão criado em torno das teses privatizantes alguns governos poderão estar degradando suas empresas públicas. Mostrando programas alternativos de participação da iniciativa privada, estariam pagando dívidas de campanha abrindo as portas de suas estatais a associações nocivas aos interesses do estado. Com o suporte de uma mídia cativa estariam entregando o ouro aos bandidos debaixo dos olhos do contribuinte alienado. Percebe-se alguns casos extremamente graves de avanço sobre as empresas públicas. Bons projetos, os mais rentáveis, com a aquiescência do poder político e a falta de atenção do povo estariam sendo entregues a grupos privados sem uma compensação razoável.
Empresas estão sendo criadas em paralelo às existentes de modo a que estas novas entidades apropriem-se sem grande esforço do acervo técnico desenvolvido durante muitos anos e a altos custos para o consumidor. Em tese assim estaria acontecendo a formação de serviços concorrentes, trazendo a tão desejada competição. O que não é justo é ver-se esta transferência de recursos de forma camuflada, sem um debate público, sem o esclarecimento à população do que poder-se-á ganhar ou perder com este processo. Com o poder que possuem, censuram a imprensa, envolvem políticos e impõem suas negociatas.
Nosso povo está carente de lideranças que o defendam. Grandes líderes do passado recente mostram sinais de decadência cívica. Quando muito usam bandeiras antigas apenas para a conquista de simpatias, esquecendo discursos e propostas de um mundo melhor. Evidentemente não se pretende deles a defesa burra de utopias mas, pelo menos, uma demonstração de idealismo a favor do povo, lutando para que as transformações sejam honestas e produtivas.
O egoísmo não é privilégio dos mais ricos. A falta de preocupação sadia com a população é uma conseqüência de uma educação precária que aflige a nação brasileira. Agora, com a privatização surge a oportunidade de uma transformação com inúmeros benefícios a todos. É um processo que deveria estar na mente de todos, em todas as discussões, ser assunto de debates objetivos e profundos. A omissão, contudo, é a regra. O risco que corremos é ter um retorno pífio dessa poupança gigantesca que é o patrimônio das estatais.
Precisamos criar instrumentos de participação popular na compra das ações das empresas hoje estatais. Principalmente as fundações de previdência deveriam ser estimuladas a participar do processo. Outras deveriam ser criadas com trabalhadores e empresários das cidades e do campo de modo a que viessem participar da construção do Brasil. Criaríamos assim um sistema previdenciário paralelo e matematicamente visível. O INSS está longe de oferecer a garantia que procura oferecer. Maus governos podem destruir o sistema previdenciário oficial, deixando toda a população desamparada. A quase falência do sistema público de aposentadorias vem desta condução eminentemente política do INSS. A falência dos montepios dito militares foi, talvez, o maior golpe contra a economia popular brasileira na história recente. Com as lições aprendidas poder-se-ia criar uma legislação e órgãos de fiscalização que viabilizassem a previdência privada.
Tudo isso leva tempo e muito trabalho técnico e político. Isso significa que a privatização açodada é um grande risco à nossa população. Paralelamente deve-se cuidar para se evitar o assalto a essas empresas. Muitos governos, mancomunados com grupos econômicos fortes, poderão promover a degradação das estatais, deixando-as, ao final do processo com os piores serviços e transmitindo silenciosamente, sem custos, imensos acervos técnicos e recursos materiais sob a desculpa da parceria, da associação que sempre houve sob outras camuflagens entre o estado e as empresas privadas brasileiras. O antigo modelo aparece sob a desculpa de certas parcerias, ou seja, a privatização do lucro e a estatização do prejuízo. Principalmente aqueles que dizem ser contra a privatização poderão estar promovendo o desmonte de suas estatais dessa forma.
O cidadão comum não tem dinheiro para fazer lobbie. Ele é poderá ser a principal vítima do processo de privatização se essa transformação for mal feita. As tarifas subirão, o serviço piorará e o poder político de certos grandes grupos econômicos crescerá substancialmente. Ele não deve esquecer que as estatais forma construídas com o trabalho dele e de todos os brasileiros. Elas pertencem ao povo e ao serem vendidas deverão render o suficiente para compensar o enfraquecimento político da nação, à medida que ela vier a ser dominada pelos grandes empresários, muito acima das leis do cidadão comum.
A privatização , diante do que constatamos, é necessária na maioria dos estados brasileiros. Noutros poderá constituir-se em excelente negócio à medida que for instrumento de obtenção de recursos para projetos mais importantes. Há necessidade, contudo, de muitos cuidados para não vir a ser um imenso golpe contra a nação.
O essencial é termos atenção para não sermos logrados e não corrermos riscos evitáveis. Principalmente o Setor Elétrico possui muitas fragilidades e uma imensa responsabilidade. Há que ser cauteloso mas com diretrizes claras para não haver desvios desnecessários.




37. Extratos da Constituição Federal


            37.1 Artigos constitucionais relativos à exploração de energia elétrica


Artigo 20. São bens da União:
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

Artigo 21. Compete à União:
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos

Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios:
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

Artigo 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósitos, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à comercialização de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
# 2. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
X - não incidirá:
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis  líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;

Artigo 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem com as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.

Artigo 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
# 1. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
# 2. Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.

Artigo 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art.62;

Artigo 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas  delas decorrentes.



            37.2 Conclusões sobre a Constituição Federal


1. A União tem o poder de legislar soberanamente sobre a exploração dos serviços de energia elétrica.

2. Apesar do artigo 21 da Constituição Federal mencionar a necessidade de articulação com os Estados na exploração energética dos cursos de água, não acrescenta mais detalhes a respeito. Este artigo da C.F. deveria ser regulamentado.

3.  O poder da União na área energética é reafirmado em diversos artigos da C.F..

4.  A única forma de pressionar a União na exploração dos recursos naturais é na gerência das Secretarias de Meio Ambiente dos estados. Pressionando através das licenças necessárias, poder-se-á obter vantagens a respeito.

5.  O ideal seria emendar a C.F., transferindo para os Estados o direito de legislar sobre os serviços de distribuição de energia elétrica.

6. A Constituição Federal remete para a lei comum os deveres do Poder Concedente para com as empresas concessionárias.  O respeito à lei federal 8631 seria suficiente à recuperação das concessionárias de energia elétrica. A falta de disciplina do governo perante uma política tarifária é danosa a toda concessionária de serviço público. O mais assustador é verificar a tendência do Presidente a editar medidas provisórias, sempre que entender haver algum problema maior. O Plano real foi um bom exemplo. Em sua edição a lei 8631 perdeu sua eficácia ao impedir os ajustes tarifários tão esperados.

7.  O principal efeito é colocar os recursos naturais existentes nos estados, que compõem a União, a serviço daqueles com maior poder político e econômico. Esse efeito é sensível no estabelecimento do SINTREL e na regulamentação do artigo 175 da Constituição Federal assim como na regulamentação do Produtor Independente.

8.  O emprego abusivo de medidas provisórias sem maior reação do Congresso e da Justiça cria um clima de insegurança, que deve assustar os investidores.


38. Capitalização das empresas de energia


A análise do desempenho das empresas concessionárias de energia mostra que dois fatores contribuíram para a degradação delas em diversas épocas de nossa história. Tanto as estatais quanto as empresas privadas tiveram retrocessos por falta de recursos para a expansão e para a manutenção de suas instalações. A descontinuidade de recursos é um problema grave para as companhias de energia e termina sendo um pesadelo para os consumidores. Não podemos esquecer o problema econômico e social representado pela falta de energia elétrica, principalmente em grandes centros urbanos e industriais.
O gráfico a seguir, com dados fornecidos pelo DNAEE, mostra que alguns ajustes no Setor Elétrico poderiam gerar somas fabulosas, necessárias à ampliação de serviços e de qualidade.

Gráfico mostrando desempenho das Concessionárias entre 1993 e 1995



A continuidade de serviços com qualidade é uma questão de segurança nacional e todos os cuidados deverão ser tomados para que as transformações institucionais aumentem a confiabilidade dos serviços e não os seus riscos. Precisamos introduzir o risco empresarial mas não permitir a degradação das concessionárias sob a desculpa ideológica da liberdade empresarial. Tem-se agora a oportunidade de um salto qualitativo. Tivemos experiências as mais diversas. Precisamos aproveitá-las para o bem de nosso povo. O governo federal e os estaduais poderiam compensar aumentos de custos com a redução de impostos não aplicáveis ao Setor (muito pouco provável).
As companhias de energia estatais têm um compromisso de grande conveniência política que é não pararem, não deixarem de atender consumidores e respeitarem a população de modo geral. Assim seus executivos conduzem programas de obras independentemente de haver ou não remuneração adequada a seus investimentos. A qualidade, cobrada politicamente, apresenta-se sem contrapartidas. As estatais desenvolvem seus programas de eletrificação até com rentabilidade negativa pois as urnas não perdoam. É uma situação ruim porque esconde problemas. O dinheiro acaba saindo de algum lugar, normalmente do bolso do contribuinte que vê seus governos deslocando verbas para suas empresas, abandonando programas mais prioritários e menos visíveis.
A principal forma de capitalização de uma empresa é pela justa remuneração de seus serviços e produtos. Na área energética acrescente-se que o exercício de tarifas a preços muito baixos leva ao desperdício, o que não é conveniente sob qualquer aspecto. A produção e mesmo o consumo de energia criam problemas ecológicos e ambientais já muito sensíveis diante da dimensão atingida pela civilização humana. A educação conservacionista e mesmo a inibição compulsória do uso da energia impõe-se pela responsabilidade social de todos.
O exercício de tarifas justas é fundamental à atração de investidores. A demagogia tem que ser contida. A melhor forma de fazê-lo seria desenvolver jurisprudência e leis severas contra a veiculação de notícias mentirosas. O judiciário eficaz sobre leis justas é o principal instrumento de desenvolvimento de uma sociedade civilizada. Tarifas corretamente dimensionadas atenderão condições de mercado financeiro. Inexistindo ou rareando os financiamento haverá necessidade de se retirar da receita operacional os recursos para novos investimentos, manutenção do sistema etc. Não pode haver ilusões. Não se faz milagres.
Os gráficos apresentados a seguir dão uma idéia de como as tarifas têm se comportado a nível mundial. Note-se que após um período de elevações tiveram uma redução de custos, talvez pela necessidade de seus países terem competitividade nas suas indústrias, redução de custos gerais e mudanças estruturais. Os dados mundiais são extraídos da “Power Plants Technology & Maintenance, jan/feb 1996 “. Sem indicações da carga fiscal. As tarifas mais baixas estão nos países de geração abundante e hidroelétrica
O gráfico de tarifas mundiais para a indústria não mostra o efeito da cobrança de demanda, o que aumenta substancialmente o seu valor dependendo de horário e local. De qualquer forma fica evidente que as tarifas brasileiras não são as menores para os consumidores residenciais. Maior retorno poderá ser obtido em outras faixas de consumidores, o que deve ser ponderado pelos futuros investidores.
As tarifas brasileiras são de final de 1995 e início de 1996. Deverão aumentar em termos reais dentro da política governamental de redução de “subsídios”.

Gráfico apresentando tarifas residenciais em diversos países




Gráfico apresentando tarifas industriais, sem demanda, em diversos países

Gráfico apresentando tarifas residenciais em diversos estados brasileiros

Com a desestatização espera-se a reabertura dos créditos a baixo custo. Eles serão essenciais à expansão de serviços e aumento de qualidade. Os banqueiros terão maiores garantias do que emprestando para governos. Sobre as empresas privadas poderão exercer seus direitos de cobrança. Contra estados e nações não existem leis. A inadimplência tornou-se um padrão nos negócios com os países do Terceiro Mundo. Desculpas morais sempre existiram para dar aos devedores aspectos de vítimas. Seus povos acabaram pagando, e muito duramente, este tipo de comportamento. BID, BIRD, EXIMBANK e outros equivalentes terão um espaço imenso de aplicações no Brasil se suas estatais forem privatizadas. Os bloqueios via Banco Central e a retração dos grandes bancos internacionais inviabilizaram as empresas estatais mais do que qualquer outra atitude. A corrupção, a irresponsabilidade e a incompetência deram os argumentos para essas decisões.
No passado tivemos excelentes resultados com os impostos dedicados e fundos específicos para investimentos. No setor elétrico, leis estaduais permitiram a capitalização constante de suas empresas de energia. A nível federal o Imposto Único sobre Energia Elétrica foi criado pela Constituição Federal de 1946 e a aplicação desses recursos operacionalizada pela criação em 31 de agosto de 1954, Lei 2.308, do Fundo Federal de Eletrificação, gerido a partir de novembro de 1956 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, BNDE, criado em 1952. Eles permitiram a realização de grandes projetos e deram ao setor elétrico uma relativa tranqüilidade. Agora podemos observar os efeitos do FINEL. Principalmente as empresas menos rentáveis e com necessidade de grandes expansões, o dinheiro a taxas privilegiadas e com prazos de carência grandes são a única esperança de desenvolvimento.
Existindo recursos vinculados, as coisas têm que acontecer. Os desvios de verbas podem ocorrer mas são crimes administrativos, com todos os riscos decorrentes do delito.
Esses recursos captados sobre a tarifa, sendo federais, colocam nas mãos da União decidir onde serão aplicados. Tem sido uma forma de evitar desvios mas também de manifestação de prioridades político-partidárias. Os estados mais poderosos têm mais chances de obter esses capitais enquanto os menores politicamente batalham para conseguir quirelas. Os grandes estados têm se recusado a pagar, quando o imposto não reverte integralmente em benefício deles.
Precisamos gerar capacidade de investimentos nas unidades federadas. O ICMS, cobrado sobre a energia elétrica, não é dedicado ao setor. Há espaço para a geração de uma taxa sobre o consumo de energia para aplicação exclusiva como investimento nas empresas de energia. Esse tributo seria compulsoriamente aplicado na formação de capital das concessionárias de atuação no estado. Assim teríamos a garantia de capitalização das empresas de energia dedicadas à distribuição, forçando os acionistas a contribuições semelhantes diante do risco de se tornarem minoritários ao longo do tempo. Dois por cento da receita bruta de energia seria o suficiente para sustentar um programa permanente de expansão dos serviços distribuição ou de investimentos para aumento de qualidade. Essas ações formariam um fundo bloqueado, só podendo ser negociado após dez ou quinze anos e na proporção da entrada dos capitais. Note-se que a posse de ações preferenciais dá direito a seu proprietário de renda garantida, sob risco de poder transformar suas ações em ordinárias se a empresa não lhe pagar dividendos por três anos sucessivos. Uma situação como essa evitaria longas e custosas ações judiciais se a concessionária viesse a ser omissa em suas obrigações. Sem alardes legais o estado gradativamente voltaria a ser o maior acionista na falta dos demais. Evidentemente algumas leis teriam que ser ajustadas a essa condição mas valeria a pena procurar-se algo parecido para assegurar-se a nível estadual e federal a expansão dos serviços de distribuição de energia elétrica. Esse dinheiro poderia, inclusive, sair do próprio ICMS através de leis estaduais e acordos de acionistas, quando da privatização
Os estatutos das empresas de energia e as planilhas DNAEE para concessão de tarifas precisam estabelecer parâmetros rígidos para aplicação em manutenção. Um grande erro administrativo é penalizar a manutenção de equipamentos e instalações em períodos de aperto financeiro. Privatizando-se as concessionárias, elas terão liberdade para ajustarem suas despesas de modo a que não falte dinheiro para atividades essenciais. Esses recursos, contudo, sob pena de cassação de concessão, deverão ter aplicação extremamente vigiada.
Muito da degradação das concessionárias vem da absoluta ignorância de executivos empossados por efeito de favores políticos. Precisamos tornar os Conselhos de Administração mais atuantes. O número de membros do CAD precisa ser maior, seus componentes precisam ter experiência e cultura mínimas atestadas e as reuniões deveriam ser públicas. As assembléias de acionistas e as reuniões dos Conselhos de Administração deveriam, salvo em assuntos de segurança nacional, ser acessíveis, na qualidade de ouvintes, a qualquer cidadão atendido pela concessionária. O povo precisa ter segurança e conhecimento das decisões que afetam suas vidas. Assim a aplicação de recursos, os planos de investimentos e políticas estratégicas gradativamente seriam do conhecimento daqueles cidadãos mais atentos às questões públicas.
Além da criação e manutenção de impostos vinculados seria importante dar a essas empresas mais liberdade de captação de recursos no exterior. Sentimos que o Banco Central e o Ministério da Fazenda tem tido critérios no mínimo discutíveis para a liberação de operações de interesse dos estados menos importantes. Sensíveis a conveniências brasilienses atrapalham mais do que ajudam. O governo federal tem que parar de atrapalhar.
Dentro de um ambiente de serviços privatizados o risco maior é dos empresários. Ao governo deve caber a vigilância sobre os padrões mínimos exigíveis em cada serviço. Evidentemente se o processo envolver aval da União, aí haverá necessidade de muita cautela pois normalmente na área energética os valores envolvidos são enormes.
Outro instrumento de captação de recursos poderá ser a aplicação compulsória de parte dos recursos dos fundos de previdência com atuação no Brasil em ações das concessionárias de energia. As empresas de energia elétrica são companhias de retorno a longo prazo mas muito seguras, saudáveis até, se comparadas com a grande maioria de nossas empresas privadas. Evidentemente para isso todas deverão ter ações em bolsa de valores, serem de capital aberto. A abertura de capital é muito importante para a transparência dessas empresas.
Nossos legisladores deveriam dedicar-se a definir formas de aplicação compulsória de recursos em atividades essenciais. O orçamento de cidades, estados e da União não pode continuar livre para deleite do executivo.
Fundamentalmente o poder político, representando os interesses da nação, não poderá ser ingênuo. A privatização deverá ser acompanhada de instrumentos de retomada de gerência estatal, sempre que a iniciativa privada não for capaz de atender as necessidades essenciais, vinculadas ao objeto da concessão. Vimos e vemos os debates ideológicos, doutrinários. Acima de tudo o Brasil e seu povo precisam ser pragmáticos, como o foram nas décadas de cinqüenta a sessenta, quando as grandes empresas estatais foram formadas diante da incapacidade das concessionárias privadas atenderem a demanda de energia. O governo é mau gerente, tem dificuldades de atingir altos graus de eficácia. As empresas privadas também estão sujeitas a más gerências.
O setor energético, à semelhança do militar, apesar de todos os seus defeitos é essencial. Uma falha no desenvolvimento dessa área estrutural comprometerá tudo.


39. Gerência energética


Com a privatização das empresas de energia torna-se vital aos estados a existência de um órgão sob comando político para a administração energética. Impõe-se, assim, a criação de uma Secretaria de Energia (SE) em cada unidade da federação ou algo equivalente.
Esta Secretaria atuaria principalmente como gerenciadora dos recursos para apoio aos programas estratégicos. Eletrificação rural e atendimento a consumidores de baixa renda são áreas de atuação deficitária, exigindo subsídios. O sistema de transmissão e transformação de energia poderá atender conveniências de desenvolvimento, fugindo a critérios de custo e benefício diretos. Serviços públicos são eternos problemas, cobrando muitas vezes recursos extra tarifários para serem mantidos. O governo deverá ter verbas orçamentárias para dar suporte a esses programas em convênio com as concessionárias de energia elétrica. Uma grande vantagem desta matemática é tornar transparentes muitos custos ocultos na grande contabilidade de uma empresa de energia. Isto será saudável à educação de nosso povo, tão crente em milagres.
Uma segunda aplicação de uma SE seria o desenvolvimento e manutenção de uma equipe de fiscais, de técnicos equipados e treinados para analisar o desempenho das concessionárias de energia. O consumidor comum, o pequeno empresário e até as entidades públicas desconhecem seus direitos. Mesmo conhecendo-os existe a dificuldade de avaliá-los. Nesse sentido uma SE, fora da esfera de influência da concessionária, será um grande ganho em relação à situação atual. Sendo o governo o maior responsável pela gerência das empresas de energia elétrica, ele procura inibir qualquer ação legal em defesa do povo contra as companhias de energia. Até os órgãos de defesa do consumidor têm comandos indicados pelo próprio governo.
Os estados e até as grandes cidades tendo órgãos para fiscalização técnica, o DNAEE permaneceria como fórum de último recurso. O cidadão comum teria, além disto, os muitos caminhos da Justiça Comum. Um time bem treinado e equipado, especialista em ensaios e medidas, lado a lado com especialistas em direitos e deveres do consumidor, poderia ser muito útil.
No acordo de acionistas entre o governo estadual e os futuros comandantes, ao vender o controle acionário da concessionária, o governo deverá estabelecer contratualmente formas de vigilância de custos e qualidade. A análise de planilhas será importantíssimo para se evitar abusos. Principalmente nos países do Terceiro Mundo os grandes grupos econômicos costumam abusar. Sabem da fragilidade da população, de como é fácil enganá-la. Sempre dentro de uma lógica de custos e benefícios o poder político deverá estar atento aos serviços das empresas de energia. Não esquecendo que a qualidade tem custo, que a relação é exponencial, há elementos matemáticos e de engenharia para definir e controlar o padrão de serviço oferecido.
Devemos lembrar que as empresas de gás, petróleo (gasolina, diesel, álcool, querosene e outros derivados combustíveis), carvão, lenha e eletricidade são empresas de energia, não apenas as de eletricidade. Todas elas precisam ter maior controle técnico em nosso país. Os abusos são freqüentes e só não chamam mais atenção pela ignorância de nosso povo e também diante da descrença na efetividade de nossa Justiça. Em cima do serviço das concessionárias há muito que ser vigiado. Além dos custos a questão confiabilidade, segurança, estabilidade de tensão e freqüência são itens a serem monitorados. O documento legal a ser estabelecido, em complementação às exigências ridículas a nível de DNAEE, as cidades e estados deverão acrescentar itens importantes de avaliação das empresas de energia. Não é assunto para principiantes mas há cultura técnica para defini-los.
No processo de privatização haverá necessidade de muita competência e racionalidade para que a transferência de controle acionário das estatais não elimine um problema e crie outros. Até a década de cinqüenta o Brasil viveu pesadelos na área de energia elétrica em seus maiores centros industriais. Imensas regiões brasileiras não se desenvolveram por absoluta falta de energia. Todo o cuidado deverá ser tomado para que as empresas de eletricidade não se transformem em companhias distantes dos objetivos para que foram criadas.
Uma deficiência gravíssima no quadro institucional brasileiro é a ausência de uma entidade que defenda, planeje, proponha soluções de racionalização energética. Uma SE deverá ser parte obrigatória dos grupos de planejamento urbano, econômico e todos aqueles que tiverem efeitos sobre o consumo de energia. O Brasil é o país do desperdício. Detalhes que poderiam inibir o desperdício são ignorados. O carro velho paga menos impostos, consumindo muito mais combustíveis que o possível dentro de uma técnica moderna. O preço da gasolina foi reduzido, estimulando seu consumo sem maiores cuidados. As indústrias têm até redução de preço no consumo de energia elétrica, sem qualquer penalização pelo mau uso, exceto o aumento linear da conta. O horário de verão é ridículo , quando aplicado em regiões acima de São Paulo. Os horários de indústrias, escolas, repartições públicas, comércio etc não é planejado e coordenado de modo a ter-se ganhos energéticos. No  Brasil perdeu-se sensibilidade para o planejamento. Anos sucessivos de crise econômica desmobilizaram inteligências.
Nas escolas de engenharia e arquitetura o ensino de técnicas de racionalização energética deverá ser matéria obrigatória. Nos graus menores o uso com inteligência de qualquer produto deverá ser instilado nos jovens e crianças. As próximas gerações serão obrigadas a saber economizar água, luz, combustíveis e tudo aquilo que contribuir para degradar o meio ambiente. Além disso esses recursos tendem a ser mais caros, raros e agressivos.
Nossos especialistas deveriam somar as áreas cobertas por canaviais e reservatórios, acrescentando a esse número as áreas cobertas por asfalto, estacionamentos e tudo o mais exigido para a produção de energia e pelos equipamentos que a consomem. Só o que é gasto para o uso de automóveis já representaria um número assustador. Isso seria importante para termos idéia de quanto já degradamos o meio ambiente na preocupação de produzir energia e quanto usamos para dispor, por exemplo, de veículos de transporte individual.
Não podemos esquecer que a questão energética só tende a agravar-se, com períodos de tréguas enganosas. A questão ambiental, a ecologia e a própria escassez crescente de fontes de baixo custo forçarão a adoção de técnicas conservacionistas.
A produção de energia elétrica é agressiva ao meio ambiente. Se for através de hidroelétricas, demandará a construção de barragens. A quantidade de florestas sob águas de barragens no Brasil já é significativa. Os melhores aproveitamentos já foram feitos. As próximas usinas tendem a ser piores, mais caras. As termoelétricas, qualquer que seja a técnica empregada, contribuem para a degradação atmosférica. As termonucleares são bombas atômicas em potencial. O uso de combustíveis líquidos agride diretamente narizes e ouvidos. Tudo isso recomenda que se tenha disciplina e máxima racionalidade em tudo que exigir energia, em todas as suas formas.
Com a Secretaria de Energia e a privatização das empresas de energia elétrica o governo retoma seu papel normativo e de vigilância. Não comprometido com a parte executiva, terá mais liberdade para cobrar resultados.
O novo estado brasileiro deverá ser baseado em um judiciário eficaz, ágil e que seja capaz de resolver as grandes e pequenas questões de conflito de interesses entre empresas concessionárias, monopolistas por natureza, e seus clientes, consumidores muitas vezes extremamente frágeis, humildes. Em paralelo ao processo de privatização o Poder Judiciário deveria ser motivo de intenso trabalho de aprimoramento.



Opiniões ao longo do tempo





40. Perguntas e respostas


1- A privatização é válida?
Sim. Desde que honesta e feita de forma competente.

2- Quando a privatização é conveniente?
Quando o estado precisa de dinheiro e o preço de alienação compensar.

3- Quem deve privatizar?
Principalmente o estado falido e/ou incompetente.

4- Quando privatizar?
Ao se ter consciência da incapacidade de se obter melhores resultados na situação estatal e na convicção de se conseguir melhor desempenho privatizando.

5- Como saber disso?
Verificando o fluxo de divisas, restrições burocráticas severas, incompreensão popular das razões políticas, degradação corporativa, excesso de ingerência política.

6- Como privatizar?
De modo a obter-se o máximo de recursos para o Tesouro e garantir-se a continuidade e qualidade dos serviços a custos razoáveis. Abrindo o capital das empresas, pulverizando o controle acionário, ajustando estatutos e órgãos de normalização técnica e vigilância. Operacionalizando o “Código de defesa do consumidor”.

7- Quanto privatizar?
Se possível, tudo exceto a PETROBRÁS.

8-  Por quê?
O povo, através de seus representantes, é mau gerente  e a privatização poderá render dezenas de bilhões de dólares extremamente úteis à saúde, educação e desenvolvimento do Brasil. Esse é um fato constatado a nível mundial, levando a maioria dos países a privatizar suas empresas estatais.

9- Como valorizar as estatais?
Criando-se um ambiente de estabilidade e garantias de respeito às empresas.

10- O que se perde de mais importante na privatização?
Um espaço de empregos sem preconceitos e o domínio sobre programas de cunho social, além de soberania sobre muitas empresas e serviços.

11- Qual a prioridade para privatização entre setores?
Considerando a necessidade de divisas o Brasil deveria iniciar seu processo pela Vale do Rio Doce e continuar com a área petroquímica. A estabilização e ajustes institucionais valorizarão as empresas concessionárias e de serviços públicos. Por isso seria importante não privatizá-las a qualquer preço.

12- O que definir publicamente antes da privatização de empresas concessionárias?
Os contratos de concessão e os estatutos das empresas.

13- Que leis deveriam ser modernizadas  antes do processo de privatização?
A “Lei das Sociedades Anônimas” e as relativas à responsabilidade civil.

14- A PETROBRÁS produtora de petróleo deve ser privatizada?
Não. É uma empresa de valor estratégico incalculável com áreas de exploração politicamente sensíveis aos interesses das grandes potências.

15. O que será necessário ao desenvolvimento pacífico da privatização?
Competência, honestidade, seriedade e transparência.

16. O que os trabalhadores deveriam fazer imediatamente?
Iniciar um grande fundo de participação nas estatais, comprando, na medida do possível e de forma organizada, as ações das estatais. Estabelecer um processo de discussão objetiva da privatização de cada estatal.

17. O setor energético está pronto para ser privatizado?
Não.

18. O que falta às empresas para serem vendidas?
Política tarifária realista e efetiva, ajuste em estatutos, normalização das concessões, abertura de capital, novas regras operacionais, política de expansão do sistema.



41. Conclusões


As estatais brasileiras merecem respeito. Em sua grande maioria cumpriram suas finalidades, tiraram o Brasil do impasse em que se encontrava há meio século. Volta Redonda, a CHESF , FURNAS, Petrobrás e Vale do Rio Doce são marcos de nossa história. O desenvolvimento industrial brasileiro só aconteceu porque teve o suporte dessas empresas.  Outras companhias surgiram, entre elas vimos no Paraná a COPEL, TELEPAR, SANEPAR e BANESTADO cumprirem com extrema competência os programas e metas colocados em seus programas de trabalho.
O desempenho das estatais paranaenses mostra que estados, que tiveram a felicidade de terem bons governadores, hoje podem mostrar suas empresas como companhias competentes e respeitadas. Essa situação é a confirmação de que a condição de serem empresas públicas não lhes impediu de serem eficazes.
Infelizmente a legislação gradativamente transformou-se em um garrote sobre as empresas de capital misto. Na origem submetidas a uma legislação semelhante a de qualquer empresa privada, agora vivem sob controles e regras típicas da administração direta, tornando-as lentas e ineficazes, se comparadas com empresas privadas similares. As estatais são obrigadas a longos processos burocráticos na esperança de torná-las mais seguras diante dos corruptores e corruptos. Simplesmente perdem eficácia sem impedir os esquemas tradicionais de envolvimento.
A democracia teve um efeito pernicioso sobre a administração do serviço público. Diversas “conquistas” na Constituição Federal de 1988 e práticas demagógicas quebraram os estados e a União. Diante de evidências da impossibilidade de continuar dentro do modelo estabelecido em 1988, o governo federal propôs-se a mudanças na Constituição Federal. A União e muitos estados brasileiros, principalmente em conseqüência da incompetência administrativa, estão falidos ou concordatários.  Precisam de dinheiro para acertar contas antigas. Têm dificuldades para pagar os compromissos mais elementares. Evidentemente os desmandos de governos anteriores recaem sobre os dirigentes atuais. O povo acostumou-se a ver milagres. Quer obras, salários, serviços. Sob esta pressão é natural que procurem recursos. O mais lógico, até diante da irresponsabilidade de seus antecessores, com grandes chances de voltarem ao poder, é privatizar tudo o que for possível para evitarem a degradação maior dessas entidades privatizáveis e conseguirem recursos para realizarem pelo menos parte de suas promessas.

Gráfico mostrando diagrama de questões / decisões

 


Estamos, assim, em processo de ajustes institucionais, econômicos e financeiros e os governos precisando alienar empresas para poderem atender os programas prioritários.
As estatais podem ser privatizadas. Sendo concessões estão sujeitas a controles e contratos onde o produto delas poderá ser bem definido e vigiado. O aprimoramento da Justiça, necessário sob diversos aspectos, permitirá a aplicação eficaz de leis de proteção ao consumidor e de cobrança de responsabilidade civil. Este é um requisito urgente no aprimoramento do estado.
Com a transformação do Setor Elétrico em uma área de negócios convencionais, teremos o conflito sadio entre empresários preocupados com a lucratividade de suas concessionárias e os interesses estratégicos de governo e população. Esse relacionamento dialético terá por efeito a racionalização e moralização do Setor, afastando-o de ambientes degradados pelo poder arbitrário de governos irresponsáveis.
Existe também o argumento da oportunidade de negócios, de saneamento de contas públicas. Muitos estados da federação encontram-se em situação deplorável. Precisam de recursos com urgência para recuperar estradas, hospitais, escolas, serviços de saneamento e distribuição de água. A privatização permitirá aos governadores se concentrarem nos programas básicos e tirará das costas deles empresas complexas, normalmente muito distantes das culturas desses líderes políticos. O desafio de administrar a super empresa que é um estado é tarefa muito complexa, sendo natural os problemas vistos.
A privatização poderá ser a solução de muitas questões à medida que servir como instrumento de levantamento de recursos para projetos prioritários e liberar as concessionárias do quadro legal específico existente. Sob administração privada poderão integrar-se a indústrias, darem suporte à pesquisa e usarem os recursos mais modernos da tecnologia, sem as restrições temperamentais do ambiente político estatal.
O bloqueio creditício desaparecerá e, ao contrário, contará com o apoio programático e ideológico dos grandes banqueiros. Com o capital aberto e ações em bolsa haverá possibilidade de captação de recursos sem as eternas suspeitas contra as empresas públicas.
Os contratos de concessão deverão ser feitos com cláusulas severas de proteção ao consumidor e sem inibir a capitalização dessas empresas. De alguma forma elas deverão ser protegidas da demagogia barata e demolidora. Qualquer empresa precisa dar lucro, dividendos, do contrário não terá investidores. O ideal será atrair o poupador comum, o cidadão brasileiro, levando-o a aplicar suas economias nessas empresas. Assim ele terá razões para não lamentar os níveis tarifários elevados, absolutamente necessários para cobrir os custos operacionais, os investimentos, a distribuição de dividendos e, a parte do leão, pagar a imensa carga tributária.
Órgãos de regulamentação e fiscalização federais não funcionam adequadamente. Estão muito distantes do Brasil e muito perto de Brasília, onde estão sujeitos a lobbies poderosos. Essas entidades deverão ser mantidas como entidades de recurso final e de controle dos grandes sistemas, de interesse regional ou internacional. Os estados devem ter autonomia para regulamentarem os serviços de distribuição de energia. A definição de suas tarifas é questão estratégica, parte de planos de desenvolvimento e justiça social. A geração e transporte de energia de efeito predominante em suas áreas de concessão é problema a ser decidido no estado e não em Brasília ou Rio de Janeiro. O governo federal tem sido, ingenuamente, responsável por custos que não domina. A cadeia de inadimplência perderá sentido se o mesmo poder que define tarifas de água, esgotos e outros vier a ter o controle das tarifas de energia a consumidor. O DNAEE deverá limitar-se à fiscalização evitando abusos. Exercendo controle técnico rígido sobre as concessionárias cuidará da qualidade e segurança dos serviços assim como de sua continuidade, tendo atratividade a investidores do setor. Ser um grande tribunal em defesa do cidadão e da boa empresa deveria ser o seu objetivo.
O fim da tutela inútil da União é fundamental à racionalização do serviço de abastecimento de energia elétrica a cada cidadão. Ele e mais ninguém deverá decidir sobre o que pretende. O custo do serviço e sua qualidade é uma questão local. Cada um sabe de si. O DNAEE e os Ministérios da Fazenda e o das Minas e Energia têm que parar de atrapalhar. O Brasil é um arquipélago de culturas e economias muitas diversas. Não tem sentido a submissão atual a uma repartição brasiliense
Os estados brasileiros precisam impor-se à União. Têm sido instrumento dos mais poderosos. A área energética, com o esgotamento dos recursos naturais dos estados mais desenvolvidos, poderá ser um grande “handicap” a favor da industrialização de muitas regiões. Dentro do espírito do artigo 21 da Constituição Federal e deixando de ser ingênuos terão a oportunidade de ditar regras, se forem politicamente competentes.
Evidentemente estaremos inibindo um ambiente mais livre de trabalho. O estado perderá o poder que essas empresas lhes emprestam. Os programas sociais deverão ser negociados e compensados de alguma forma. As contas de energia serão cobradas, inibindo a inadimplência tão comum entre empresas governamentais e repartições públicas.
A discussão dessa migração será benéfica à nossa cultura. O que o povo brasileiro deseja? Quanto está disposto a pagar para ser um país decente, realista? Atualmente vemos dois mundos. O estatal e o privado. No primeiro há respeito rígido a todas as leis trabalhistas, há uma cultura socialista. No segundo vemos o capitalismo  mais feroz, selvagem. Qual deles desejamos? Haverá um meio termo?
Principalmente as grandes centrais sindicais deverão aprofundar esse debate com as associações de empresários. O debate honesto, menos politiqueiro e maniqueísta é necessário. Talvez seja uma utopia imaginar esse grau de civilidade. É necessário, urgente, contudo, o estabelecimento de diálogos construtivos para não se repetir o fiasco da constituição de 1988. Mal concluída e tampouco regulamentada, torna-se uma questão de salvação nacional modificá-la profundamente. O Brasil perdeu tempo, gerou miséria, desemprego, perdeu oportunidades extremamente valiosas porque perdeu-se em fantasias e utopias.
A privatização significará dar ao governo a oportunidade de concentrar-se em questões vitais à sobrevivência de nosso povo. A grande base da educação que precisa ser construída deveria estar sendo motivo de análises diárias. A saúde e segurança de nosso povo, a reforma do Judiciário, a descentralização administrativa e o seu aprimoramento são temas que precisam de espaço. Nossos governantes, que não têm demonstrado aptidão administrativa, não podem continuar com o controle de empresas que não entendem e usam como instrumento de politicagem.
O grande desafio será proceder a essa transformação de forma honesta e competente.
O gráfico a seguir dá uma idéia da situação a nível mundial. Alguns desses países sustentam programas de privatização e outros, como é o caso da França, permanece sem grandes alterações, dentro de uma filosofia estatal.

 

Gráfico mostrando a participação de empresas públicas nos sistemas elétricos


           
Este gráfico foi construído com informações extraídas do “Colloquium of study committee 37”, CIGRÉ, realizado em Tóquio , dia 17 de maio de 1995, sobre os arranjos institucionais no Setor Elétrico (Institutional Arrangements in the Electricity Supply Industry). Nota-se nas conclusões desse encontro a informação de que muitos países procuram otimizar suas estruturas, muitos deles procurando formas de concorrência entre empresas, reestruturação, privatização. Não há, contudo, um modelo dominante visível, por enquanto.
Nós, brasileiros, conhecendo nosso ambiente político, social e econômico, devemos nos conscientizar que o modelo atual é prejudicial ao país. A privatização é necessária para preservar o que sobrou das estatais. Elas precisam ter donos, diretrizes estáveis, acionistas sensatos.
A privatização conduzida de forma inteligente e a favor do nosso povo será a oportunidade de obtenção de recursos extremamente valiosos ao nosso desenvolvimento. As empresas privatizadas serão base para novas indústrias, outros empregos e serviços vitais à nação.






43.2. Dados de usinas


1 - Itaipu
Reservatório: 1460 km2
Potência total (Brasil + Paraguai):12.600 MW

2 - Furnas
Reservatório : 1.250 km2
Potência: 1.216 MW

3 - Sobradinho
Reservatório: 4.214 km2
Potência: 1.050 MW

4 - Tucuruí
Reservatório: 2.430 km2
Potência (primeira etapa): 3.300 MW

5 - Gov. Bento Munhoz da Rocha
Reservatório: 139 km2
Potência: 1674 MW

6 - Segredo
Reservatório: 81 km2
Potência: 1260 MW


43.3 Histórico


Fonte: livros da Memória da Eletricidade, salvo indicação especial.
Alguns fatos relevantes

Final do século 19

Introdução da energia elétrica principalmente na indústria, bondes e iluminação pública.
Criação das primeiras concessionárias, ausência total de regulamentação.

Início do século 20

A energia elétrica ganha espaço. Cria-se a LIGHT, primeiros conflitos por concessão. Surgem eletrodomésticos, o uso da lâmpada a filamento se generaliza. As cidades brasileiras adotam o bonde elétrico.

Década de 30

Muito por efeito da crise de 29, da exacerbação do sentimento nacionalista, dos prenúncios de uma nova guerra a União ganha espaço, lança o Código de Águas, crias restrições severas às empresas estrangeiras, assume o controle tarifário.

Década de 40

A II Guerra Mundial realça a necessidade de atuação nas indústrias estratégicas. Grande polêmica entre os nacionalistas, esquerdistas e liberais. Sob inspiração da TVA cria-se a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, CHESF. Os investimentos em energia elétrica são abaixo dos necessários. Ao final do seu governo, Vargas encaminha ao Congresso propostas para a criação do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE) e do Fundo Federal de Eletrificação (FFE).
Missões americanas geram, em conjunto com brasileiros, planos que serão implementados mais adiante.

Década de 50

Crises de abastecimento de energia elétrica colocam-na em destaque. JK assume esta bandeira. Muitas empresas estatais são criadas, entre elas a COPEL, CEMIG, FURNAS e ELETROBRÁS.

Décadas de 60 e 70

O governo militar dá grande impulso à produção de energia elétrica. Interligam-se sistemas, grandes usinas são construídas ou iniciadas, grandes indústrias instalam-se no Brasil. A ELETROBRÁS assume o comando do Setor Elétrico. Ao final da década de 50, o combate à inflação atinge as empresas de energia elétrica.

Década de 80

Abertura política, inflação elevada, investimentos enormes sem retorno, início e paralisação de obras. Com a Constituição de 1988 a carga fiscal sobre as estatais de energia elétrica cresce assustadoramente. Pressões sindicais excessivas contribuem para o agravamento da situação financeira das empresas.

Década de 90

Reordenamento do Setor de Energia Elétrica, preparação para a privatização, Plano Real, Lei 8631, investimentos reduzidos. Aumentam os riscos de racionamento de energia.


Algumas datas significativas

1879 - D. Pedro II concede a Thomas Edison o privilégio de introduzir em nosso país os aparelhos elétricos e processos inventados por Edison para a utilização da energia elétrica.

1879 - Inaugurado no Rio de Janeiro, com seis lâmpadas a arco, a iluminação elétrica da estação central da Estrada de Ferro D. Pedro II (atual Central do Brasil).

1881 - 16 lâmpadas a arco foram instaladas em parte do Campo da Aclamação (Praça da República), Rio de Janeiro.

1881 - 60 lâmpadas à filamento (Edison Electric Co.) são instaladas para iluminação da Exposição Industrial, Rio de Janeiro.

1883 - Primeira utilização da energia hidrelétrica no Brasil em Jequitinhonha, MG, para acionamento de duas bombas de desmonte hidráulico (lavra de diamantes).

1883 - Inaugurada a primeira linha de bondes elétricos no Brasil em Niterói.

1883 - Inaugurado o primeiro serviço de iluminação pública municipal do Brasil e da América Latina em Campos, RJ, com 39 lâmpadas.

1885 - Início da iluminação pública em Rio Claro (10 lâmpadas).

1886 - Em Curitiba, no Passeio Pública, funcionava a primeira lâmpada elétrica em iluminação pública no Paraná.

1887 - Início da operação da usina hidrelétrica no Ribeirão dos Macacos, MG, pela Compagnie des Mines d’Or du Faria. Além da mina atendia as casas dos trabalhadores e escritórios.

1887 - Criada no RJ a Companhia de Força e Luz, operou durante um ano chegando a manter 100 lâmpadas de iluminação pública em várias ruas do centro da cidade. A energia era gerada por uma pequena termelétrica.
1889 - Na cidade de São Paulo entrou em operação uma termelétrica para atendimento a consumidores particulares e iluminação pública do Bairro de Água Branca.

1889 - Entrada em operação da Usina de Marmelos - 0 (250 kW), Juiz de Fora, MG, fornecendo energia elétrica para a iluminação pública daquela cidade. A Companhia Mineira de Eletricidade, criada neste ano, era a responsável pela concessão.

1889 - Entrada em operação, em Curitiba, da sua primeira usina termoelétrica.

1892 - Entrada em operação dos primeiros serviços de energia elétrica para iluminação pública e uso residencial em Curitiba através da Cia. Água e Luz de São Paulo.

1899 - Em 7 de abril criada em Toronto, Canadá, a São Paulo Railway, Light and Power Company Limited com capital inicial de 6 milhões de dólares. Em julho Campos Sales autorizava a Light a funcionar no Brasil e em setembro os detentores da concessão a venderam a esta empresa. Em dezembro mudou a palavra Railway para Tramway.

Primeira década - Disputa de mercado com a Cia. Docas de Santos (Gaffrée e Guinle), jogo de influências, participação da chancelaria e Depto. De Estado Norte Americano.

Constituição Republicana : federalista, dava ampla liberdade aos estados.

1905 - Criação da Companhia Força e Luz Cataguazes - Leopoldina

1912 - Criação da CPFL, Cia. Paulista de Força e Luz.

1927 - Criada a Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras, CAEEB, subsidiária do grupo AMFORP, American & Foreign Power Company.

1929 - Início da crise econômica mundial.


1930 - Início do período Vargas e atuação de Juarez Távora.

1933 - Criação do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) com uma Diretoria de Águas, transformada em 1935 em Serviço de Águas.

1933 - Fim da cláusula - ouro.

1933 - Criação da TVA, Tennessee Valley Authority, autarquia norte americana.

1934 - Em 10 de julho de 1934, decreto federal 26.234, promulgado o Código de Águas (Juarez Távora). Estabelecia a distinção entre a propriedade do solo e a propriedade das quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica para efeito de exploração ou aproveitamento industrial. Consagra, assim, o regime das autorizações e concessões. Fixou em 30 anos o prazo para concessão, podendo chegar a 50 na hipótese de se realizar investimento vultuoso em obras e instalações. Instituição do custo histórico para definição de remuneração e tarifas.

1937 - A Carta de 1937 proibiu explicitamente qualquer novo aproveitamento hidráulico por companhias estrangeiras. O aproveitamento das águas só seria concedido a brasileiros ou empresas constituídas por acionistas brasileiros.

1938 - Decreto - Lei 852 adaptava o Código de Águas às normas e objetivos da Carta de 1937, disciplinava a instalação de linhas de transmissão, prorrogava o prazo de revisão dos contratos, suspendia as atribuições anteriormente conferidas aos estados de São Paulo e Minas Gerais. Estabelecia um prazo de cinco anos para que a freqüência fosse padronizada em 50 Hz em todo o território nacional.

1939 - Em 18 de maio Vargas criou, pelo Decreto - Lei 1285 o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, transformado no mesmo ano em Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, (CNAEE),  decreto 1699. Órgão diretamente subordinado à Presidência da República foi instrumento de atuação do Governo Federal até a criação do Ministério das Minas e Energia em 1960.


1939 - Em 14 de junho, com a crise de suprimento que se esboçava na cidade de Campinas, o Governo Federal definiu, por meio de Decreto - Lei 345, as regras de interligação dos sistemas elétricos e encarregou o CNAEE de administrar o suprimento de energia em todo o país.

1941 - Decreto - Lei 3128 definiu a base de remuneração como sendo a conta do ativo da empresa e não do passivo, o ativo seria avaliado em função do custo histórico e a remuneração sobre o capital fixada em 10% sobre o montante do investimento menos a depreciação (não especificada).

1941 - CSN, Cia. Siderúrgica Nacional, criada em 9 de abril de 1941, começou a produzir em 1946.

1942 - Cia. Vale do Rio Doce
Decreto Lei 4.352 de 1 de julho de 1942

1943 - Criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica - CEEE, transformada em Companhia Estadual de Energia Elétrica em 1963.

1945 - CHESF, Cia. Hidro Elétrica do São Francisco, criada em outubro de 1945 e instalada em 15 de março de 1948.

1952 - CEMIG, Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A., constituída em 22 de maio .

1952 - BNDE, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

1953 - Criação da PETROBRÁS e estabelecimento do monopólio estatal sobre o petróleo.

1953 - USELPA, Usinas Elétricas do Paranapanema, agosto.

1954 - Lei 2.308, instituindo o FFE, Fundo Federal de Eletrificação, e o IUEE, Imposto Único sobre a Energia Elétrica, capitalizando o FFE. Os recursos do FFE só podiam ser aplicados em empresas públicas, criadas para a eletrificação.

1954 - COPEL, Cia. Paranaense de Energia Elétrica

1955 - CELESC, Centrais Elétricas de Santa Catarina.

1955 - CHERP, Cia. Hidrelétrica do Rio Pardo,

1957 - RFFSA, Rede Ferroviária Federal S.A. , criada pela Lei n. 3.115 de 16 de setembro de 1957.

1957 - FURNAS, Central Elétrica de Furnas.

1960 - CEMAR e COELBA.

1961 - CELUSA, Centrais Elétricas de Urubupungá S.A.

1961 - BELSA, COSERN, ENERGIPE e outras nos anos seguintes.

1961 - ELETROBRÁS, criada pela Lei 3.980-A de 25 de abril e instalada em 11 de junho de 1962.

1966 - CESP, Centrais Elétricas de São Paulo, constituída em dezembro de 1966, absorvendo entre outras empresas paulistas a USELPA, a CHERP e a CELUSA.

1973 - Tratado de Itaipu

1973 - Lei 5.899 de 5 de julho dispõe sobre a aquisição da energia de Itaipu.

1975 - Assinado em 27 de junho o Acordo Nuclear Brasil - Alemanha, prevendo a instalação de 8 centrais nucleares até 1990, com capacidade de 10.400 MW.

1975 - Estabelecido processo de equalização tarifária e contas CCC e RGG. As tarifas começam a ser afetadas por políticas de combate à inflação.

1990 - Lei 8.031 de 12 de abril cria o Programa Nacional de Desestatização, PND.

1992 - Decreto 572 de 22 de junho inclui no Programa Nacional de Desestatização a ESCELSA, Espírito Santo Centrais El e a Light Serviços de Eletricidade S/A.

1993 - Atuação de Eliseu Resende

1993 - Lei 8.631 de 4 de março, dispõe sobre a fixação dos níveis das tarifas para o serviço público de energia elétrica, extingue o regime de remuneração garantida, estabelece encontro de contas (CRC), cria o Conselho de Consumidores e dá outras providências.

1993 - Decreto 774 de 18 de março regulamenta a Lei 8.631.

1993 - Decreto 915 de 6 de setembro autoriza a formação de consórcios para geração de energia elétrica.

1993 - Decreto 1.009 de 22 de dezembro cria o SINTREL, Sistema nacional de Transmissão Elétrica.

1994 - Portaria DNAEE, número 337, de 22 de abril, regulamenta o SINTREL.

1995 - Decreto 1.503 de 25 de maio inclui as seguintes empresas no PND: ELETROBRÁS, FURNAS, ELETRONORTE, ELETROSUL e CHESF.

1995 - Lei 8.987 regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal.  Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.

1995 - Lei 9.074 de 7 de julho estabelece normas para outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências.




44. Referências bibliográficas


1 - ROSA, Luiz Pinguelli, Textos para discussão, Fórum de Ciência e Cultura e SR-5 / UFRJ, julho , 1992.

2 - COPEL, Aspectos Tarifários 94, DEF/SPF/DPTA/VTAR, 1995

3 - LUCAS LOPES, Memórias do Desenvolvimento, Memória da Eletricidade, Programa de História Oral do CPDOC / FGV

4 - COTRIM, John R., A História de Furnas, Furnas Centrais Elétricas, 1994.

5 - MARCONDES FERRAZ, Octavio, Um Pioneiro da Engenharia Nacional, Programa de História Oral do CPDOC / FGV, Memória da Eletricidade.

6 - Um Século de Eletricidade no Paraná, Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, 1994.

7 - CALABI, A.S. - FONSECA, E.G. - SAES, F.A.M. - KINDI, E. - LIMA, J.L. - LEME, M.I.P. - REICHSTUL, H.P., A Energia e a Economia Brasileira, Estudos Econômicos - FIPE/PIONEIRA, 1983.

8 - LIMA, José Luiz, Políticas de Governo e Desenvolvimento do Setor de Energia Elétrica do Código de Águas à Crise dos Anos 80 (1934-1984), Memória da Eletricidade, 1995.

9 - LOWE, Janet, O Império Secreto, Como 25 multinacionais dominam o Mundo, Berkeley Brasil Editora, 1993.

10 - DONAHUE, John D., Privatização, fins públicos, meios privados, Jorge Zahar Editor, 1989.

11 - DIAS, Renato Feliciano, CABRAL, Lígia Maria Martins, CACHAPUZ, Paulo Brandi de Barros, LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer, Panorama do setor de energia elétrica no Brasil, Memória da Eletricidade, 1988.

 

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